A TRAJETÓRIA DA COMUNICAÇÃO COMO CAMPO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

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Francisco Rüdiger

Professor-titular da Faculdade de Comunicação    

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 

 

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 As comunicações ainda constituem um campo novo no âmbito do conhecimento científico, humanístico e tecnológico. A bibliografia especializada tem crescido muito nas últimas décadas, sobretudo no berço desse saber, os países anglo-saxões; mas por outro lado é problemático o acervo de conhecimento disponível. Surgido no período entre-guerras, pode-se dizer que a situação do campo, hoje, é a de uma área em processo de legitimação acadêmica, a despeito do fato de já ter assegurado sua repartição no interior da Universidade.

 O problema não é difícil de entender quando se lembra a novidade histórica do fenômeno em discussão : comunicação só se tornou conceito do conjunto de mensagens que circulam através da televisão, cartaz, rádio, imprensa, computador e outros meios técnicos por volta de 1940 (Estados Unidos).

 A televisão desempenha hoje um papel central na estruturação da vida doméstica e da conversação pública em todas as partes do mundo, consumindo, em média, 35 horas do tempo livre disponível pelo cidadão global -  e apesar disso tem pouco mais de meio século de existência. O jornalismo impresso apresenta uma história mais longa, tendo,  seu estudo, iniciado nas primeiras décadas do século, quando ocorreu sua popularização nos países ocidentais avançados. Entretanto ainda hoje não faz e, talvez, jamais venha a fazer parte do cotidiano dos milhões e milhões de pessoas que, por motivos diversos, não têm contato com a cultura literária e as formas de raciocínio público que ela ensejou historicamente.

 Em segundo lugar, precisamos considerar que os fenômenos de mídia se encontram em permanente mudança, ensejando  o aparecimento contínuo de problemas e exigências cada vez mais variados e complexos a todos os que, direta ou indiretamente, procuram lhe dar uma disciplina. Nesta área, vive-se em função do agora, senão do futuro imediato. O jornalismo impresso  nem bem fora estudado e lhe sucedeu uma teledifusão, que já não concentra tanto interesse, diante do avanço das chamadas novas tecnologias de informação.

 A comunicação é uma faculdade humana cuja aquisição remonta às origens da própria vida do indivíduo e da sociedade. A proliferação de tecnologias e a profissionalização de suas práticas ocorrida em nosso  século não modificou sua essência mas, sim, seu poder e dimensão. Nas últimas décadas, transformou-se de maneira profunda a forma como o homem comum se relaciona com sua cultura, para não falar da própria estrutura e sentido da cultura na sociedade.

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 O desenvolvimento tecnológico e as forças econômicas que lhe estão associadas alteraram as coordenadas de tempo e espaço por ele vividas, encurtando as distâncias que o separam de seus semelhantes em outras parte do mundo, ao homogeneizar a noção de atualidade. O conhecimento do que se passa nas mais diversas searas da vida, agora, não leva muitas horas para se tornar acessível a quem possuir meios e estiver interessado.

 Por outro lado, as relações de dependência e situações de perigo em que esse homem se vê situado, embora abrandadas, parecem colocar-se cada vez mais fora de seu alcance :  são maiores os riscos e ameaças  que passamos a correr em um sistema de vida mundial e instantâneo, no contexto do qual os processos de formação da vontade dependem de decisões tomadas por uma poucas empresas mundiais e a falência de uma economia local repercute de maneira imediata nos mercados do planeta inteiro.

 A civilização que se descortina através da comunicação entretanto não é menos formidável  pela crise que enseja às formas de cultura tradicionais. A Universidade, as igrejas, os costumes, os valores, a própria idéia de o que vem a ser o humano ... nada escapa ao questionamento e uma certa exaustão no contexto de uma realidade que se liquefaz em sensações, ritmos e imagens cada vez mais fugazes, rápidas e insignificantes.

 Queiramos ou não, estamos entrando em uma nova era,  cercada de incertezas, onde não só tudo o que é sólido se desmancha no ar, como dizia Karl Marx, mas ainda os valores que nos eram mais caros pouco a pouco vão se diluindo no elemento barato das redes de comunicação.

 Os problemas com que os estudiosos da matéria têm se defrontado ao tentarem legitimá-la como área do saber provêm, em parte, dessa situação, que atrai a atenção de quase todas as outras disciplinas, ao repercutir nos vários domínios da práxis coletiva. O crescente interesse de outras áreas para com os fenômenos de mídia, embora legítimo e inevitável, todavia não é um complicador menos importante nesse processo, considerando que a pretendida interdisciplinaridade resultante dele por diversas vezes tem se revelado um obstáculo que dificulta a  obtenção de um maior rigor científico.

 Nesssa área, verifica-se que os métodos de trabalho que se dispõe são tão duvidosos e movediços quanto os próprios contornos do campo de investigação. Apenas para citar alguns exemplos, não há termos de comparação entre os trabalhos de pesquisa que se realizam no âmbito da British Broadcasting Corporation (BBC), do Instituto Gemelli e do Media Lab (Massachussets Institut of Technology).

 Desde o início, colocou-se aos pesquisadores do assunto o dilema de sua abordagem, dividida entre os enfoques, humanístico, científico e tecnológico. À primeira vista, parece ser um problema de direção, mas de fato o ponto tem raízes mais fundas, transcendendo as  questões de ordem epistemológica.

 A Revolução nas comunicações suscitou demandas e criou situações que, além de heterogêneas e contraditórias, longe estão de terem sido solucionadas, dado que o processo ainda está em pleno andamento. A preocupação em entender o significado histórico e cultural das transformações em curso e suas conseqüências sobre a vida das pessoas, visando situá-las criticamente no processo, foi atropelada pelo interesse em conhecer suas variáveis empíricas e desenvolver novos meios de explorá-lo, a fim de se tirar proveito de todas suas possibilidades.

 O estatuto desse campo de estudos é , pois, incerto e não permite que se tenha conceito claro porque, enquanto tal,  é, ao mesmo tempo, “organizador de práticas científicas, reflexivas ou profissionais; resposta às demandas que emanam dos estados e das grandes corporações; inspirador de mudanças nessas mesmas organizações; e, enfim, ainda está na origem ou ao lado das mudanças que ocorrem nas práticas culturais e/ou modalidades de difusão e aquisição do conhecimento”, como diz  Bernard Miège. 

 A comunicação, não por acaso, é uma das áreas em que se pronuncia de maneira extremada as contradições da chamada cultura do profissionalismo. Acredita-se que o saber pode ser reduzido à técnica e, portanto, a prática tem primazia sobre a reflexão. O resultado é a contínua incerteza sobre a direção que se deve dar ao estudo do assunto, considerando que, carente de ciência, a técnica não avança e, sem formação teórica, não há atividade científica.

 Lazarsfeld por certo tinha consciência desse problema quando escreveu o manifesto de fundação dos estudos de comunicação midiada, “Remarks on critical and administrative communication research” (1941). A centralidade do texto provém sobretudo do fato de ter registrado, em seu nascedouro, as perspectivas de abordagem que ainda hoje marcam os limites do campo de estudo da comunicação. O reconhecimento de que o profissionalismo não se opõe à atividade científica e de que essa é, antes, um dos fatores de seu progresso todavia não é uma implicação menor do documento.

 Conforme observa o estudioso, à investigação cientificamente estruturada cabe, desde as primeiras décadas do século,  um significativo papel no desenvolvimento das empresas, agências e profissões da comunicação. O crescimento dessa indústria é dependente do trabalho de pesquisa, porque é através dela que se pode fazer com que suas ferramentas sejam melhor conhecidas e, assim, possam ser melhor dominadas e exploradas pelos interessados.

 Os primeiros a usar os instrumentos das ciências humanas para investigar os fenômenos de mídia não foram, em sua ampla maioria, pensadores, acadêmicos e cientistas de ofício, mas  profissionais e homens de indústria, que descobriram na práticas a importância das pesquisas de audiência, sondagens de opinião, análises de mercado e laboratórios de informação.  A transformação da matéria em objeto de interesse acadêmico se definiu mais tarde, quando a própria dimensão adquirida pela coisa levou a que se acrescentasse à formação profissional dada pelos cursos de jornalismo, publicidade, relações públicas e outros uma formação científica especializada em comunicação. 

 Os Estados Unidos, como se disse, saíram na frente no tocante a esse processo, em função de possuírem a indústria mais moderna nessa área. Nos 60 seguiram-lhes os principais países europeus. No Brasil, a transformação dos (poucos) cursos profissionais em cursos com embasamento em ciências da comunicação verificou-se no início dos anos 70.

 Lazarsfeld chamou de administrativa a abordagem dos estudos de comunicação que se desenvolve em conexão mais ou menos direta com a prática e entretém relações orgânicas com as empresas e instituições que a sustentam.  Ao estudioso não passou desapercebido, porém, que as comunicações acabaram tornando-se instrumentos tão complexos que essa própria linha de estudo teria muito a ganhar se pudesse integrar à sua pauta as questões formuladas por outras, onde o que está em jogo é o conhecimento da situação histórica global no qual se desenvolvem as comunicações.

 Na condição de fundador de um novo campo do saber, que acabou assumindo, o pesquisador logrou perceber que as comunicações não podem ser estudadas apenas do ponto de vista profissional, porque se a técnica  é a solução de muitos problemas nem por isso deixa de ser geradora de outros novos, como mostra o interesse pelo assunto despertado em outras disciplinas.  Acontecimentos como o pânico provocado pela transmissão radiofônica feita por  Orson Wells de  A Guerra dos mundos  (1938) e a mobilização propagandística das massas pelos movimentos totalitários serviram para mostrar os limites da abordagem meramente instrumental, ao descortinarem circunstâncias históricas, sociais e culturais de amplo significado,  embora de pouco interesse epistêmico  para a pesquisa administrativa.

 Noutros termos, revelaram que a mídia desenvolve-se  de um modo problemático, que não apenas merece ser estudada de maneira autônoma (pesquisa básica) mas enseja o surgimento de uma outra forma de estudo, preocupada sobretudo em conhecer o impacto desse processo sobre o homem e a sociedade, ao qual se deu o nome de pesquisa crítica, em função da matriz teórica em que trabalhavam seus pioneiros e contemporâneos, os pensadores da chamada Escola de Frankfurt.

 Segundo a abordagem crítica, a investigação em comunicação deve ter um sentido reflexivo e humanístico : a principal pergunta que ela deve responder não é sobre sua melhor forma de exploração, mas sobre o seu significado na vida social.  O pragmatismo pode ser prejudicial, dado que tem vistas curtas e pouca responsabilidade no tocante às suas conseqüências.  As  tecnologias que subjazem à ação da mídia não são neutras, pressupondo um conceito de pessoa humana e uma forma de sociedade que devem ser devidamente esclarecidos  em seu impacto, para que não nos tornemos vítimas inconscientes do seu vertiginoso desenvolvimento.

 Desde o início dos anos 40, as comunicações formam de qualquer modo um campo de estudo que, considerado em seus extremos, divide-se em duas linhas de abordagem : a crítica e a administrativa. O centro é ocupado pelos programas de pesquisa que, embora se deixem influenciar por esses extremos, procuram não obstante desenvolver o estudo da mídia de acordo com um ou outro ideal científico.

 O restante deste artigo se propõe a recapitular, ainda que brevemente, os principais momentos da história dessa corrente central, cuja trajetória se confunde com o processo de instalação desse campo na Universidade. Deixaremos de lado nesse relato, por motivos de espaço, o ensaismo crítico que o tema gerou dentro e fora de seus muros tanto quanto as pesquisas produzidas para e/ou pelo mercado e pelas diversas agências de informação (pesquisa administrativa).

 

 O leitor deverá notar que as etapas indicadas a seguir não se sucedem por substituição : possuem um momento de início mas não de encerramento. Passado seu  eventual auge, as tendências de pesquisa que ensejaram seguem sua carreira ao lado das anteriores ou que estão emergindo.

 

 1. O Período clássico : a Escola de Columbia (1940-1960) -  Durante as primeiras décadas do século desenvolveu-se junto com as comunicações de massa a crença de que os veículos de opinião e as técnicas de informação podiam ser usadas para controlar e dirigir essas massas de acordo com nossa vontade e sem que elas tomassem consciência desse controle e direcionamento. A propaganda não só tinha sido descoberta como poderosa arma de guerra como terminara tornando-se modelo da ação comunicativa institucional.  Acreditava-se que “a manipulação consciente e inteligente dos hábitos e opiniões organizados das massas” era possível e que aqueles que manipulam as massas através dos meios colocados a nosso dispor pela técnica moderna poderiam constituir uma espécie de “governo invisível” (Edward Bernays, 1928).

 Lazarsfeld formou desde Columbia um coletivo que, laborando com espírito de escola e poderoso esquema de financiamento,  assumiu como tarefa sua submeter essa crença à prova empírica.  Simpatizante das concepções defendidas pelo Círculo de Viena,  o referido grupo defendia a tese de que o saber se baseia em fatos, não em idéias. O entendimento segundo o qual  as pessoas  se deixam afetar de maneira passiva e inconsciente pela mídia e, portanto, podemos empregá-la com sucesso virtualmente garantido para dirigir a opinião pública e controlar a conduta da população constitui, no melhor dos casos, uma hipótese, que precisa ser testada para ser aceita como conhecimento.

 A problemática dos efeitos da comunicação de massa, como passou a ser chamada, necessita ser examinada empiricamente, desenhando-se métodos  capazes de levantar dados objetivos e mensurar as reações das pessoas às mensagens que lhes são endereçadas. A oportunidade para encetar essa espécie de estudo foi ensejada pela campanha eleitoral para presidência americana de 1940 .

 Roosevelt candidatara-se a um terceiro mandato, à revelia da oposição da maior parte da mídia. A propaganda do postulante seria capaz de reverter a situação ?  As comunicações teriam  o poder de influenciar o voto do eleitorado ?  Visando responder a essas perguntas,  planejou-se uma vasto projeto de  pesquisa para medir as reações do eleitor ao noticiário político e as campanhas de propaganda através dos meios de comunicação. 

 Seguindo uma estratégia que tornou-se clássica, os estudiosos procederam a um  minucioso acompanhamento da conduta dos diferentes segmentos que compunham o eleitorado por meio de sucessivas entrevistas com pequenos grupos de informantes, selecionados por critérios de amostragem, em uma localidade típica do país, Ehrie, Ohio. Os resultados revelaram que as comunicações tinham pouca influência na formação da vontade política e no processo de decisão dos votantes, revelando-se fator de reforço, ao invés de mudança, das opiniões e condutas do eleitorado. 

 People’s choice (Lazarsfeld, Berelson & Gaudet, 1944) assentou assim as bases para uma reavaliação do problema dos efeitos da mídia que seria confirmada através de uma série de outros estudos conduzidos por essa época, como Voting (Lazarsfeld, Berelson & McPhee,  [1948]1954) e Personal Influence (Lazarsfeld & Katz, [1945] 1955).

 Em linhas gerais, o fundamento dessa reavaliação é a descoberta de que as comunicações de massa  não agem como causa dos fenômenos anímicos que têm lugar na vida do público sujeito à sua influência.  As pesquisas provaram que a eficácia da mídia relaciona-se com um processo mais complexo, que foge ao raio de ação dos que a comandam. A capacidade de produzir efeitos não depende da mensagens mas de predisposições, socialmente condicionadas, da audiência.

 A relação entre emissor e receptor não depende da vontade do primeiro, nem pode ser por ele controlada : é uma variável, entre outras, do sistema social em que está inserida. A capacidade de mudar é  muito inferior a de reforçar a conduta e opinião existentes e, havendo, consiste em uma influência que depende ou atua junto com outros fatores, como a posição social, formação familiar, nível de instrução e crenças políticas do indivíduo

 A propaganda política parece poderosa à primeira vista mas só tem influência sobre as pessoas sem crenças partidárias definidas e dispostas a mudar, não sendo forte porque pessoas como estas são as que menos se interessam pelas campanhas. A propalada violência que a mídia difunde pode reforçar tendências preexistentes entre as pessoas que a ela se expõe mas, mesmo assim, não deve ser vista como sua criadora, dado que a mídia em geral não atua com base no esquema estímulo - resposta. O consumo de informação pode ocorrer sem que haja mudança de atitude e, a mudança de atitude possível, sem modificação do  comportamento.

 

2. A contribuição do funcionalismo e a ascensão da semiótica (1960-1980) - O paradigma de estudo da mídia a que deu lugar a chamada teoria dos efeitos limitados e indiretos surgida dos trabalhos pioneiros conquistou, com o passar do tempo, uma dominância que só viria a ser abalada nos 70. A emergência da investigação européia na década anterior não resultou em verdadeira contestação, os protocolos adquiridos até então passaram a ser empregados em projetos de utilização das comunicações para o desenvolvimento nos países atrasados (“difusionismo”) e o aparente beco-sem-saída ou desilusão com os resultados obtidos com a pesquisa dos efeitos foi enfrentado com a busca de referenciais teóricos mais abrangentes,  nos dois lados do Atlântico.

 Nos Estados  Unidos, o funcionalismo forneceu o referencial interpretativo da corrente de pesquisa conhecida como dos usos e gratificações. A pergunta pelos efeitos tinha chegado a conclusões de caráter sobretudo negativo. Os estudiosos questionaram-se então se não seria o caso de mudar a pergunta, procurar saber o que as pessoas fazem com a mídia, ao invés de tentar saber como ela as afeta ou influencia.

 A proposição foi importante porque começou o deslocamento do centro de interesse da pesquisa de mídia do emissor para o receptor. A concepção do público como coletivo de receptores mais ou menos passivos cedeu lugar à idéia de sujeito ativo, que se conduz de maneira consciente e motivada, visando satisfazer certas necessidades através dos meios de comunicação.

 Teoricamente, as investigações sobre os usos e gratificações importaram por sua vez na superação do entendimento das comunicações como uma variável empírica que provoca impacto ou influencia a conduta social de maneira mais ou menos arbitrária. O pressuposto funcionalista de que o conhecimento do uso permite determinar o significado do fenômeno, o efeito é a função, permitiu o surgimento de um conceito mais orgânico de mídia, conforme se pode ver, por exemplo, nas pesquisas e estudos de Katz, Bauer e Wright.

 O reconhecimento de que as comunicações constituem um conjunto de instituições e processos possuidor de certas funções na sociedade todavia não repercutiu de maneira realmente significativa na investigação. Falando de modo geral, os resultados nessa área têm sido pífios, apesar de já terem se passado bons anos desde seu lançamento. As descobertas tendem a ser triviais, consistindo sobretudo em uma lista cada vez maior de motivos pelos quais as pessoas consomem ou fazem uso da mídia e a partir da qual se procura constituir uma série de tipologias, determinando as várias relações empíricas entre esses motivos e as diversas expressões da comunicação.

 Na Europa, a procura de um referencial teórico mais sólida para as pesquisas nessa área, que marca o período em juízo. está ligada à exploração do potencial epistêmico contido em uma outra tendência do paradigma dominante : os estudos de análise de conteúdo, cujo ponto de partida se encontra nos trabalhos de outro fundador do campo, Harold Lasswell. Em França e Itália, principalmente, o movimento de renovação dos conceitos e métodos de estudo das ciências humanas conhecido como estruturalismo forneceu os meios com os quais vem se tentando superar as limitações da abordagem empirista e quantitativa desse tipo de estudo, cujo foco são as mensagens veiculadas nos processos de comunicação.

 Roland Barthes e Umberto Eco, entre outros, deram o tom nessa época, retirando dos estudos de mídia a condição de área à parte, para situá-los no âmbito da semiologia; isto é, uma ciência geral dos signos, cujas origens provêm da lingüística de Ferdinand de Saussure. Para eles, a principal tarefa de uma ciência da comunicação consiste em descobrir o significado das mensagens, admitindo-se que o processo é por ele organizado. Contudo essa dimensão não se encontra no conteúdo manifesto da notícia ou do anúncio, por exemplo, mas em um estrato latente, o que exige do analista a passagem do plano da análise do conteúdo para o plano da análise estrutural da mensagem.

  Nos 70, a semiótica, como passou a ser chamada a ciência geral dos signos, difundiu-se por diversos centros de pesquisa em todo o mundo. O conceito de mensagem deu lugar ao de texto, e os métodos de análise foram redefinidos em função da idéia de discurso. A continuidade da tradição não foi entretanto quebrada, continuando a ser entendida como investigação dos códigos e regras de geração do sentido nas várias formas de comunicação.

 A contribuição dada por essa tendência ao entendimento do significado nas esferas da publicidade, notícia, filmes, moda e histórias em quadrinhos por certo não pode ser minimizada. Os instrumentos criados e desenvolvidos pela semiótica sem dúvida vêm ajudando os estudiosos das comunicações a entender melhor as linguagens da mídia. A cientificidade almejada pelos semioticistas em relação às suas investigações todavia não tem se justificado plenamente.

 As conclusões a que se costuma chegar pretendem ser descrições objetivas das estruturas de sentido presentes no discurso mas, em regra, carecem de base empírica e, por isso, diversas vezes se parecem com relatos contendo as impressões subjetivas (“leituras”) sobre a matéria feitas pelo pesquisador. Os instrumentos de análise podem ser valiosos mas não se pode esquecer que eles são apenas meios de conhecimento: o sentido é uma dimensão que depende de outros fatos sociais e só pode ser apreendido de maneira concreta em um contexto determinado.

 

3. O retorno à hipótese da mídia forte e a retomada do legado crítico (1970-1990) - Elizabeth Noelle-Neuman cunhou com a expressão “retorno ao conceito de mídia forte” uma espécie de senha da crise que se abateu sobre o paradigma dominante nos anos 70. O desenvolvimento de novos meios, sobretudo da televisão, e a espetacularização da vida política puseram em dúvida a validade das pesquisas pioneiras, fazendo ressurgir a hipótese de que a mídia tem o poder de mudar as atitudes e, a longo prazo, a conduta de uma população, principalmente de parte dos centros de pesquisa norte-americanos e seus satélites.

 Nos últimos vinte e cinco anos, foram diversas as tentativas empíricas de demonstrar o poder de agenda dos noticiários políticos, a capacidade de aculturação da audiência por parte da violência veiculada pela televisão e os silenciamentos impostos à discussão pública pela indústria das comunicações. Lamentavelmente, porém, têm sido pequeno o sucesso das investigações levadas a cabo com esses propósitos. Os resultados via de regra apresentam-se como inconclusivos e não se tem obtido evidência o bastante para comprovar as hipóteses do poder de agenda e de cultivação de atitudes que a mídia possuiria, conforme defendem estudiosos como Noelle-Neuman, Gerbner, Shaw e McCombs.

 Na Europa, o questionamento do paradigma dominante, entrementes, tomou direção distinta, procedendo-se a retomada do legado crítico, associado ao espírito de pesquisa pela Escola de Frankfurt. Theodor Adorno e Max Horkheimer, expoentes do grupo, criaram a expressão indústria cultural nos 40, para dar conta da maneira como as comunicações colaboram no processo de transformação da cultura em mercadoria que tem lugar na sociedade contemporânea. O ressurgimento dessa perspectiva de abordagem algumas décadas mais tarde resultou do esforço em entender as comunicações no marco da crítica à economia política marxista.

 Em Leicester (Golding e Murdock), Tampere (Tapio Varis), Berlim (Hoffman), Milão (Cesareo), Grenoble (Miège) e Londres (Curran e Garnham) formaram-se coletivos de pesquisa cujo centro de interesse era a análise da mídia como indústria. As comunicações, defenderam , possuem muita força, mas essa não pode ser entendida em termos de impacto. A pesquisa empírica sobre os efeitos e mesmo sobre o usos é inadequada em sentido teórico e metodológico. O fenômeno em foco constitui antes de mais nada um negócio e, portanto, é a partir da análise da maneira como ele se estrutura e funciona enquanto empresa que produz e negocia com o conhecimento, informação e lazer, bens cada vez mais valorizados em nossa sociedade, que poderemos entendê-lo devidamente.

 As comunicações desempenham um papel importante na formação e reprodução das idéias dominantes; legitimam ou ajudam a tornar aceitáveis as estruturas de poder e injustiças existentes em nossa realidade. O problema todavia não deve ser estudado partindo do conteúdo das mensagens ou de seus efeitos sobre o público. A explicação deve ser buscada primeiro no fato delas serem veiculadas por empresas cada vez mais poderosas e concentradas, que tendem a subordinar o bem público aos interesses privados em escala local, nacional e mundial.

 

 Equivocadamente ou não e a despeito de seu caráter engajado, a perspectiva contribuiu bastante para aumentar nosso conhecimento sobre as estratégias de controle político e empresarial das comunicações, o significado econômico das novas tecnologias, o imperialismo cultural, a distribuição internacional dos fluxos de notícias, as rotinas que organizam a indústria da informação e a dependência do fenômeno às políticas públicas dos governos. Nos últimos anos. verificou-se um ligeiro deslocamento e a temática central dos seguidores dessa linha de estudo passou a ser, como foi óbvio, a maneira como a mídia serve de agência do processo de globalização. Em conjunto, merecem menção em relação às matérias acima não só as pesquisas feitas pelos autores citados como também as conduzidas por Herbert Schiller, Dallas Smythe, Cees Hamelinck e Armand Mattelart.

4. A emergência dos estudos culturais (desde 1980) - O movimento interdisciplinar mundialmente conhecido como estudos culturais não constitui uma corrente de pesquisa específica da área de comunicação mas sem dúvida tem sido um fator de relativa renovação de seus protocolos durante os últimos anos. Explorando a idéia de cultura em seu sentido popular e cotidiano, os praticantes dessa abordagem têm incentivado os estudiosos dessa área a entender seus temas de interesse como fenômenos onde se conectam e condensam diversos outros pontos em pauta no debate público em curso no nosso tempo, como, por exemplo, as relações de gênero, a pedagogia popular, a política alternativa, o problema das subculturas e as mudanças de identidade na era da globalização.

 Diretamente associados à chamada Escola de Birmingham em seus primórdios, os estudos culturais desenvolveram nessa época uma abordagem crítica da cultura bastante influenciada pelo estruturalismo e a semiologia materialistas, que se voltou para a mídia com o propósito de entender suas relações com a estrutura de classes, através da análise de sua dimensão ideológica. Para Stuart Hall e seu coletivo, os fenômenos de comunicação eram portadores de um significado essencialmente ideológico, que podia ser compreendido mediante uma combinação de análises textuais das mensagens com estudos etnográficos da maneira como esses textos eram decodificados pelo público.

 Posteriormente essa ênfase foi se modificando, passando ao primeiro plano o conceito de cultura, à medida que a vanguarda desse movimento se deixou colonizar pela abordagem antropológica. Os culturalistas chegaram à conclusão de que a mídia é formadora de um processo que deve ser entendido a partir da recepção. As mensagens só adquirem sentido na subjetividade dos diversos grupos sociais e, portanto, para decidir  seu impacto é preciso recorrer a uma etnografia das audiências. O público não somente usa a mídia para dar sentido a seus processos vitais mas se apropria desses meios de acordo com critérios que fogem ao controle dos produtores culturais, como procuraram mostrar as pesquisas coordenadas por Michel de Certeau.

 A perspectiva serve de base para as chamadas pesquisas de recepção que vêm sendo feitas em todo o mundo desde uns quinze anos para cá  e que corroboram a hipótese de que as comunicações carecem do poder de provocar mudanças na conduta e maneira de pensar das pessoas que lhe confere o senso comum. As tecnologias de informação funcionam em contextos culturais que não podem ser pura e simplesmente desconsiderados pois é a partir deles que as pessoas se engajam nos processos de comunicação.

 Possuindo expressivos colaboradores latino-americanos em sua linha de frente, como Renato Ortiz, Nestor Canclini e Jesus M. Barbero, os estudos culturais nutrem uma tendência de pesquisa que, segundo tudo indica, ainda não disse a última palavra e, portanto, não recomenda que se adiante qualquer avaliação sobre suas atuais deficiências  nestas páginas.

                                                               * * *

 A recapitulação da matéria feita acima, apesar de breve, mostra que as principais tendências da pesquisa em comunicação constituem expressões intelectuais dependentes da evolução das ciências sociais e humanas em nosso século. De certo, foram e vêm sendo vários os esforços feitos para separá-la dessa ligadura. Entretanto, constata-se que os manifestos programáticos têm tido pouca eficácia prática e as tentativas melhor sucedidas, quando ocorrem, acontecem no plano profissional, sem chegar a afetar a reflexão científica sobre a atividade.

 O reordenamento ou desorganização dos saberes em curso na cultura contemporânea, depende da posição em que se situa o analista, provavelmente terá considerável impacto nas definições que a área faz acerca de si mesma, pelos motivos já adiantados. Sabidamente a investigação em comunicação se encontra hoje diante de um impasse epistemológico, na medida em que, depois de anos, ainda não temos muitas evidências empíricas sobre a maneira como a mídia se conecta com a vida social.

 As transformações que parecem estar por vir podem ser salutares no sentido de desviá-la para outras questões e pontos de vista, como deixa claro, por exemplo, a crescente imbricação da especulação teórica com a pesquisa tecnológica. Os fenômenos de comunicação aparecidos com a conversão das tecnologias informacionais em utensílios domésticos avançam de modo cada vez mais rápido e  começam a descortinar frentes de saber originalíssimas, cujos horizontes desafiam os limites de nossa imaginação.

 Considerando os escritos de alguns de seus porta-vozes, como M. Minsky e N. Negroponte, podemos supor, porém, o quanto as idéias que daí estão surgindo poderão significar em aumento da confusão doutrinária que ainda hoje reina na área enquanto campo intelectual, especialmente em países onde ainda está quase tudo por fazer em matéria de pesquisa, como é o caso do Brasil.

 De todo modo, a verdade nisso tudo é que dependerá em boa parte da conduta dos pesquisadores se esse estado de sua arte será superado em direção a uma maior autonomia e disciplina ou se ela ficará ainda por muito tempo envolvida com os problemas de juventude pelos quais toda e qualquer área do saber tem de passar em sua busca de auto-afirmação.

 

Referências bibliográficas

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