SISTEMAS SOCIAIS - A TEORIA SOCIOLÓGICA DE NIKLAS LUHMANN

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Gottfried Stockinger

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Abstract
This article – „Social systems – the sociological theory of Niklas Luhmann“ – introduces to the basic notions and the theoretical concept of the author in question. The theory of social systems in presented as an integrated part of a general theory, whose interdisciplinary approach ranges from physical termodynamics and biogentics to cibernetics and information theory.
Luhmann bases his system theory on a particular concept of communication as the only fundamental process – the „genetic matter“ - which constitutes society. Society is shown as a complex, non-deterministic system, exposed to casual fluctuations, based on „sense“, which is able to transform differences emerging in the systems environment to information.
Autopietic systems process this information (taken as „news“) to guide themselfes through a non-linear evolutionary process, leading to a functionally differenciated global society.

Resumo
Este artigo introduz aos conceitos básicos e à abordagem teórica da obra de Niklas Luhmann. A teoria de sistemas sociais é apresentada como uma parte integrante de uma teoria geral de sistemas, cuja abordagem interdisciplinar abrange desde a termodinámica física e biogenética até a cibernética e teoria da informação. Luhmann baseia sua teoria numa concepção particular de comunicação enquanto processo funamental – ou „matéria genética“ – que constitui a sociedade. Esta é mostrada como um sistema complexo, não determinado, exposto a flutuações casuísticas, baseado em „sentido“, o qual é capaz de tranformar diferenças emergentes no ambiente do sistema em informação (tomada como „novidades“). 
Sistemas autopoiéticos processam esta informação, guiando-se através de um processo evolucionário não linear que leva a uma sociedade mundial funcionalmente diferenciada.

 

Introdução
O presente  artigo trata da teoria sociológica de Luhmann, a qual tem criado, na última década, um novo standard de pensamento, difundido sobretudo nos paises de língua alemã, mas com crescente aceitação global. 
Nascido em 1927, Professor na Universidade de Bielefeld, Alemanha, desde 1968, Luhmann construiu sua obra essencialmente em torno da teoria geral da sociologia, sociologia do direito, da economia e das organizaçôes. Entre suas principais publicações, todas bastante volumosas, se encontram Sociologia do Direito (1972), Sistemas Sociais - Fundamentos de uma teoria geral (1984), A economia da sociedade (1988), A ciência da sociedade (1991) e A sociedade da sociedade (1997).
O trabalho de Luhmann absorve, além do pensamento dos clássicos da Sociologia, as conquistas essenciais da teoria de sistemas complexos e não lineares, desenvolvida e utilizada simultâneamente e em interação recíproca em várias áreas científicas, como na física termodinâmica, biologia molecular, cibernética e teoria da informação e comunicação, entre muitas outras.
Tais teorias tratam de matéria em movimento, em constante mudança. Sua vertente sociológica, revelada na teoria luhmanniana, se aplica especialmente a um mundo social no qual ocorrem alterações velozes, inexplicáveis pelas teorias sociais tradicionais fixadas mais na questão da manutenção da ordem.
Este artigo não é uma apreciação crítica da sociologia luhmanniana. Ele tenta resumir, num espaço limitado, os seus principais traços, sobretudo os polémicos, para expô-los à reflexão e às considerações do leitor.

A teoria da sociedade enquanto sociologia da comunicação

Na percepção de Luhmann, a visâo tradicional de sociedade muitas vezes está baseada em pressupostos errôneos, criando „obstáculos epistemológicos“, ou seja impedem a imaginação sociológica a ver o „social“ de maneira mais descondicionada. Trata-se dos seguintes pressupostos, comumente aceitos:
1) Sociedade se compôe de pessoas e/ou de relaçôes entre elas.
2) Sociedade se constitui e se integra pelo consenso e pela complementariedade de opiniôes e objetivos.
3) Sociedades sâo unidades regionais, geograficamente delimitadas (Sociedade brasileira, francesa, alemâ etc.).
4) Sociedades podem ser observadas de fora, tal como grupos de pessoas ou territórios.

A teoria sistémica, contrapondo-se a estes pressupostos, tenta criar uma outra visâo:
1) Afirma que o consenso e a complementariedade – caso existirem – são produto de processos sociais e não elementos constitutivos. A constituiçâo/integraçâo de sociedade nâo se dá por consenso mas sim pela „criaçâo de identidades, referências, valores próprios e objetos atraves de processos de comunicaçâo na sua própria continuaçâo“, independente daquilo que os seres experimentam no confronto com ela. (1997, p.29).
2) Devido à distinçâo axiomática feita pela teoria sistémica entre „sistema“ e „ambiente“ (ou „meio“), o social enquanto sistema há de ser separado do seu ambiente psíquico e/ou biológico. O sistema social é composto únicamente por comunicaçôes, isto é de mensagens e informação. Os seres humanos enquanto pessoas e indiviúdos não pertencem a este sistema. A distinção epistemológica feita pela teoria os enquadro no ambiente do sistema social, passam a ser algo como a „razão externa“ da existência do sistema.
3) Tal mudança de visão, ao mesmo tempo que  afeta a autopercepção do indivíduo frente a sociedade,  muda o método de explicação para toda uma gama de  fenómenos sociais como desigualdade social, formação de estratos e classes sociais etc. Porquê se o Homem fizesse parte do sistema, tais diferenciações podiam ser explicados apenas como atos de discriminação social que contrariam os direitos universais, responsabilizando para tal os indivíduos (como o faz a jurisprudência arcáica ainda dominante na nossa sociedade). 
A teoria sistémica, pelo contrário, democratiza a visão da sociedade, tornando-a mais sociológica, científica. A diferenciação nâo é mais colocada dentro das pessoas, mas ocorre entre estes e o do sistema social, é colocada portanto dentro do „modo de comunicação“, por assim dizer (embora Luhmann não use esta expressão). Para fazer jus a uma explicação „verdadeiramente“ sociológica dos fenômenos sociais „existe apenas a possibilidade de ver o Homem, inteiramente, com corpo e alma, como parte do ambiente do sistem social“(1997, p.30). 
A teoria sistémica, concebida na base de processos comunicativos, permite uma melhor adequação à sociedade global sem fronteiras de comunicaçâo, onde o sentido das sociedades territoriais desaparece.
 

Mudança de paradigma na teoria de sistemas sociais
A teoria sociológica funcionalista sofreu mudanças radicais na sua evolução recente,  marcada por impulsos interdisciplinares que concorrem para uma teoria geral de sistemas dinâmicos, vindo de:
? Física, nomeadamente da termodinámica não linear de Ilya Prigogine e outros autores.
? Biologia: nomeadamento pela descoberta da estrutura genética enquanto código de informação (Watson/Creek no fim dos anos 50), pela introdução do paradigma da autopoiesis (autoorganização) de seres vivos, pelos autores chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela (1980) e pela descoberta de processos sinergéticos e hipercíclicos na evolução química/molecular por Hermann Haken, Manfred Eigen e outros (1985).
? Informática e cibernética: nomeadamento pela teoria dos sistemas cibernéticos autoreguladores (Norbert Wiener, anos 40), criação do modelo de transmissão de informação formal (transmissor-canal-receptor) por Shannon & Weaver (inicio dos anos 50), assim como pelo vasto desenvolvimento dos fundamentos das redes neuronais e eletrónicos nos anos recentes.
? A teoria de sistemas sociais não-lineares e complexos co-evoluiu praticamente com estas descobertas, pondo-se hoje em interação permanente com seus resultados, cada vez mais alucinantes.
Todas estas teorias têm em comum a substituição de „causas“ ou „fatores“ pela interação de partes que formam um sistema. Nenhuma causa é considerada suficiente para criar um determinado efeito.

 

Elementos e  noções básicas da teoria de Luhmann
Sistemas sociais

Como qualquer outro sistema vivo, sistemas sociais são comunicativos, quer dizer que produzem e processam informações, que podem ser vistas como „matéria prima“ básica. 
Informação é tida aqui no sentido de „novidade“, e não simplesmente como qualquer mensagem transmitida ou recebida. Luhmann recorre aqui à definição de  Gregory Bateson ( 1972, p. 315): “A ‘bit’ of ‘information’ is definable as a difference which makes a difference”.
Uma mensagem, um símbolo, um código se transforma em informa´cao,  quando produzem um efeito seletivo num sistema, quando este pode escolher a partir de diferenças existentes.
Um sistema social é constituido por comunicaçôes, isto é por interações que contêm informação. Comunicações conectam com comunicaçôes. O sistema cessa - deixa de existir - quando a comunicaçâo acaba.
Sistemas sociais são auto-organizados (Luhmann fala de „autopoiesis“). A ação do sistema se dá a partir de um “self”, construido no e pelo imaginário inconsciente de um ambiente que lhe fornece os elementos (dados, informações, códigos, símbolos).
Sistemas sociais representam uma “conexão dotada de sentido de ações que se referem umas às outras e que são delimitáveis no confronto com um ambiente”.(1982, p. IX). 

Diferenciação funcional
Trata-se de um processo incessante de produção de novas estruturas capazes de definir as ações admitidas e excluidas.
A comunicaçâo e o concomitante processamento de informações se orientam em diferenças, que possibilitam a formação de temas, valores e outros „objetos“ sociais em torno destes.
Sistemas sociais emergentes não partem de uma identidade, mas sim de uma diferênça. Em todas as experiências da vida social se encontra uma diferença primária: a diferença entre o que atualmente ocorre e aquilo que a partir daí é possível  acontecer. Esta diferênça báscia, que é reproduzida forçosamente em todo tipo de vivência, atribue a cada experiência o valor de uma informação, capaz de ser processada e comunicada.
Isso possibilita a atribuição de valores inclusive a acontecimentos casuais e construir ordem a partir destas.
Desta forma, sistemas reduzem a complexidade infinita do mundo através da seleção daquilo que á atualmente relevante.

Sistema e elementos
Na tradição científica, o termo „elemento“ estava relacionado com algo estável, com unidades irreduzíveis que compõem – igual tijolos – os objetos. Assim, a busca de tais tipos de  elementos compositores do „mundo real“ – desde átomos até aos indivíduos – marcava todas as áreas científicas.  Hoje,  mesmo as teorias consideradas as mais „sólidas“, como as da física, estão repletas de explicações através de partículas virtuais, extramamente voláteis e fugazes, com tempo  de decomposição perto ou até abaixo de zero.
Luhmann introduz este aspecto na sua teoria. Ele fala de uma “temporalização radical do termo elemento“. A teoria de sistemas autopoiéticos pode explicar a dinámica e evolução da estrutura social „apenas se se pressupõe que os elementos que compõem o sistema não tem duração,  e que, portanto, devem ser reproduzidos permanentemente ..; o sistema deixaria de existir, mesmo no ambiente mais propício, se ele não equipasse os seus elementos com capacidade de conectar com outros, portanto com sentido, e assim os reproduzisse”. (1984, p. 28).

Sistema e ambiente
A noção de ambiente não deve ser visto como uma categoria-resto. Ambiente não é aquilo que sobra quando se subtrai o sistema. Pelo contrário, a relação ambiente / sistema é constitutiva para a realidade, e não apenas no sentido do ambiente estar aí apenas para a  „manutenção“ do sistema, seu abastecimento com energia e informação, como T. Parsons ainda postulava. „Para a teoria de sistemas autoreferenciais o ambiente é antes de mais uma pressuposição da identidade do sistema, porque identidade é apenas possivel quando há diferença...Nem ontológicamente, nem analíticamente o sistema é mais importante do que o ambiente. Porque ambos é o que são apenas em relação ao outro.”(1984, p. 243f).
Desta forma, a superestimação própria da noção de sujeito, nomeadamente a tese da subjetividade da consciência, é revisada. A „base“ do sistema social não é o sujeito, mas sim o ambiente. Ambos formam uma unidade inseparável. Sua relação não é tanto de influência mútua, mas sim de cooperação possível dentro de um mundo instável exposto a flutuações casuísticas.
A diferença entre sistema e seu ambiente  é intermediada exclusivamento por limites de sentido. Áreas de sentido – campos cognitivos e do imaginário – passam a constituir os principais “territórios” na sociedade de informação. A territorialidade física perde seu valor e suas propriedades.
A distinçâo sistema / ambiente se origina na teoria cibernétia e da evolução. A teoria de sistemas cria mudança radical pelo fato de não mais falar-se de objetos mas sim de diferenças, de distinções, de diferenciações. Estas não podem ser tratadas como coisas, quer dizer como algo que já existe e que precisa apenas ser observado, ser percebido, ser analizado.  Distinções são objetos virtuais, elas devem ser feitas, ser realizadas,  senão não existem. Quando nenhuma diferença for realizada, nada mais havia a ser comunicado. O sistema não continuaria, terminaria, entraria em colapso. A estabilidade e a duração do sistema depende, permanentemente, de novas diferenças e distinções a serem criadas.
Tal criação se dá atraves de processos de comunicação nos quais ocorrem cruzamentos, misturas e novas conexôes de sentido. Isso não quer dizer, no entanto, que cada ato comunicativo cria um sentido novo. A comunicação aparece normalmente como algo repetitivo, redundante e muitas vezes prolixo. Mas, nestes sequenciamentos repetitivos, desvios se tornam inevitáveis, já que a comunicação ocorre num ambiente incerto, complexo, sujeito a flutuações das mais variadas.
Essas diferenças e novas distinções que certamente aparecem no sistema social são efetivadas – são „causadas“ -  por elementos no ambiente do sistema, essencialmente por humanos que constantemente „irritam“ a comunicação com as mais variadas contribuições criativas.
Formalmente, tais criações não são nada mais do que desvios do imaginários social tido como „tradicional“, como „costumeiro“ , como „habitual“, enfim: „normal“. Eles representam a energia primária do sistema, presente em forma de informação, a qual aparece aqui como um terceiro estado das coisas, ao lado de matéria e energia. (Ver Stonier, 1993). 
Estas informações – enquanto matéria e energia do sistema social - são processadas de forma autoorganizada. O sistema carece, portanto, de uma „essência“, de valores sociais „eternos“, de uma moral ou de costumes etc. determinados. Ele se constitui e se modifica meramente pelas flutuações ocorrentos no próprio processo comunicativo que se reproduz em torno de conteúdos construidos, muitas vezes casuisticamente.
"Não existe, portanto, uma descriçâo externa da sociedade, pela qual ela poderia se corrigir a si própria. Na visão tradicional o interesse numa descriçâo infalível foi externalizado e a posiçâo correspondente foi atribuida a Deus." (1997, p. 89).

Limites ou fronteiras de sistemas
A noção de limite ou fronteira (Grenze) entrou mais recentemente na teoria de sistemas, quando se começou a distinguir entre sistemas fechados e abertos, percebendo ambos os tipos  não como sendo contrários um do outro mas sim  como sendo complementares. 
Limites ou fronteiras tem um papel ativo. Eles „trabalham“ a interação entre o ambiente e o sistema. Tendo limites ativos, sistemas podem fechar-se e abrir-se, potencializando assim suas chances de (sobre-)vivência. Eles representam, portanto, „uma conquista par excellence da evolução”. (1997, p. 53).
Dentro de suas fronteiras, sistemas sociais se apresentam como operacionalmente fechados, embora continuem abertos no sentido termondinámico (quer dizer que estão expostos a um fluxo energético, representado pelas informações provindas do ambiente). Tal fechamento operacional lhes permite de se manter e evoluir num ambiente que, em relação ao sistema, é algo desordenado, caótico. 
A ligaçâo do sistema social com o seu ambiente – o seu metabolismo energético em forma de informação - se dá por um processo chamado de „acoplamento estrutural“, que pode ser visto como a „digitalizaçâo de relaçôes analógicas“, executada por exemplo pelas funções da linguagem.
O pressuposto do fechamento operacional do sistema social aloca o indivíduo definitivamente no ambiente do sistema. O ponto de diferença para a sociologia de tradição filosófica humanista é que nesta o ser humano foi visto como estando dentro e não fora da ordem social. Ele foi chamado de „indivíduo“, porque era para a sociedade um elemento indissolúvel.  Era tido como zoon politikon e animal social. 
Quando se vê o ser humano como parte do ambiente da sociedade, as premissas das questões mudam. De repente, todas as mitologias sobre a formação de coletivos humanos são ultrapassaas, ou, melhor dito, elas são relegadas para o nível da auto-descrição do sistema social. 

Sentido
Sistemas sociais são sistemas de sentido ou sistemas-sentido (Sinnsysteme). A denominação se refere à conotação da palavra alemã „Sinn“ como algo que „faz sentido“ ou até algo que „produz sentido“. 
Sua função principal para o sistema social reside na seleção das possibilidades de experiência vital e redução da complexidade do meio. Tal função é básica. Ela é necessária porque a relação ambiente/sistema é incalculável, indeterminado, imprevisível, e depende, portanto de „memória“, base técnica de sentido. Sentido transforma o caos em estrutura.
Ao contrário do que postulava o paradigma  newtoniano sobre sistemas mecâncios, para sistemas de sentido „o mundo nâo é um mecanismo gigante..., mas sim um potencial inesgotável de surpresas; ele é informaçâo virtual que precisa de sistemas para produzir informaçâo real, ou melhor dito: para atribuir o sentido de informaçôes a irritaçôes selecionadas.“ (1997, p. 46).
As ciências humanas pôs-newtonianos tratam de dois tipos de sistemas-sentido, que são acoplados estruturalmente e que surgiram no caminho da co-evolução: os sistemas psiquico e social. Freud foi o primeiro a descobrir suas interligações sutís e subliminares. Luhmann introduz sua interação através da distinção sistema (social)/ ambiente (psíquico). Ele afirma que „cada um destes dois tipos de sistema forma necessariamente o ambiente do outro”. (1984, p. 92) O que eles tem em comum é que ambos dependem de “sentido”, que aparece aquí como uma “qualidade evolucionária”.
Isso não quer dizer, no entanto, pelo menos na visão luhmanniana, que haja algum „substrato“ especial que possa ser denominado de „portador de sentido“ por essência, como algo que, já „ao nascer“, fosse permeado por qualidades como raciocínio, lógica, reflexão ou coisa parecida. “Embora existam pressupostos evolutivos complexos para a formação de sentido, não existe nenhum portador privilegiado, nenhum substrato ontológico de sentido. Nem a consciência nem a comunicação se apresentam como candidatos para este papel. Apenas a forma de interconexão destaca a consciência ou a comunicação. Apenas apontando para algo diferente, a consciencia pode se perceber a si própria, e o mesmo vale de maneira diferente para a comunicação. O ‘portador´ de sentido, é portanto uma diferença nas atribuições de sentido, e esta diferença tem por sua vez a sua causa no fato de todas as atualizações e atribuições de sentido terem que ser seletivas.” (1984, p. 143).
Não se afirma, no entanto, que podiam existir sistemas sociais sem que haja consciência. Mas a subjetividade, a existência de consciência, suas fundamentações, tudo isso é percebido como ambiente de sistemas sociais e não enquanto sua auto-referência. „Apenas com este distanciamento ganhamos a possibilidade de elaborar uma teoria verdadeiramente ‘autônoma‘ de sistemas sociais.“ (1984, p. 234).
Mesmo quando postula que a consciência forma o ambiente de um sistema social,
Luhmann admite, no entanto, que fica difícil para uma consciência individual reconhecer que ela não é portadora de sentido social, já que ela constitui um sistema auto-referencial – um „ego“ – capaz de se transportar para fora dos seus limites e constitui, assim, sentido para si próprio.

Complexidade
Um sistema é chamado de complexo quando a quantidade de partes e sub-sistemas, que o compõem ultrapassa um determinado limiar a partir do qual não é mais possivel de por todos os elementos em relação uns com os outros. Sempre que o número de elementos a conectar-se ultrapassa este limiar „surgem necessidades de seleção, e se produz uma seletividade de fato de tudo que é realizado. É realizada uma seleção da totalidade de possibilidades de relacionamentos atuais de cada vez.” (1984, p. 187).
Sistemas são selecionados como pontos de vista e temas ordenados, a partir das quais se pode acessar uma relação entre sistema e ambiente.

Autopoiesis
Autopoiesis ou autoorganização é uma qualidade interna do sistema, intocável de fora. O termo denomina a unidade que um elemento, um processo, um sistema é para si próprio, isto é independentemente da interpretação ou observação por outros.
Através de autoorganização o sistema constitui seus proprios elementos como unidades funcionais. A relação entre os elementos se refere à sua auto-constituição, a qual é reproduzida, assim, permanentemente.
Uma consequência importante que resulta forçosamente de uma constituição autoorganizada de um sistema é a impossibilidade de controle unilateral. Nenhuma parte do sistema pode controlar outros, sem estar sujeito ao controle das outras partes. Uma estrutura de poder assimetrica, autoritária, requer portanto procedimentos especiais que reprimam auto-constituição do sistema.
Autopoiesis inclui autoreferência – a capacidade de se relacionar consigo próprio, de refletir-se. Ela permite uma enorme amplificação dos limites de capacidade de adaptação estrutural e da abrangência da comunicação interna
Na base da autopoiesis de sistemas sociais Luhmann encontra um processo autocatalítico, construido a partir de uma situação de „dupla contingência“.
Esta noção vem de T. Parsons E. Shils (1951) e significa que a interação, no momento de surgir,  se refere a uma incerteza dupla existente em ambos os lados prestes a se comunicar. Para que possa haver comunicação, esta situação de contingência dupla tem de ser ultrapassado de algum modo. “Parsons parte do princípio que não pode haver ação se Alter fizer depender seu comportamento de Ego e se Ego quiser orienta-lo em Alter”. (1984, p. 149)
O sistema social não surge,  portanto, de uma concordância de opinião ou de ação, nem de uma coordenação de interesses e intenções de diversos atores. Sem solução do problema da dupla contingência nenhuma ação emerge, porque falta a possibilidade de sua determinação.
A solução não está no postulado de normas e estruturas simbólicas (“shared symbolic system”, segundo Parsons). Muito mais do que isso, é a prórpia emergência contínua destes que deve ser explicado.
Para surgir comunicação, e com ela um processo ou até sistema social, nào precisa existir um consenso de valores prefixado. O problema da dupla contingencia (i.e. a auto-referência vazia, fechada, indeterminada) „aspira“, por assim dizer, qualquer interação de conteudo completamente casual. „Se se não existisse um consenso de valores, haveria de inventá-lo. O sistema surge, etsi non daretur Deus”.
Um exemplo de uma situação de dupla contingência com qualidades autocatalíticas, tirada do cotidiano, é dada pelo encontro de duas pessoas estranhas uma a outro, num elevador. Quem já presenciou, certamente já experimentou esta sensação de „referência vazia“. Se mostra num tipo de tensão que verdadeiramente „clama“ para ser aliviada, através de uma comunicação qualquer. Uma vez iniciada, ela pode ter continuidade, constituindo até uma relação mais ou menso duradoura.
Sob condições de dupla contingência de sistemas autoreferrenciais cada acaso pode se tornar um impulso produtivo para a gênese de um sistema social. O sistema social se baseia portanto em instabilidades, em flutuações permanentes às quais ele tem de resistir.
A situação de dupa contingencia possui portanto as qualidades de um fator auto-catalítico, o qual cria, sem ser ‘consumido’, estruturas num novo patmar de ordem.
Em consequência diferencia-se um sistema social, destacando se do seu pano de fundo psico-biológico. Ele forma seus próprios elementos e limites e se abre para o acaso. O surgimento de um ambiente casual (ruido) é primordial.
“A teoria se abre mais para os acasos e pode se conextar ao princípio do ‘order from noise’ da teoria geral de sistemas
Dupla contingência “”não combina com a pressuposição de uma natureza..) e também não de um a priori. Ela libera níveis de ordem emergente, tornando-aas autómas em relação à especulações sobre noções como materia ou espirito. No lugar de tais concepções de última segurança aparrece a imaginação de um problema que se torna produtivo sempre que a complexidade de realidade dada fosse suficientemente complexa”(173).

 

Comunicação e ação social
„À pergunta, de que é que consistem sistemas sociais, damos uma resposta dupla: de comunicações e de sua conexão com a ação, em evolução conjunta" (1984, p. 240).

Comunicação como processo social elementar
Luhmann na verdade não elabora uma teoria da comunicação strictu sensu. No entanto, ele constroi sua sociologia num conceito de comunicação, o qual, visto de mais perto, abrange praticamente todos os tipos de interação possíveis. Ele não se cansa em afirmar que “o processo elementar que constitui o Social como uma realidade própria é um processo de comunicação.”(1984, p. 193). Este se transforma praticamente em sujeito, ganha vida própria. 
Esta „inversão epistemológica“ o leva a uma explicação genuina das origens da ação social e da sociabilidade humana. „Sociabilidade (Sozialität) não é uma maneira específica de ação, mas sim a ação é constituida, em sistemas sociais, através de comunicação e atribuição enquanto redução de complexidade, enquanto autosimplificação indispensável do sistema“ (1984, p. 191).
Comunicação é um processo seletivo, quando baseado em sentido. Este estabelece os limites e o horizonte.
Enquanto Weber procurava constituir sua teoria da ação social na compreensão (Verstehen) do indivíduo, Luhmann deixa interagir „processadores de informação capazes de se relacionar um com o outro e sobre o outro“ (1984, ibd). O sistema social emerge, então, dos acórdãos resultantes da interação dos processadores. A estrutura destes sistemas tem apenas a função de possibilitar a „negociação“ de tais acórdãos e sua modificação permanente. 
A estrutura social não representa, portanto, uma rede ou o caminho que regula diretamente as ações humanas. Ela orienta apenas a comunicação que tornará determinadas ações mais prováveis do que outras.
Neste processo „genético“ da ação social aperece, portanto, o processamento de informação como intermediador. Ele se coloca, por assim dizer, entre os agentes que se confrontam, criando um espaço de reflexão, um espaço para ações performadas apenas „virtualmente“. As ideias e expectativas não se materializam imediatamente. Apenas  „brinca-se“ com a sua realização. Sociedade humana, enquanto sociedade consciente, emerge.
O processo básico que produz os elementos ativos de sistemas sociais – as ações – pode, assim, apenas ser alocado no campo da comunicação, formando o campo psicológico – o da compreensão individual – o seu ambiente. Sistemas sociais não podem ser definidos psicológicamente.
Para que o processo de comunicação possa guiar-se a si próprio, ele deve ser decomposto em ações, deve ser reduzido a estas. „Sistemas socias não são portanto compostos por ações...Pelo contrário, eles são decompostos em ações e ganham com esta redução a base para conectar com futuras ocorrências comunicativas“ (1984, p. 193).

Revisando o conceito de comunicação
Via de regra, ao definir o conceito de comunicação, usa-se a metáfora da „transmissão“ de informações. Segundo Luhmann, esta metáfora é improdutiva, porque ela sugere que o transmissor entrega algo que o endereçado recebe. Isso não é o caso já pelo simples fato do remetente não entregar nada no sentido de ele mesmo perder algo. „Toda a metafórica do possuir, ter, dar e receber...é imprópria para a compreensão de comunicação“. (1984, p. 193).
Lumann vê uma mensagem como nada mais do que uma „sugestão“ ou uma „incitação“ – um impulso. Apenas quando tal sugestão for aceita, quando ela produzir uma excitação, a comunicação se torna existente.
O ato de comunicar se torna uma ato seletivo. Trata-se de um processo triplo e não apenas duplo. Não bastam um „transmissor“ e um „receptor“. A seletividade da informação – como interveniente genuino – é ela própria um momento importante do processo comunicativo.
Este terceiro momento se apoia na distinção entre mensagem (forma) e informação (conteúdo). Mensagem é propagação de códigos (mais ou menos perturbada por ruido), informação é novidade. Mensagens sem novidades não são selecionadas para o processamento, não „chamam atenção“.
O processo de comunicação pressupõe, portanto, além de uma certa configuração „técnica“, que os intervenientes funcinonem como sistemas que não estão completamente determindos pelo passado, isto é que eles são capazes de reagir a novidades, a informações, e de compreendê-las.
Resumindo, comunicação deve ser compreendido como uma síntese de tres aspectos: a informação, a mensagem, e a compreensão. Esta última significa a realização da comunicação. O resto, inclusive a aceitação daquilo que foi comunicado, ocorre „fora“ do processo comunicativo, enquanto „ato anexo“ (Anschlussakt).
 „Geneticamente“, comunicação surge e se reforça através de uma variedade de problemas e obstáculos que ela precisa superar para poder acontecer.
De antemão, ela parece improvável, já que ela está exposta ao contexto em que ocorre, e concomitantes possibilidades de desentendimento assim como a fronteiras de interação de ordem temporal, espacial e cultural.
Sendo assim,  „a história da evolução sócio-cultural, baseada em comunicação, não fornece uma imagem de um progresso linear em direção a uma compreensão cada vez melhor. Quanto mais se entende o comunicado, tanto mais razões se pode ter para recusá-lo“. (1984, p. 219).
Também existe a possibilidade de Metacomunicação, já que comunicação é autoreferente, é reflexiva. Pode-se comunicar sobre a comunicação.
Um espaço livro surge: „Nem tudo precisa ser dito na comunicação atual, quando se dispõe deste meta-nível, no qual se poder comunicar sobre o sucesso ou o fracasso da compreensão de um ato comunicativo.(1984, p. 211).
É o papel da linguagem de assegurar a reflexividade de processos de comunicação, permitindo em cada nível uma meta-comunicação. Isso flexibiliza o sistema, porque palavras podem ser retiradas e reinterpretadas.
Talvez seja ainda interessante anotar que Luhmann, ao se referir a meios de comunicação, não se refere aos diferentes tipos de mídia (TV, rádio, jornal etc.), que ele considera meros „veículos técnicos“. Os meios pelos quais se elaboram códigos simbólicos e processos de decisão reguladores da ação social, essenciais para a constitutição de sociedade, permanecem de cunho social: o poder, o dinheiro, a verdade e o amor.

 

Evoluçâo e mudança social

Evolução e racionalidade
Considerando a sociedade como um resultado de um processo de evoluçâo, de emergência do social a partir de acasos, de contingências e de recombinações, Luhmann busca adequar a sua construção teórica aos tempos atuais, onde a questão da mudança e da renovação da sociedade se colocou no centro das atenções, relegando o tema „ordem social“ ao segundo plano.
Ele constata que teorias da evoluçâo tratam de problemas genéticos, que não seguem uma lógica determinística, mas que lidam com a „ probabilidade do improvável“.
„Evoluçâo significa, por assim dizer, uma espera por acasos aproveitáveis. Isso pressupôe a existência de sistemas que se reproduzem, que se mantêm e que, portanto, sâo capazes de esperar“ (1997, p. 417).
Evolução não pode ser vista, portanto, como um processo contínuo, linear, que segue leis predeterminadas.
A sociologia tradicional sempre buscava a racionalidade nas projeções e ações sociais. Ela foi tomada como um ponto de referência, como quase uma crença numa harmonia social, onde o racional pudesse prevalecer  apesar da crescente complexidade da sociedade. Mas tais pressupostos, como por exemplo o da „mâo invisível“ guiando a economica do mercado,  são deixados de lado pela teoria de sistemas complexos.   „A sociedade se guia, se for o caso, atraves de flutuaçôes, que obrigam sistemas funcionais ou territoriais à auto-organizaçâo pela processamento de informações dissipativas“ (ibd.)

Evoluçâo e teoria sistémica
A diferênça entre sistema e ambiente é essencial para possibilitar evoluçâo. Nenhum sistema pode evoluir de dentro de si próprio. Se o ambiente nâo variasse de maneira diferente do que o sistema, a evoluçâo encontraria um fim rápido num estado de „adaptação ótima“ (´optimal fit‘).
No caso do sistema social são principalmente os indivíduos - que fazem parte do seu ambiente – que irritam-no constantemente com suas comunicaçôes diferenciadas e levam-no a flutuaçôes, criando assim situações de instabilidade.
Luhmann empresta uma série de conceitos da biologia, que oferece um concepção sólida no que ser refere ao surgimento de novas estruturas, lá chamadas de mutações. Ele encampa as noções de variaçâo e seleçâo, considerando-as capazes de explicar a „dinámica subjacente do sistema complexo“.
Adaptando o conceito de variaçâo ao caso de sistemas sociais, Luhmann constata que „variaçâo nâo significa simplesmente mudança.., mas sim a produção de uma variante para possível seleção“.(1984, p. 451)
O „mecanismo“ básico da variaçâo social se encontra em  processos de comunicaçâo, nomeadamente  “na invençâo da negaçâo e na codificaçâo verbal em sim/nâo possibilitada por ela... A variaçâo se produz, portanto, por uma comunicaçâo que rejeita conteúdos de comunicaçâo“ (1984, p. 459)
Variaçôes aparecem em massa – mas apenas poucas „sobrevivem“. A maioria delas desaparece sem ter sido usada. E nâo existe ligaçâo funcional entre variaçâo e seleçâo. „Se variaçôes ocoressem apenas tendo em vista suas chances de seleçâo, a socieade estaria exposta a um elevadissimo risco de decepçâo, já que a realidade social é extremamente conservadora e não troca tâo fácilmente o existente e comprovado por algo ainda desconhecido....“ (1984, p. 463).
Mesmo que a maioria das variações não tenha sido funcionalizada e assim se estabelecida no sistema, ocorreu, ao longo do tempo,  uma ampliaçâo histórica das possibilidades de variaçâo social, mudando o conceito de realidade. “ A realidade que era tomada como o inegável em si, torna-se suspeita de ser mera criaçâo, mera aparência, mero correlato da consciência, ou, como se diz hoje: mera construçâo“ (1984, p. 469).
Na sociedade (pos-?)moderna o novo tem se tornado algo estimado por si, o que leva a uma decepeçâo sobre si própria embutida na sociedade, já que a variaçâo sozinha não pode produzir evoluçâo.
No entanto, a emergência de variaçôes sociais em massa levou a sociedade a um estado de “metatransition”, um estado nâo-estacionário permanente. 
Lumann refuta ainda uma das teses dos teóricos da evolução, segundo a qual a evoluçâo seria um processo que leva de relaçôes simples a complexas. Ela „é insustentável pela mera razâo de nâo existirem relaçôes simples...e porque relaçôes complexas e menos complexas coexistem até hoje em conjunto”. Além disso,  mesmo simplificaçôes podem significar avanços evolutivos. „A evoluçâo nâo requer nenhuma indicaçâo de sua direçâo. Ela nâo é, de qualquer maneira, um processo orientado por objetivos”. (1984, p. 476).  

O papel do acaso 
O acaso é um acompanhante histórico de todas as explicações de mudanças,  quer científicas, quer populares. Normalemente ele entrou para substituit o desconhecimento de causas de mudanças.
Na teoria sistémica, o acaso passa a constituir uma qualidade de sistemas complexos em sua relação com o ambiente:  „Sob acaso entendemos uma forma de conexâo entre sistema e ambiente, que foge do controle pelo sistema. Nenhum sistema pode levar em conta todas as causalidades possíveis. Acaso é a capacidade de um sistema de usar eventos nâo produzidos ou coordenados por ele mesmo. Neste sentido, acasos significam perigos, chances, possibilidades“(1984, p. 450).
Outro aspecto influenciadoar da mudança, ligado ainda à questão do acaso, é aquilo que Luhmann chama de „supresa“. Já vimos, que a novidade é constitutiva para a emergência de uma ação social. Em princípio, cada evento, também cada ação aparece com um mínimo de surpresa, quer dizer destaca-se do anterior, atribuindo à ação uma  individualidade. Neste sentido a incerteza é uma condição estrutural.
“Se não houvesse momentos de surpresa, não haveria formação de estruturas porque não existiria nada que pudesse ser interligado. Os elementos, já que temporários, devem ser renovados. Caso contrário o sistema deixaria de existir. O presente desapareceria no passado e nada lhe daria continuidade” (1984, p. 391f).

 

Sociedade mundial
Luhmann constata que a noção antiga de „mundo“, que  estava relacionado com algo localizável e coisificado, está se dissolvendo com as possibilidades de comunicaçâo mundial que nâo se reduzem com a distância.
Mundo é aquí concebido enquanto Lebenswelt („mundo de vida"), como o faz Habermas (1982, p. 106f.), e Luhmann encampa esta concepção. Enquanto „sociedade mundial“, ele representa  o macrosistema da mais alta complexidade, não como uma coisa externa, mas presente no cotidiano, no mundo de vida de cada um. Hoje em dia „sociedade mundial está implicada em cada e qualquer comunicaçâo, independente da tematica concreta e da disstância entre os participantes...Sociedade mundial é o acontecer de mundo na comunicaçâo.“(1997, p. 150)
Para assimilar esta visão, outras visões „mecanicistas“ tem de ser descartadas. O mundo deixa de ser um aggregatio corporum ou universitas rerum, ou seja a totalidade das coisas visíveis e invisíveis. Ele também não é mais o infinito a ser preenchido, nem o espaço ou tempo absolutos, enquanto entidade que contém tudo. „O mundo nâo é nada mais do que o horizonte geral da vivência com sentido, quer que esta se volte para dentro ou para fora, para frente ou para trás. O mundo não está fechado por fronteiras mas sim pelo sentido que pode ser ativado por ele“ (1997, p. 153)
Enfim, o  mundo passa a constituir uma „correlaçâo de operaçôes“.
Adotando uma concepção não territorial do mundo, Luhmann entra na questão das desigualdades regionais e do processo conhecido como globalizaçâo por uma outra via. Ele reconhece que os efeitos de sistemas funcionais diversos – nomeadamente os  de tipo „tradicional“ versus os de tipo „moderno“ estão, hoje em dia, presentes em qualquer região global. Sobretudo os ambientes urbanos reproduzem mundos de vida semelhantes, qualquer que seja sua localização territorial. As diferenças existem, porque distintos sistemas funcionais „se reforçam ou se debilitam mutuamente por causa de condiçôes locais e regionais, criando padrôes diferentes.“(1997, p. 807). Tais diferenças regionais – referindo-se ao seu aspecto econômico -podem ser atribuidas sobretudo à flutuaçôes no mercado (financeiro) mundial. 
Sendo assim, a visâo territorial deve ser subsituida por uma sociedade mundial funcionalmente diferenciada, em qualquer lugar. „A diferenciaçâo funcional dos sistemas sociais está tâo enraizada dentro da sociedade, que mesmo o uso de meios políticos e organisacionais dos mais fortes não consegue boicotá-la regionalmente. É sobretudo o caso da queda do império soviético que ensina isso“ (1997, p. 161).
Novas perspectivas entram, portanto, no foco da observação sociológica: 
- A  questão da  dependência regional (ou nacional) se desloca para a interdependência funcional e seus efeitos regionais.
- As desigualdades – seu reforço ou diminuição – passam a ser atribuidas a seleçôes racionais do sub-sistema econômico: por exemplo o fato de investimentos irem para lá onde já tem investimentos anteriores
- O tema estratificaçâo e formaçâo de classes sociais pode ser subsumido à diferença-guia de  inclusâo/exclusâo social.

 

Referências bibliográficas

Bateson, Gregory (1972), Steps to an ecology of mind, New York.
Habermas, Jürgen (1982), Theorie des kommunikativen Handelns [Teoria da ação comunicativa], Vol I, Frankfurt.
Luhmann, Niklas (1984), Soziale Systeme – Grundriss einer allgemeinen Theorie [Sistemas sociais – esboço de uma teoria geral], Frankfurt.
---------------------(1997), Die Gesellschaft der Gesellschaft [A sociedade da sociedade], 2 vol, Frankfurt.
Maturana, Humberto (1980), Man and Society, in: Frank Benseler, Peter M. Hejl, Wolfram K. Köck (Org.), Autopoiesis, Communication and Society: The Theorie of Autopoietic System in the Social Sciences, Frankfurt.
Stonier, Tom (1993) "Information and the Internal Structure of the Universe" , New York, Berlin.  

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