FUNDAMENTOS PARA UM PARADIGMA JURÍDICO SISTÊMICO TRIÁDICO

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Professor de Teoria Geral do Direito
Diretor do Núcleo de Prática Jurídica - NPJ - da
PUCMINAS - Brasil

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Resumo
Propõe -se o paradigma sistêmico triádico como meio para integrar as dimensões racional, moral e pragmática do Direito, e também como instrumento para análise integradora do fenômeno jurídico nas suas estruturas conceitual, formal e de dinâmica social. Tal proposição justifica-se, porquanto se trata de um paradigma que reflete a natureza tridimensional do Direito em diferentes perspectivas e estágios da experiência jurídica.

 

SUMÁRIO
1 - Apresentação do tema

2 - Pensamento triádico

2.1 - Pensamento triádico sintético -intuitivo

2.2 - Pensamento triádico analítico-lógico

3 - Aplicação do paradigma sistêmico triádico ao Direito

3.1 - Vigência, oportunidade e atualidade

3.2 - Validez, justiça e eficácia

3.3 - Aptidão, capacidade e legitimidade

3.4 - Competência, decoro e autoridade

4 - Bibliografia

 

1 - Apresentação do tema

Sabe-se que a experiência jurídica é um fenômeno complexo, manifesta-se em diferentes dimensões do ser, como na órbita individual, de grupos, social e universal, e em vários níveis hierárquicos da estrutura social; também se espalha por diferentes círculos ou esferas de poder , que se sobrepõem ou se excluem; compõe-se de vários elementos e se realiza em determinado lugar e tempo por meio de inúmeras interações; como também se sabe que se estende por todos os campos de atuação humana. É, de fato, em toda sua a complexidade, um fenômeno que ocorre tanto no plano ideal como nos planos simbólico e da realidade . Vale dizer: trata-se de um fenômeno complexo que se dá, simultaneamente, nos planos conceitual, formal e factual.

Com efeito, para aproximar -se de um fenômeno com tal complexidade, como efetivamente é o fenômeno jurídico, por qualquer aspecto eleito ou delimitado, respeitando sua pluralidade essencial, ao observador ou operador do Direito cabe descrevê-lo ou reproduzi-lo em toda a sua riqueza de detalhes, conteúdos, relações internas e correlações, como resultado de combinações de todos os seus elementos mais simples ou complexos. Para isto, necessita -se de paradigmas ou referências adequadas, que lhes permitam inter-relacionar todos os seus diversos componentes. Na realidade, para uma aproximação coerente e que permita aprofundamento ao mesmo tempo que amplitude, deve-se tomar um paradigma explícito que represente em todos seus matizes a regulagem das forças do sistema social, a qual, como se sabe, existe para outros campos do conhecimento.

No campo do Direito ainda prevalece a lógica formal, segundo a qual se coordenam os fatores da ordem social nos limites do paradigma cartesiano. Entretanto, já não é novidade para nenhuma ciência as limitações da visão de mundo cartesiana. No campo da biologia, por exemplo, prevalece a visão dos sistemas em movimento, com tendência para uma ordem e complexidade crescentes , em intercâmbio com o meio, que representam a neguentropia necessária à vida. Por outro lado, no campo da física, prevalece a idéia dos sistemas em movimento com tendência para a expansão (entropia ou desordem crescente nos sistemas isolados), conseqüência da aplicação das leis da termodinâmica. Com fundamento nessas percepções e proposições desenvolveu-se a ciência da complexidade, que permite ao homem conhecer como funcionam e como se regulam tais sistemas, e especialmente lhe permite interferir em seus processos e conduzi-los (CAPRA, 1998: 56).

Na realidade, em inúmeros campos de conhecimento, em diversos níveis de complexidade, tem-se a energia como fator constituinte de qualquer sistema, com seu padrão de funcionamento e seu caráter de transformação e conversibilidade (MORRIS, 1994: 118). Por outra parte, “no hay nada que entra en la conciencia humana sin al mismo tiempo entrar en la relación con el Mundo. Y esta relación no es meramente externa o accidental: todo lo que existe tiene una relación constitutiva con la materia/energía y el espacio/tiempo”(PANIKKAR , 1999: 85). Nessa perspectiva, tem-se que qualquer sistema se apresenta e funciona nos padrões básicos de funcionamento da energia, com três forças elementares, que ora cooperam, ora confrontam, formando jogos triádicos de cooperação e competição . Assim, nos sistemas em que a articulação entre suas partes lhe outorga uma identidade ou características bem definidas, em um jogo interno com potências proporcionais , suas forças concentram-se em três posições, três subgrupos ou três tendências, com duas em confronto e uma terceira cooperadora de uma ou de outra. Qualquer diferente configuração ou desproporcionalidade afeta sua estabilidade e, por conseguinte, sua identidade. Fora de um jogo triádico proporcional, qualquer sistema se desfigura , implode ou explode, seja em razão do excesso de entropia, seja em razão de excesso de neguentropia. Daí que, na ordenação e regulação dos fatores que compõem os sistemas sociais, devem-se respeitar esses princípios da ordem universal.

No que diz respeito aos sistemas jurídicos, a falta de regulagem proporcional eficaz das forças sociais entrópicas ou neguentrópicas enseja os extremos, como, por um lado, a anarquia, o caos, os enfrentamentos civis, a competição desenfreada, os saqueios e pilhagens, as guerras de partidos , ideologias e grupos de todo tipo, etc.; por outro lado, a ditadura, o facismo político , religioso, o monopólio ou oligopólio econômico, a informação do pensamento único , a burocracia, etc. Em suma, por um lado há a instabilidade, por outro a tirania . Sem contar que, no plano epistemológico, apartar qualquer componente de seu contexto ou privá-lo das relações com os demais sistemas e subsistemas da rede de que forma parte, seja para conhecê-lo, seja para aplicá-lo ou invocá-lo para apaziguar um determinado conflito, seguramente leva a percepções, idéias ou resultados parciais , distorcidos e ineficazes, que não representam o fenômeno jurídico em sua totalidade ; além de que, desconectados, tornam-se absolutamente inúteis para a experiência jurídica e para os fins a que se destinam.

As dificuldades no trato das questões jurídicas já começam nas tentativas de estabelecer conceitos e procedimentos , e seguem presentes nos esforços para formulação de normas gerais e abstratas ou de normas concretas (como nas decisões judiciais ou normas jurídicas decorrentes da autonomia de vontade privada); tais normas, ilhadas ou desconectadas de suas relações , não expressam o mesmo que na experiência dinâmica. Com as partes destacadas da engrenagem jurídica dinâmica ocorre o mesmo que com os órgãos extirpados do corpo vivo: mudam de função e significado.

O defeito fundamental das experiências e formulações tradicionais do Direito estriba-se na sua incapacidade de abarcar o fenômeno jurídico no seu efetivo movimento e de demonstrar a plenitude de seus nexos e conexões internas (PASUKANIS, 1976: 43) e externas. Nos parâmetros tradicionais, qualquer fato jurídico é tratado isoladamente de seu contexto, casuisticamente , fora da realidade, circunstância que retira do Direito o caráter de sistema vivo , dinâmico, adaptativo, e lhe outorga uma identidade essencialmente formal, autoritária e aleatória. Nessa perspectiva, o Direito se confunde com o poder, e a justiça com a vontade dos poderosos. Enquanto uns poucos se apropriam e se beneficiam dos bens , valores e utilidades disponíveis no seio das comunidades, os demais suportam seus custos, independentemente de benefícios. Assim, os mais elementares princípios de justiça caem por terra, desacreditados, quando confrontados com a realidade, ou permanecem na esfera da utopia, porquanto não há regulação eficaz por parte dos ordenamentos jurídicos com base nos paradigmas lineares, unilaterais e unidimensionais. Nesses moldes, não há adequada e, menos ainda, proporcional distribuição de custos e benefícios entre todos os condôminos da ordem social.

Para uma abordagem ao fenômeno jurídico que transcenda às percepções, práticas e cânones unilaterais, unidimensionais e unidirecionais entre os Senhores do Estado e seus súditos - e que permita integrar os elementos ilhados, excludentes e dicotômicos, e especialmente integrar os subsistemas desconectados que se caracterizam por seus Códigos particulares de privilégio ou de marginalidade, bem como superar os conceitos que deste modo representam pouca utilidade na experiência jurídica concreta - cumpre ordenar os fatores sociais componentes do sistema jurídico, de modo que, através de lógica e método apropriados, efetivamente se aproximem do mesmo ritmo e natureza da própria vida, em sua dinâmica individual , de grupo, social e universal. O Direito jamais será coerente, justo e eficaz, se não representar a vontade, o sentimento e a ação entramados em toda a rede social . Daí que se justifica a proposta de um novo paradigma jurídico, especialmente um paradigma que possa expressar, na sua essência e de modo integrado, o caráter lógico , justo e eficaz do Direito.

 

2 - Pensamento triádico

2.1 - Pensamento triádico sintético/intuitivo

O uso de estruturas ou paradigmas, para resolver aparentes contradições na existência simultânea do Uno e dos Múltiplos na totalidade, origina-se em culturas antigas (HORNUNG, 1999: 220 ). Já nas teologias do Egito antigo, na mística da Índia, nas reflexões de alguns dos grandes pensadores, podia-se ver, por exemplo, a afirmação das tríadas (BOFF , 1986: 22) como modo de articulação da experiência humana.

A formulação clássica da tríada egípcia, no que se refere aos deuses, pode-se encontrar no hino a Amón , de Leiden , final do século XIV a.C.:

“Tres son todos los dioses: Amón, Re y Ptah, no hay ninguno que sea su igual.
Oculto está su nombre como Amón, como Re es percibido, su cuerpo es Ptah.
Sus ciudades en la tierra permanecen para siempre: Tebas, Heliópolis y Menfis,
hasta el final de los tiempos (estrofa 300, IV, 21 s.)”. (HORNUNG, 1999: 203)

Segundo HORNUNG, esta tríada Amón-Re -Ptah também se pode encontrar em outros lugares e, por certo, não só na época Ramésida (Otto , p. 268), como também já sob Tutankhamón (1347-1338 a.C.), o sucessor de Akhenatón (HORNUNG , 1999: 203).

Hermes, iniciador do Egito nas doutrinas sagradas, nome genérico como Manú ou Buda , designa ao mesmo tempo um homem, uma casta e um deus. Como homem, Hermes é o primeiro , o grande iniciador do Egito; como casta, é o sacerdote depositário das tradições ocultas; como deus, ou planeta Mercúrio, é assimilado com sua esfera a uma categoria de espírito, de iniciadores divinos. Os gregos, discípulos dos egípcios, o chamaram Hermes Trismegisto , ou três vezes grande, porque era considerado rei, legislador e sacerdote. Tipifica uma época en que o sacerdote, a magistratura e a realeza se encontravam reunidos em um só corpo governante (SCHURÉ, 1997: 73).

Também nas iniciações pitagóricas ensinava-se que o mundo é tríplice. Porque, como o homem, se compõe de três elementos distintos, mas fundidos em um só: o corpo, a alma e o espírito; da mesma maneira , o universo está dividido em três esferas concêntricas: o mundo natural, o mundo humano e o mundo divino. A tríada ou lei do ternário é, pois, a lei constitutiva das coisas e a verdadeira chave da vida. Volta-se a encontrá-la em todos os diversos graus da escala da vida, desde a constituição da célula orgânica para a constituição fisiológica do corpo animal, do funcionamento do sistema sangüíneo e do sistema cérebro -espinhal, até a constituição hiperpsíquica do homem, do universo e de Deus (SCHURÉ , 1997: 170).

Para a doutrina bramânica , a idéia do unitriádico se revela da seguinte maneira: “Aquel que crea sin cesar los mundos es triple. Es Brahma, el Padre; es Maya, la Madre; es Vichnú, el Hijo; Esencia, Sustancia y Vida. Cada uno encierra a los otros dos y los tres son uno en lo Inefable”. (Doctrina Bramânica. UPANISHADS). (BERNARD, 1997: 39)

Segundo BERNARD, o Evangelho de São João proporciona as chaves do ensinamento íntimo e superior de Jesus Cristo com o sentido e o alcance da sua promessa. Volta-se, aí, a encontrar aquela doutrina da Trindade e do Verbo divino, ensinada há milhares de anos nos templos do Egito e da Índia, agora alentada, personificada pelo príncipe dos iniciados, pelo maior dos filhos de Deus (BERNARD, 1997: 39).

Imaginar toda a realidade em termos de três mundos é uma constante da cultura humana, seja expressando-a em uma visão espacial, temporal, cosmológica ou metafísica. Assim, um texto sagrado , entre outros muitos, diz: “Revelou -se como tríplice”. Existe um mundo dos Deuses, outro dos homens e um terceiro daqueles que passaram pela peneira do tempo; o Céu, a Terra e o Mundo dos mortos; o firmamento, a terra e o mundo intermediário ; o passado, o presente e o futuro; o espiritual, o psíquico e o corporal (PANIKKAR , 1999: 77).

Ensina BOFF que a Trindade é um fato; somente depois é uma doutrina sobre esse fato. Porque é, primeiramente , um fato que sempre esteve presente na vida humana. Em qualquer época de sua evolução , podemos falar de emergências da consciência trinitária na história (BOFF, 1986: 41 ).

Para SANTO AGOSTINHO, todos os seres, criados pela arte divina, manifestam em si certa unidade, beleza e ordem , em uma estrutura ternária essencial que corresponde à “medida , número e peso”. A medida expressa a unidade, a proporção ontológica, o modo de existência de cada ser , porque qualquer deles encerra uma unidade, como, por exemplo, a natureza corpórea e as faculdades da alma. O número confere a forma de existência, e lhe dá algum traço de beleza, como são as formas ou qualidades dos corpos e as ciências ou artes próprias das almas. Finalmente, o peso dispõe para a estabilidade segundo certa ordem estabelecida e suas finalidades, como, por exemplo, o peso e as posições dos corpos e os amores e os prazeres da alma. Assim, pela presença dessas três dimensões, podem-se divisar vestígios do Criador em todas as coisas criadas. “Na Trindade, encontra-se a origem mais sublime de todas as coisas.” (AGOSTINHO , 1994: 230).

Para comunicar as experiências humanas à margem das leis físicas, lógicas, e do mundo visível e material, a história do pensamento sintético/intuitivo mostra-se cheia de registros do pensamento ancorado na percepção tridimensional da realidade. Essa intuição se manifesta com toda a clareza nas mais expressivas doutrinas religiosas, que retratam a constituição ternária do homem (corpo, alma e espírito) e do universo (mundo divino, humano e natural) e revelam o absoluto na sua natureza unitriádica. Na recente encíclica “Fides et Ratio”, sobre as relações entre a fé e a razão, onde o Sumo Pontífice JOÃO PAULO II ensina o caminho da doutrina cristã: “a fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade... Assim , o fim último da existência pessoal é objeto de estudo tanto da filosofia, como da teologia. Embora, com meios e conteúdos diversos, ambas apontam para aquele caminho da vida (Sal 16[15]11) que, segundo nos diz a fé, tem seu termo último de chegada na alegria plena e duradoura da contemplação de Deus Uno y Trino” (SS. JOÃO PAULO II, 1999: 5/26). Neste magistério do Sumo Pontífice, além da natureza divina trinitária , põe de manifesto a atitude, a fé e a razão, como três meios necessários à investigação do fim último da existência pessoal. É um ensinamento que, para compreendê-lo, faz falta um pensamento dialético triádico.

2.2 - Pensamento triádico analítico/lógico

Por outro lado, a cultura da estrutura tríplice da realidade já não é mais exclusividade do conhecimento intuitivo , místico, ideal, mas há muito participa do acervo cultural das ciências positivas , racionais, experimentais e tecnológicas, que muito têm contribuído para a cultura em geral.

Com referência ao pensamento lógico/analítico, pode-se ver que precisamente o que o constitui são os vínculos que relacionam as coisas com tudo mais, pelo princípio da não-contradição e pelo princípio da identidade. Segundo o primeiro, posto que “A é A”, “A é não-B”; ou conforme o segundo, A é mais A, quanto mais se identifica consigo. Pelo primeiro , só se pode identificar algo se se consegue diferenciá-lo de tudo mais; pelo segundo , só se pode diferenciá-lo se se consegue identificá-lo mostrando que não é como todos os demais (PANIKKAR, 1999: 89). Mas a identificação implica a relação e a diferenciação . Identifica-se relacionando e diferenciando elementos de uma mesma ou diferente categoria ou sistema. Assim, o terceiro elemento não é propriamente excluído, como o pensamento monádico geralmente interpreta, senão mediata ou imediatamente relacionado. Segundo a ordem ou as relações estabelecidas, fatores componentes adquirem maior ou menor (ou nenhum) peso na identidade, qualificando ou desqualificando um ente para determinados fins em um contexto. São as funções elementares do pensamento lógico. Os conceitos , razões, juízos, resultam deste processo recorrente da identificação, relação e diferenciação .

Segundo GREGORI, na teoria do pensamento ou da percepção da realidade, houve uma mudança do único ao múltiplo , do simples ao composto, do absoluto ao relativo, do dogmático ao pluralista. Do pensamento monádico ou do unipensar, que se prolongou no positivismo científico, no funcionalismo, no estruturalismo, na cibernética eletrônica, na teoria geral dos sistemas e nas matemáticas, há pouco mais de 150 anos, introduziu-se e cresceu o uso do pensamento diádico, dialético ou de duplipensar, lógica que se desenvolve a partir de pares de conceitos ou fatos, envolvendo maior ou menor grau de contradição , mas ambos necessários e insuprimíveis. Depois se estrutura e se fundamenta o pensamento triádico, para uso em todos os níveis e esferas do conhecimento e áreas da realidade (GREGORI, 1984: 45).

No que se refere à consciência do número, na percepção de CASSIRER, há indícios de que se desenvolveu primeiro não tanto na coexistência e existência ilhada materiais dos objetos ou processos, mas na separação do “eu” e do “tu”, onde existe uma inter-relação da consciência do número com o enumerado. Assim, a determinação numérica não parte da diferenciação de coisas , mas de pessoas. Neste contexto se conjugam e se separam o “eu”, o “tu” e o “ele ”, a tríade que estabelece o caráter de diferenças e limites das esferas pessoais . Além do três, impera a pluralidade indeterminada, a mera coletividade, cujos elementos podem ir se agregando ao “eu”, ao “tu” e ao “ele”; se não se agregam, da heterogeneidade passam à homogeneidade; da representação de um conteúdo particular o número se converte em membro de uma série (CASSIRER, 1998: 214).

Por outra parte, nas relações pessoais, a segunda e a terceira pessoas não são meramente repetição da unidade, mas são qualitativamente outras pessoas com relação à primeira, distintas entre si, que representam posições diferentes no espaço tridimensional, palco da vida. Na soma do “eu” mais o “tu” (mais o “ele”), não se obtêm simplesmente duas (ou três pessoas ), como se fossem coisas diferentes, mas sim uma nova pessoa, o “nós”, que constitui uma nova realidade com seus três lados, três ângulos e três diferentes papéis em um mesmo jogo. No plural de pessoas opera-se um plural inclusivo e exclusivo, que preserva a peculiaridade e a especificidade das unidades (CASSIRER, 1998: 220). Isto se representa na linguagem, onde cada pessoa é uma referência em um universo de relações , que se ordena a partir do três. O “eu” implica uma relação imediata com o “tu” e uma relação mediata com o ”ele”. O “eu-tu” ou o “eu-ele” implicam um “nós”, que mantém suas identidades individuais e constitui nova referência e nova unidade em outras relações, como, por exemplo, no “nós-tu-ele”, “nós-vós-ele”, “nós-vós-eles”, etc . Esta realidade constitui uma cadeia de relações triádicas, que se representa também nas relações entre sujeito e objeto, como fica patente nos pronomes demonstrativos (este, esse, aquele), nos pronomes possessivos (meu, teu, seu), nos advérbios temporais (antes, agora, depois) ou espaciais (aqui, ali, lá), etc.(BOFF, 1986: 148; HORNUNG , 1999: 202; PANIKKAR, 1998: 26.).

No tocante à neurofisiologia , deve-se a PAUL MACLEAN uma concepção filogenética segundo a qual o encéfalo, a massa que fica dentro da caixa do crânio, representa, no fundo, a superposição de três cérebros: neocórtex, sistema límbico e sistema reptílico. Cada parte tem sua inteligência , sua subjetividade, seu sentido de espaço e tempo, entre outras funções. Uma pode reacionar independentemente das outras em certas circunstâncias, mas todas devem viver em harmonia. É a hipótese do cérebro triuno. Para A. R. LURIA, o cérebro é um todo dinâmico, um sistema formado de três blocos que desempenham papéis especiais na atividade psíquica, mas são integrados (SANVITO, 1994: 38).

No campo da física, acreditou -se por muito tempo que o átomo era a partícula elementar da matéria. Mas resulta que os átomos, que constituem as moléculas, estão formados por um núcleo com elétrons ao seu redor. E os núcleos, por sua vez, estão formados por prótons e nêutrons. Ademais , agora já se sabe que os prótons e nêutrons estão constituídos por quarks . São seis os tipos de quarks , assim denominados por Gell-Mann: “up , down, strange, charmed, bottom e top”, isto é, “em cima, abaixo, estranho, encanto, fundo e alto” (HAWKING, 1999: 96). E estão ligados entre si por uma força que surge do intercâmbio de outros quantos: os gluones (do ingls glue , pregar ).

Para GELL-MANN, a receita para elaborar um nêutron ou um próton a partir de quarks é, mais ou menos, “misturar três quarks”. O próton está composto de dois quarks u [de up , acima] e um quark d [de down , abaixo], enquanto o nêutron compõe-se de dois quarks d e um quark u . Os quarks u e d possuem diferente carga elétrica (GELL-MANN, 1998: 199). De uma tríada, assim, constitui -se um próton ou um nêutron (HAWKING, 1999: 105). Ademais, centenas de partículas nucleares diferentes têm sido descobertas e todas elas explicadas como combinações de quarks , antiquarks e gluones .

Segundo HAWKING, com estas idéias, postas em forma matemática concreta, tornou-se relativamente fácil calcular as órbitas permitidas de átomos complexos e inclusive de moléculas, que são conjuntos de átomos unidos por elétrons, em órbitas girando ao redor de mais de um núcleo. A estrutura das moléculas, junto com as reações entre elas, são o fundamento de toda a química e a biologia. A mecânica quântica nos permite, em princípio, predizer quase todos os fenômenos ao nosso redor, dentro dos limites impostos pelo princípio da incerteza (HAWKING, 1999: 90).

Neste contexto - e especialmente tendo em conta que em todos os campos do conhecimento, desde a Antiguidade até o presente, se definiram práticas, conhecimentos e tradições místicas, científicas e técnicas segundo os parâmetros que ora se denominam paradigma sistêmico triádico - faz-se necessário que se dedique a relacionar e estruturar a experiência jurídica nesses mesmos cânones universais, seja no tocante ao modo de pensar, sentir e atuar no mundo do Direito, seja na construção de conceitos, teorias ou estatutos jurídicos , ou bem nas experiências efetivas de composição dos conflitos, de construção dos sentimentos de justiça ou de equacionamento eficaz dos fatores operacionais do Direito .

 

3 - Aplicação do paradigma sistêmico triádico ao Direito

É uma constante na experiência humana simplificar, ignorar ou mesmo eliminar o que não se consegue assimilar facilmente . Esta é uma tentação universal. No campo filosófico, este é um pecado habitual, que se denomina reducionismo. Não há dúvidas que as civilizações com freqüência vêm tentando superar as parcialidades e os extremismos de todo tipo, reunindo os fragmentos esparsos que têm ficado fora das sucessivas sínteses realizadas nas diversas esferas da vida , como no campo da política, da ciência, da filosofia, da metafísica, etc. Não obstante os esforços despendidos, os reducionismos, os sectarismos e parcialismos se repetem , deixando fora dos quadros referenciais partes integrantes da realidade, que muitas vezes se revelam mais atraentes e valiosas que as partes arrecadadas. Por esses motivos , urge reunir os fragmentos das civilizações do mundo, sem esquecer, depreciar ou desperdiçar nenhuma cultura, religião ou conhecimento, científico ou tecnológico , ou qualquer parte da realidade. Devem-se reunir todos os fragmentos do mundo atual para reuni-los em um conjunto não monolítico, mas harmônico (PANIKKAR, 1999: 19). Em certa medida, na perspectiva do Direito, essa tarefa cabe ao jurista, de toda cepa , seja ele especulativo, romântico ou prático. Todos têm a responsabilidade de construir uma ordem jurídica que reúna os pedaços de uma sociedade dilacerada por toda espécie de sectarismo, injustiça e miséria imagináveis.

Entretanto, para realizá -la, de maneira coerente, responsável e eficaz, cumpre antes reunir um conjunto de princípios, idéias, conceitos, estruturas e procedimentos que permitam interpretar , representar, teorizar e atuar na realidade. Trata-se, em conseqüência, de definir ou explicitar um paradigma, uma visão de mundo ou cosmovisão, que permita identificar , relacionar e integrar as partes no todo, mas de maneira que preserve suas identidades , suas diferenças, suas particularidades, e especialmente que fiquem todos os cabos atados. Não cumprirá este mister se se definir por um paradigma monádico, que por natureza é rígido, exclusivo, devastador das diferenças, facilitador do fanatismo , do pensamento único, das ditaduras, da exploração e da segregação humana em nome de um Deus, de uma verdade, de uma religião, de um partido, de uma ideologia, de uma teoria - econômica, de segurança, mística, científica, etc. Os paradigmas monádicos representam visões unitárias, absolutas, pensamento único, exclusivo, sistemas monolíticos . Por outra parte, também, não se resolverá o problema tomando-se um paradigma dualista , que embora com a etiqueta de pluralidade se resume sempre a duas esferas que se enfrentam na realidade, ora uma anulando a outra ou, não raramente, uma vencendo a outra, com retorno ao monismo. Com essas referências, encontram-se as soluções maniqueístas, que confrontam sempre, embora com alguns enfoques diferenciados, as duas grandes esferas da realidade: a material e a espiritual. Assim, o bem sempre vence o mal, e os bons sempre triunfam sobre os maus (os vencedores se declaram “do bem” e os perdedores são declarados “eixo do mal”); na luta de classes, o capital conduz ao paraíso, na perspectiva do capitalista; ou, a força do trabalho vence o capital e conduz ao paraíso, na perspectiva do trabalhador; a ciência resolve os problemas da humanidade; ou, o espírito vence a matéria; o capitalismo elimina as desigualdades e supre as carências humanas; a fé apazigua o mundo; etc. (PANIKKAR , 1999: 14). Já são conhecidos esses caminhos, já se sabe onde levam. Não precisa ir longe, a história recente contabiliza marginalidade e ilhas de prosperidade, desemprego e concentração de renda, fome e opulência, criminalidade e impunidade, banditismos , guerras e ações inócuas pela paz, e inúmeras outras misérias e injustiças sociais .

Assim, frente à tirania de um ordenamento com base em um paradigma monádico, da inoperância e ineficácia de uma ordem com fundamento em um paradigma diádico ou da desordem ou instabilidade decorrente de um contexto de pluralidade desconexa, cumpre resgatar e aperfeiçoar um entre os milenares e atuais paradigmas triádicos, capaz de inter e intra-relacionar os diversos fatores do sistema social, que se imbricam interindependentes na realidade , em diversos momentos de solidariedade e de conflito. Ocorre que, no mundo real, tudo e todos estão imbricados, interindependentes. Daí que, não há igualdade, nem pluralidade , mas relação de partes, de forças, de poderes, em diferentes níveis, em um determinado sistema que se inter-relaciona com outros.

Nessa perspectiva, propõe -se um paradigma sistêmico triádico, dialético, para o ordenamento jurídico. Dialético como enfoque ou relação multilateral, desde ângulos ou perspectivas diferentes, sem estabelecer número ou padrão prévio de interação. É um conceito no sentido grego , da Antigüidade; diferente do conceito formulado por HEGEL e MARX, no qual “dialética ” pode ser tomada como relação diádica, de dois elementos em contradição, em ciclos de três tempos (tese, antítese, síntese). Triádico, por sua vez, é o enfoque dialético que relaciona sempre três elementos, três forças ou três lados, compondo um conjunto unitriádico; uma tríada, na qual dois elementos atuam em concorrência ou cooperação e um terceiro que é disponível ou mediador com relação aos dois anteriores, razão por que pode oscilar, aproximando-se mais de um ou outro, como aliado ou competidor . É um enfoque de relação ou combinação de elementos ou razões na busca de juízos e ritmos de equivalência, harmonia, equilíbrio, justiça, proporcionalidade, etc., na vida social. É um paradigma de cooperação e competição ou de "coo-petição", essencial na experiência humana, refletido em sua pragmática, mística e epistemologia.

Para um paradigma sistêmico triádico, então, a “tridimensionalidade do Direito” resulta desse modo de percepção do fenômeno jurídico, com três elementos interativos e intercoordenados como operação elementar, em toda a sua estrutura e dinâmica, seja no plano conceitual, seja no plano de sua representação formal, ou no plano fático.

A percepção da realidade , na história da humanidade, especialmente na cultura ocidental, apresenta-se fundamentalmente sob três perspectivas ou visões distintas. São os paradigmas ou modos de percepção da realidade, do que se mostra ao redor do homem, de seu modo de viver, de teorizar e atuar no mundo.

A primeira é a perspectiva monádica, unilateral, a que percebe, teoriza e explica, com exclusividade, uma única dimensão da realidade, seja a racional, a pragmática ou a mística. É a que sempre atua em perspectiva unidimensional.

A segunda é a perspectiva diádica, a que, longe da supremacia do estático, do imutável e do absoluto, se volta ao dinâmico, ao mutável e ao transitório, estribada na contradição das partes, em pares. Assim, desde as duas grandes esferas da realidade (a espiritual e a material ) e em todos os níveis, tudo sucede e se apresenta em ciclos duais, como, por exemplo , nos aspectos da objetividade e da subjetividade, do realismo e do racionalismo.

E a terceira é a perspectiva triádica, para a qual a realidade se apresenta, segundo a essência ou princípio de energia triádica, com três partes e três forças elementares que compõem estruturas , sistemas ou cadeias de sistemas que se repetem em distintos níveis de complexidade . É a perspectiva adotada na física quântica, que define a realidade como momentos de estruturas especiais de partículas interconectadas, em dinâmica segundo o princípio da incerteza, compondo um conjunto estrutural superior, como o núcleo atômico, o átomo, as moléculas, etc.

O monádico é o paradigma do império da razão, ou do mito, ou da força, cada um tratando de excluir os demais ; é um paradigma de imposição de uma única ordem estabelecida e de uma única versão da verdade, que em grande medida corresponde ao que se acha vigente na atual ordem jurídico-social, nas esferas nacional e internacional. A carência de distribuição e garantia dos bens e condições elementares de vida, por parte das instituições responsáveis pela ordenação e execução do ordenamento jurídico, indica que tal modelo não responde às demandas da realidade social.

Para superá-lo, adota-se muitas vezes o paradigma diádico (dialético). Mas este também não tem dado respostas adequadas às necesidades sociais. As altas tensões entre as partes antagônicas não permitem sínteses aceitáveis, por isso se volta ao monismo, à exclusão de uma das partes e à posição ou verdade do mais forte. Leva, ademais, o dualismo, a uma dicotomia insuperável, que divide a realidade en duas partes antagônicas, irreconciliáveis e incapazes de cooperação.

Assim, surge a necesidade de um paradigma capaz de integrar e avaliar a realidade en sua dinâmica efetiva, sem mutilá-la em sua natureza transcendente, humana e material. Pois toda realidade, com relação ao ser humano, leva em si uma essência transcendente, uma estrutura cognoscível e uma relação constitutiva/pragmática.

Segundo GREGORI, para o paradigma dialético triádico, a realidade é uma rede de sistemas, da qual o homem faz parte, onde se efetuam permanentemente trocas e transformações energéticas. Essa transformação evolutiva é recorrente e diferenciadora, como entre pais, filhos e ancestrais, em ciclos probabilísticos ou plausíveis que podem mover-se em qualquer direção e em seqüências regulares ou "caóticas". Essa rede energética tem automovimento triádico perpétuo, formando jogos unitriádicos diversos e de diferentes aparências , como manifestações de um grande jogo triádico único. Cada sistema e toda a rede têm capacidade de feedback , que é informar-se intuitiva e logicamente para conseguir a auto-regulação e a auto-governabilidade na disputa maximocrática pela sobrevivência-reprodução e outras metas segundo o grau de complexidade de cada sistema (GREGORI, 1999: 20).

Conforme a esse paradigma , segundo distintos pontos de vista e em todos os níveis da realidade, a energia se manifesta em uma tríplice estrutura ou unidade triádica, seja quando se manifesta em forma pura (energia quântica), material (minerais, vegetais e animais), noónica (mental: consciência, pensamentos e emoções), econômico-social (produtos, moedas , serviços), como também em forma gregária (organizações, instituções, política) ou teleológica (ideais, metas, utopias).

A interação em concorrência e cooperação das três partes (forças, tendências, tipos) de um sistema constitui uma realidade unitriádica.

Todo o sistema resulta da interação ou tensão de três componentes; por isto se chama jogo triádico. Trata -se de um conceito mais amplo que o de dialética ou jogo diádico, que por sua vez mostra-se mais amplo que a visão monista, na qual ocorre a percepção de uma só coisa de cada vez. Quando se tomam dois lados, em cada momento, em contradição ou concorrência , está-se usando um paradigma diádico. E quando se toma um só lado ou um só aspecto , por vez, sem relacioná-lo com seus lados complementares (concorrentes e cooperativos ), tem-se um “paradigma monádico”.

O jogo triádico resulta do estado de tensão entre os componentes do sistema, e pode dar-se no sentido de interação, composição, cooperação, anatropia, choque, concorrência, entropia, movimento pendular, circulatório ou ondulatório, para transformar, extinguir ou aperfeiçoar o sistema. É uma relação constitutiva de partes entrelaçadas em um sistema em evolução ou involução. A relação pode ser interna, entre seus componentes, ou externa, com outros sistemas.

O movimento ou jogo triádico apresenta-se às vezes sutil, e outras vezes escandaloso, pondo-se perceptível aos olhos de qualquer observador. Mas sempre se encontra presente em toda a realidade ; na jurídica se faz presente entre as dimensões lógico/racional, moral/transcendente e pragmática do Direito, como também entre seus fatores operacionais. Nas instituições se faz presente nas diferentes perspectivas e estágios da experiência jurídica, especialmente entre os personagens que as compõem, quer na sua representação formal, na ressonância dos sentimentos e emoções das relações pessoais, ou na dinâmica fática dos acontecimentos sociais.

Em uma linguagem apropriada ao paradigma dialético triádico, preexistente em variados campos de conhecimentos , GREGORI propõe, como denominador comum a todas as ciências, as seguintes denominações :

- lado ou subgrupo oficial para o que está na posicão superior, de domínio, de comando e direção;

- lado ou subgrupo antioficial para o que está contra o primeiro, em posição divergente, de oposição, de crítica;

- e lado ou subgrupo oscilante para o que está disponível para qualquer um dos anteriores, em posição de cooperação ou sustentação (GREGORI, 1984: 46).

O lado oficial é o que domina o sistema. É o organizador e coordenador interno; é o condutor do sistema para a neguentropia ou para a entropia. O lado antioficial representa sentido e força divergentes, criando ou mantendo a tensão necessária ao sistema para renovar-se. O lado oscilante é o que adere tanto ao oficial como ao antioficial, segundo suas necessidades , e às leis de gravidade triádica; é o estabilizador ou moderador das tendências opostas entre os outros dois lados (GREGORI, 1984: 47). Assim, a interação ocorre sempre com os três lados.

Na experiência jurídica , mediante um paradigma sistêmico triádico, podem-se perceber e estruturar os conceitos do Direito, sua representação formal e sua ressonância fática na dinâmica social , em diferentes perspectivas e estágios, especialmente articulando seus fatores operacionais em torno aos processos do conhecimento analítico-lógico, sintético-intuitivo e prático -operativo (cf. Anexo I), como se vê, a título de exemplo, nos itens seguintes.

3.1 - Vigência, oportunidade e atualidade

Na qualidade de proposição que prevê conseqüências para determinado suposto de fato, a norma reclama determinadas condições no tempo, para que seja válida. Em torno aos três processos do conhecimento , representativos da consciência do pensar, sentir e agir, essas condições são: a vigencia, a oportunidade e a atualidade. Em primeiro lugar, sua força jurídica, capaz de mobilizar todo o aparato estatal necessário para a consecução de seus fins, está limitada ao período de sua vigência. Antes ou depois disto, não apresenta nenhuma conseqüência jurídica, senão de teor informativo ou histórico. Trata-se de um dos imperativos do ordenamento jurídico, posto que converte a norma em referência necessária na ordem dos fatores sociais. Através da norma vigente, procura-se conseguir determinados efeitos a atos ou fatos ocorridos nesse período. A vigência é uma certificação por meio da qual se qualifica a norma para fazer parte do ordenamento e a torna apta para a regulamentação da vida social. Quando se trata de norma de origem estatal , o próprio Estado fixa o início e o fim da sua vigência; mas, se é o caso de norma consuetudinária, que nasce da consciência e prática social, não há clareza com relação ao momento em que começa, embora seu fim se dê, normalmente, em razão de sua revogação pelo Estado.

Por outra parte, ainda com relação ao tempo, não é bastante que a norma tenha a condição de vigência, porém que cumpra também as condições de oportunidade e atualidade. Com isto, quer-se dizer que é necessária a convergência de vários outros fatores na norma, para que se possa considerá-la uma norma completa. Assim, v.g., em um determinado momento, devem-se encontrar os supostos de fato, os sujeitos aptos, capazes e legítimos na relação jurídica, a possibilidade jurídica e material do objeto, etc. A oportunidade requer coerência no plano conceitual, claridade, objetividade e formalidade no plano simbólico , bem como possibilidade material no plano fático. A oportunidade exige esta convergência de fatores, sem a qual não se pode, por outro lado, falar de validade, de justiça ou de eficácia da norma.

Além disto, deve-se considerar , também, que a norma se ache conectada a um contexto dinâmico, no qual se renovam princípios, valores, práxis, etc., razão por que se renovam também os conceitos sobre as relações interpessoais nos variados setores sociais. Também a linguagem é dinâmica , e os signos se reforçam ou perdem significado no tempo. O modus vivendi, vale dizer, a pragmática em um contexto, mantém-se em permanente mudança, em conseqüência de vários fatores sociais e ambientais. Dessa forma, não seria razoável considerar que a norma se congelasse no tempo. Exigi-la na concepção de outro tempo, na significação de símbolos de outra época ou em situações e relações jurídicas do passado, seria esclerosá-la. Sua atualização é imperativo da sua condição de fenômeno espaço/temporal .

Assim, a vigência refere -se ao período entre sua efetiva entrada, com validez, no ordenamento jurídico, e respectiva saída do mesmo. A oportunidade refere-se ao momento em que se reúnem todos os fatores hipotéticos, formais, operacionais e materiais para se conjugarem adequadamente e revelar o Direito na sua concretude; e a atualidade refere-se à necessaria confluência de todos os fatores em concorrência e convergência para um mesmo momento.

3.2 - Validez, justiça e eficácia

Para que suas finalidades se cumpram, a norma que se dita em um determinado lugar deve-se apresentar em uma estrutura lógico-fomal válida, com conteúdo que satisfaça aos reclames de justiça de seus destinatários, bem como deve-se realizar de modo eficaz. Dessa maneira, na sua qualificação, devem-se considerar indispensáveis, simultaneamente, a validez , a justiça e a eficácia.

Tomando-se como referência a vinculação da norma a determinado espaço e as relações sociais que aí se produzem , sua validez repousa no cumprimento dos cânones necessários ao seu reconhecimento e sua permanência no ordenamento jurídico. Assim, pode-se dizer que a validez é a certificação de sua existência, bem como sua qualificação no ordenamento do qual faz parte. A validez converte a norma em referência do dever ser, tornando-a garantia de respeito às situações jurídicas e condutas que a tiveram como padrão, para ser aplicada como modelo aos fatos que se desenvolverem no período de sua vigência. A validez se realiza quando a norma cumpre os critérios postos pelo próprio ordenamento jurídico.

Por outra parte, a justiça corresponde ao ideal, crença ou sentimento de repartição justa dos bens, deveres , prerrogativas e faculdades inerentes às relações sociais, impregnados na consciência individual, coletiva ou universal, que se pode levar a cabo em determinado momento e lugar. Sua presença na norma, enquanto conceito, ocorre através dos princípios que lhe dão fundamento. Nesse sentido, o Direito conjuga e coordena uma série de princípios, advindos da ética, moral, religião, ciência, etc. Num âmbito geral, constituem os Princípios Gerais do Direito, ou, num âmbito mais restrito, os princípios específicos de cada área do Direito.

A eficácia refere-se à efetividade da norma na regulamentação das relações interpessoais de um determinado grupo social. É a qualidade regulamentadora efetiva que se exige de uma norma, seja na hipótese de cumprir-se espontaneamente seu mandado, como padrão de conduta, ou , no caso de descumprimento, quando se aplica sua respectiva sanção, mas de maneira efetiva e restauradora do sentimento de equilíbrio nas relações sociais.

Na perspectiva do paradigma dialético triádico a validez, a justiça e a eficácia são elementos que se conjugam e compõem a estrutura normativa do Direito. Em conseqüência, para qualquer ordenamento considerado, a eficácia deve ser condição de validez e justiça: a validez como condição de justiça e eficácia, e a justiça como condição de eficácia e validez do Direito .

3.3 - Aptidão, capacidade e legitimidade

Com relação aos sujeitos , se se os toma como eixo de observação, pode-se comprovar que o fenômeno jurídico se realiza em várias esferas concêntricas e coexistentes, desde uma referência mais simples - a individual - até a mais ampla - a universal. Na órbita individual, os componentes elementares provenientes dos processos mentais lógico, intuitivo e prático se entrelaçam dialeticamente por meio da estrutura dos fatores operacionais para criar os atributos jurídicos da personalidade e qualificar a pessoa como sujeito de Direito. Logo, na órbita das relações interpessonais, qualifica as relações jurídicas para intercâmbio e disputa de bens e proteção de interesses. Na esfera social, especifica os vínculos jurídicos necessários à administração e controle de interesses e conflitos na sociedade. Em âmbito universal, qualifica e protege os bens e valores transcendentes , os que, segundo os princípios universais, são considerados da humanidade, independentes de tempo e lugar.

Por outro lado, com relação aos sujetos das situações e relações jurídicas previstas na norma, há que distingui -los em dois momentos e situações diferentes. O primeiro é quando a norma os trata como sujeitos indeterminados, referidos na generalidade, enquanto conceito abstrato e hipotético. Neste primeiro momento, a norma se dirige a todos da sociedade indistintamente . Entretanto, quando o conceito é confrontado com os fatos deixa seu caráter hipotético para descrever uma situação concreta, dirigida a sujeitos determinados. Isto ocorre quando o Estado é chamado a se pronunciar sobre a mesma, por meio de sentença, ou quando os sujeitos o fazem em sua autonomia de vontade. Ao pronunciar-se, agora, frente a fato real, o faz então formulando norma concreta dirigida a sujeitos determinados . Neste momento a autoridade toma conhecimento do fato, e, se lhe parece oportuno , passa então a ditar a norma concreta, na qual determina os sujeitos e especifica a relação jurídica, os direitos e obrigações recíprocos, e lhes imputa as sanções para o caso de descumprimento. Neste caso, o poder estatal se vê autorizado a exigir a conduta do sujeito e a executar a sanção, pela força, se necessário.

Entretanto, antes de integrar sujeitos em uma relação jurídica ou dirigir-se a eles, hipotética ou concretamente , a norma ou o ordenamento jurídico seguramente já os tem qualificados. Vale dizer , o ordenamento jurídico define a priori quais entes e em que condições podem ser sujeito de direito. Só depois lhes atribui direitos e obrigações. Se há condições especiais ou novas situações jurídicas, então novas normas da mesma hierarquia e também a priori as qualificam para depois atribuir-lhes os respectivos direitos e obrigações. Os sujeitos de direito geralmente são pessoas humanas e entes jurídicos designados para tal - as pessoas jurídicas. Mas, para que assumam este papel, devem atender a critérios de qualificação. Em primeiro lugar se qualificam pela aptidão, isto é, pelo conjunto de qualidades definidas como necessárias para ser sujeito de direito. Se as têm, a ordem jurídica lhes atribui personalidade jurídica. Depois vem a capacidade, que é o conjunto de qualidades e habilidades necessárias para participar das relações jurídicas, por si mesmos ou por representação. E, por fim, a legitimidade, que se constitui dos atributos necessários ao sujeito para participar de relações jurídicas específicas.

3.4 - Competência, decoro e autoridade

Por outra parte, cumpre destacar que os operadores do Direito vêm implícitos ou explícitos na sua estrutura operativa, e se definem por vários fatores, como o território ao qual estão vinculados , o subsistema social, a natureza do tema objeto, os atributos dos sujeitos destinatários , etc. São agentes nomeados pelo subgrupo oficial, ou com seu beneplácito, conforme ao ordenamento jurídico, em sua condição de Estado, encarregados de concebê-las, ditá -las, interpretá-las ou executá-las, e aplicar suas sanções quando necessárias. Qualificam -se pela competência, pelo decoro e pela autoridade, requisitos inerentes, respectivamente , à racionalidade, aos princípios ético-morais e à pragmática jurídica.

Em um primeiro plano, o próprio ordenamento jurídico, em seu caráter e função de pessoa jurídica, vale dizer , em sua configuração estatal, através do subgrupo oficial, é o único agente operador das normas, seja quando as dita ou quando as reconhece no ordenamento, as interpreta ou as executa. Nessas condições, reserva para si o papel de operador. Mas, como pessoa unicamente jurídica, para operá-la, necessita fazer-se presente e operativo por intermédio de pessoas individuais. Para tanto, investe-as em cargos e funções com competências legislativas, executivas e jurisdicionais. Essas são as que, em diversos níveis hierárquicos e de comutações, as manejam. As pessoas que se investem em uma dessas funções recebem um conjunto de atributos para exercê-las. Tais atributos são os que definem a competência inerente ao exercício de uma das funções estatais. Sem que se a defina não se admite agir em nome do Estado. Assim, os atributos definem a competência e esta define os limites das funções nas quais se investe a pessoa individual que atua como agente estatal.

Além da competência também a autoridade é atributo necessário ao operador. Assim, nas operações normativas necessita -se de poderes para cumprir as funções da norma. A investidura se dá quando se cumprem os cânones e solenidades inerentes ao cargo ou função. Sem investidura não há autoridade , posto que esta se legitima na ordem jurídica, que a concede a seus agentes para que, no exercício de suas funções, estejam habilitados a usar de sua potestade. A autoridade, então, é o próprio ordenamento jurídico, personalizado e atuando por intermédio de seu delegado. Em suma, a autoridade é um qualificativo ou atributo do sujeito advindo do cumprimento das prescrições do ordenamento jurídico inerentes à investidura nas funções legislativas, executivas ou judiciárias. Na realidade, trata -se da investidura que se dá nas funções de subgrupo oficial.

Por outra parte, além da competência e da autoridade, o decoro também qualifica os operadores da norma. Representa a dignidade com a qual se deve proceder no exercício das funções de autoridade nos limites da competência outorgada ao sujeito. Representa a atuação do sujeito segundo os princípios que dão sustentação ao ordenamento jurídico. Especialmente resulta da modelagem da conduta normativa conforme aos princípios éticos e morais, substratos do Direito. Dado isto, completam-se os três qualificativos dos sujeitos operadores que se devem conjugar na estrutura normativa.

 

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