PSICOLOGIA: ANALÍTICA OU DIALÉTICA?

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INTRODUÇÃO

            Este trabalho é uma crítica interna à psicologia analítica. Uma crítica interna opõe-se a uma crítica externa porque esta, ao desconsiderar o tratamento que uma teoria dedicou as suas premissas, não consegue entrar em diálogo com ela e por isso não a confronta a partir da lógica que lhe é intrínseca. Já uma crítica interna doa-se ao seu objeto de estudo, e assim pode refutá-lo por dentro, visto que valoriza o passo dado por ele, mas o considera insuficiente por não ir a fundo na própria idéia que defende. “A verdadeira refutação tem de penetrar no vigor do adversário, colocando-se no âmbito de sua força; atacá-lo fora dele mesmo, e ter razão onde ele não existe não estimula o assunto”  1.

            Uma crítica interna não parte de suposições externas ao tema criticado. Pensa-o por dentro reconhecendo as premissas que o sustentam como verdadeiras. Somente a partir deste reconhecimento é possível avaliar até que ponto o objeto de estudo não assume a responsabilidade pelo que defende ao não se submeter às conseqüências lógicas dos seus insights, protegendo-se deles por uma reserva mental, olhando-os como um objeto situado externamente.

            Como esses insights constituem o eixo que sustenta o objeto de estudo, não pode haver distância entre eles. Se assim ocorre os insights são impedidos de desenvolver toda a sua potência tornando-se idéias abstratas, visto que estão fora, abstraídos do próprio discurso que deveria desdobrar todas as premissas que neles estão implícitas.

Somente quando uma teoria doa-se por completo às idéias que defende, é que se torna possível para ela ser uma teoria concreta. Esse é o passo necessário para qualquer teoria que pretenda pensar as complexidades imanentes ao real. Se a teoria não mergulhar nos próprios insights que a sustentam como poderá mergulhar no real? Tendo isso claro, defino como objeto da crítica a idéia central da psicologia analítica, o si-mesmo, o arquétipo da totalidade que para Jung era o alfa e o ômega do processo de individuação.

            Diferindo da lógica linear que apresenta um tema, esgota-o e passa para o tema seguinte, o discurso crítico aqui escrito é circular, ritmo inerente à prática clínica onde se retorna várias vezes ao mesmo tema para aprofundá-lo ao refleti-lo a partir de diferentes ângulos. Existem problemas cujas complexidades exigem uma abertura as suas múltiplas faces, ainda que estas se contradigam. Somente ao penetrarmos nesse contra-dizer, é que podemos pensar internamente as complexidades do assunto estudado. 

 

FUNÇÃO TRANSCENDENTE

            A Psicologia Analítica inicia-se oficialmente em  1912, quando Jung encontrava-se em pleno epicentro de uma rachadura na comunidade psicanalítica. De um lado estava Freud, criador da disciplina e defensor da teoria sexual como pedra fundamental na construção de um tratamento das neuroses. Do outro estava Adler, um dos primeiros discípulos de Freud, defensor do complexo de poder como fator determinante na etiologia das neuroses. No meio dos dois estava Jung, o príncipe herdeiro do império freudiano, que durante os anos da crise estava escrevendo o trabalho que seria a última pedra do muro que o separaria de Freud. Jung sentia essa rachadura nas profundezas do seu ser. Acusado por Adler de ser o causador da sua expulsão do Círculo Psicanalítico de Viena, Jung defendeu-se afirmando lamentar a saída de Adler.

Em dezembro de  1912, Jung escreve a Freud dizendo: “mesmo os camaradas de Adler o considerariam um dos seus” 2. A intenção explícita de Jung era afirmar que os camaradas de Adler não o considerariam um dos deles, mas sem perceber ele explicitou que os adlerianos não o consideravam um freudiano. Freud escreveu perguntando se Jung era objetivo o suficiente para analisar o erro sem enfurecer-se, mas Jung explodiu de raiva e escreveu uma carta que motivaria o ponto final da já estremecida relação pessoal dos dois 3.

            Os anos que seguiram o rompimento foram difíceis para Jung. Assolado pela incerteza e desorientação submeteu-se a um diálogo com o inconsciente e a todas as conseqüências que tal diálogo poderia trazer, inclusive a de um colapso psicótico. Em  191 6 ele escreveu um ensaio chamado “A função transcendente”. Estranhamente este ensaio permaneceu oculto até ser descoberto por estudantes do Instituto C.G Jung de Zurique em  19 57,  tendo sido publicado numa versão revisada por Jung em  1958. 

O ensaio é uma tentativa de descrever o diálogo com o inconsciente. Sem esse diálogo não seria possível para Jung penetrar nas profundezas do desconhecido e retornar de lá com as preciosas descobertas sobre a atividade psíquica que preencheram as milhares de páginas que compõe a sua obra. Nessa época ele não havia formulado conceitos como arquétipo, si-mesmo, anima, animus, sombra, tipologia, aos quais dedicaria grande espaço em escritos posteriores. O que emergiu em  191 6 foi o conceito de função transcendente, a prática do diálogo entre consciência e inconsciente através do qual a psique transforma a si mesma 4.

            Nos  42 anos que separam as duas versões, o problema de como chegar a um acordo com o inconsciente ainda era uma questão crucial para Jung. O ensaio sobre a função transcendente é o resultado prático-teórico da separação com Freud, do confronto com o inconsciente, e a primeira expressão do embate com o problema dos opostos que perpassará toda a sua obra até seus últimos escritos alquímicos. A importância maior desse período está no reconhecimento por parte de Jung da natureza teleológica do inconsciente, que além de ser o lugar do reprimido, também possui uma intenção, um propósito. Por este motivo, o caminho para o saber psicológico requer parceria entre a consciência e o inconsciente. Jung nomeou essa parceria de função transcendente.

Por “função transcendente” não se deve entender algo de misterioso e por assim dizer supra-sensível ou metafísico, mas uma função que, por sua natureza, pode-se comparar com uma função matemática de igual denominação, e é uma função de números reais e imaginários. A função psicológica e “transcendente” resulta da união dos conteúdos conscientes e inconscientes. A experiência no campo da psicologia analítica nos tem mostrado abundantemente que o consciente e o inconsciente raramente estão de acordo no que se refere a seus conteúdos e tendências. Esta falta de paralelismo, como nos ensina a experiência, não é meramente acidental ou sem propósito, mas se deve ao fato de que o inconsciente se comporta de maneira compensatória ou complementar em relação à consciência. Podemos inverter a formulação e dizer que a consciência se comporta de maneira compensatória com relação ao inconsciente  5.

A idéia de oposição está no coração do pensamento de Jung, sendo quase um sinônimo de vida psíquica, visto que para ele os opostos são as inerradicáveis e indispensáveis precondições de toda a vida psíquica 6. Jung atribui ao filósofo grego Heráclito a paternidade da idéia de oposição complementar.

O velho Heráclito, que era realmente um grande sábio, descobriu a mais fantástica de todas as leis da psicologia: a função reguladora dos contrários. Deu-lhe o nome de enantiodromia (correr em direção contrária), advertindo que um dia tudo reverte em seu contrário 7.

Para Jung a oposição não era apenas a pré-condição indispensável para a vida psíquica, era também psicóide, uma lei da natureza a qual ele conecta à primeira lei da termodinâmica para qual toda energia é função de uma oposição.

Com o conceito de energia está formulado o conceito de contraste, visto que uma afluência energética requer necessariamente a existência de uma afluência oposta, quer dizer, dois estados distintos, sem o que uma afluência não pode ter, com efeito, uma efetivação concreta. Todo fenômeno energético (na realidade, todos os fenômenos o são) põe em destaque dois pólos opostos: princípio e fim, alto e baixo, quente e frio, antes e depois, origem e término, etc., ou seja, os pares antagônicos. A inseparabilidade do conceito de contraste também é inerente ao conceito de libido. Os símbolos da libido, de natureza mítica ou especulativa, estão representados, portanto, ou diretamente pelos contrastes ou decompõe-se, de maneira bastante imediata, em contrastes 8.

A unidade dos opostos realizada pela função transcendente era de essencial importância na apreensão da realidade profunda que unia os aspectos individuais e coletivos da psique. A oposição não reside apenas na relação entre consciente e inconsciente, mas também entre introversão-extroversão, pensamento-sentimento, intuição-sensação, inconsciente pessoal-inconsciente coletivo, anima-animus, logos-eros, arquétipo em-si-imagem arquetípica, eu-si-mesmo, persona-animus/anima, sombra-eu, signo-símbolo, primeira metade da vida-segunda metade, causalidade-sincronicidade, método redutivo-método prospectivo, apenas para citar algumas.

Como a oposição não ocorre somente entre consciente e inconsciente, a função transcendente está presente em toda teoria junguiana, permeando a relação entre todos os principais conceitos, visto que ela é a manifestação do diálogo com o outro interno, essencial a qualquer mudança real de atitude. O grande legado de Freud foi que não somos mestres em nossa própria casa, por isso qualquer transformação requer um confronto com o desconhecido em nós mesmos. Uma mudança psicológica não depende apenas de um esforço subjetivista, controlado pelo eu, mas do reconhecimento de que o eu é apenas uma parte da totalidade psíquica.

A transformação psíquica operada pela função transcendente, atua através do símbolo, imagem que personifica a totalidade da situação psíquica. Ele é uma resposta inconsciente para uma problemática consciente. Para que ele atue é preciso que o eu não se identifique com nenhum dos pares de opostos, pois se tomar posição a favor de um, o outro é reprimido ou projetado. Se o eu reconhecer a total igualdade de direito de ambas as partes, produz-se uma paralisação da vontade, e o fluxo de libido regride ativando o inconsciente, fonte de todos os conteúdos diferenciados da consciência.

A atividade do inconsciente faz emergir um conteúdo em que se patenteia, em idêntica medida, o influxo da tese e da antítese, e que, em relação a ambas, conduz-se com efeitos compensatórios. Desde o começo em que esse conteúdo mostra suas relações tanto com a tese como com a antítese, constitui uma base intermediária em que os contrastes se podem conjugar. (...) Em seu conjunto, dou ao processo que acabo de descrever o nome de função transcendente. Mas, neste caso, não entendo como “função” uma função fundamental, mas o fato de que, em virtude dessa função, opera-se um trânsito entre uma e outra disposição. A matéria-prima trabalhada pela tese e antítese que em seu processo de conformação realiza a conjugação dos contrários é o símbolo vivo 9.

Jung afirma que não há nada de misterioso ou metafísico na função transcendente. Contudo, em diversas passagens de sua obra um aroma metafísico parece brotar. Apesar de Jung negar, a aura divina irradiada na síntese dos opostos é visível a quem quer que a olhe.

(...) qualquer contraste pertence a Deus e por isso o homem deve tomá-lo sobre si; tão logo o faça, Deus se apossará dele, juntamente com a suas antinomias. O homem é, então, invadido pelo conflito divino. Não é sem fundamento que ligamos a idéia de sofrimento ao estado no qual os contrários se chocam dolorosamente, e temos receio de considerar uma experiência desta natureza como libertação. Entretanto, não podemos negar que o grande símbolo da fé cristã, a cruz, da qual pende a figura sofredora do Redentor, vem sendo exposto de forma impressionante aos olhos do cristão há quase dois mil anos. Este quadro é completado pela presença dos dois malfeitores, um dos quais desce ao inferno e o outro sobe ao paraíso. Não se pode representar melhor a antinomia do símbolo central do cristianismo do que desta forma10.

No ensaio sobre a função transcendente Jung afirma ser mais proveitoso trabalhar com a imaginação ativa do que com os sonhos, pois as imagens oníricas não constelam tensão suficiente para ativar a função transcendente. No entanto, em um outro escrito Jung afirma que os sonhos e visões também servem de matéria prima para a função transcendente.

Lidar com o inconsciente é um processo (ou, conforme o caso, um sofrimento ou um trabalho) cujo nome é função transcendente, porque representa uma função que, fundada em dados reais e imaginários ou racionais e irracionais, lança uma ponte sobre a brecha existente entre o consciente e o inconsciente. É um processo natural, uma manifestação de energia produzida pela tensão entre os contrários, formado por uma sucessão de processos de fantasia que surgem espontaneamente em sonhos e visões11.

 

             Apesar de Jung não ter relacionado explicitamente o arquétipo da sombra com a função transcendente, a conexão implícita entre ambas é notória. Personificação dos elementos escuros e reprimidos que não estão em acordo com as normas sociais vigentes, a sombra é o primeiro degrau na descida ao inconsciente. Nenhum diálogo com o outro interno é completo sem o confronto com os aspectos sombrios não aceitos em nós e por isso reprimidos e/ou projetados. A sombra, uma manifestação arquetípica, é a personificação do outro instintivo, primitivo, amoral, interno a nós mesmos, e uma dentre as múltiplas formas possíveis de manifestação do inconsciente. Portanto, é um elemento essencial a ser integrado via função transcendente. Como os aspectos sombrios da psique jamais são integrados por completo a função transcendente atua de forma ininterrupta12.

            Anima e animus também funcionam como personificação da função transcendente. Ambos compensam a estrutura de conformidade coletiva externa chamada por Jung de persona. Caso ocorra uma intensa identificação do eu com a persona, ele torna-se apenas um papel social coletivo, cindindo da vida interior.

O indivíduo tende a identificar-se com a máscara impelido pelo mundo, mas também por influências que atuam de dentro. “O alto ergue-se do profundo”, diz Lao-Tzé. É do íntimo que se impõe o lado contrário, tal como se o inconsciente oprimisse o eu com o mesmo poder que a persona exerce sobre ele. À falta de resistência exterior contra a sedução da persona, corresponde uma fraqueza interior relativa às influências do inconsciente. O papel desempenhado fora é atuante e forte, ao passo que dentro vai-se desenvolvendo uma fraqueza efeminada contra todas as influências do inconsciente: estados de espírito momentâneos, caprichos, angústias e uma sexualidade efeminada (que culmina na impotência) passam, pouco a pouco, para o primeiro plano. A persona, imagem ideal do homem tal como ele quer ser, é compensada interiormente pela fraqueza feminina; e assim como o indivíduo exteriormente faz o papel de homem forte, por dentro torna-se mulher, torna-se anima, e é esta que se opõe à persona. O íntimo é obscuro e invisível para a consciência extrovertida, principalmente para o indivíduo que tem dificuldade em reconhecer suas fraquezas, por haver-se identificado com a persona. Portanto, o contrário da persona – a anima – também permanece totalmente no escuro e se projeta. (...) É importante para a meta de individuação, isto é, da realização do si-mesmo, que o indivíduo aprenda a distinguir entre o que parece ser para si mesmo e o que é para os outros. É igualmente necessário que conscientize seu invisível sistema de relações com inconsciente, ou seja, com a anima, a fim de poder diferenciar-se dela13.

Assim anima e animus personificam o outro interno reprimido e por isso nos parecem tão misteriosos e ameaçadores. São símbolos da própria existência do inconsciente, e como tal intermediam as relações com a consciência, do mesmo modo como a persona intermedia as relações com o mundo social. “O animus não pertence à função de relação consciente; sua função é a de possibilitar a relação com o inconsciente”14. No papel de mediadores são essenciais no processo de integrar elementos cindidos da psique. A ligação entre os arquétipos da sizígia e a função transcendente é clara.

Por um lado, o inconsciente é um processo puramente natural, sem objetivo; mas por outro lado tem o endereçamento potencial, típico de todo processo energético. Quando a consciência desempenha uma parte ativa e experimenta cada estádio do processo, compreendendo-o pelo menos intuitivamente, então a imagem seguinte sempre ascenderá a um estágio superior, constituindo-se assim finalidade da meta. A meta seguinte da confrontação com o inconsciente é alcançar um estado em que os conteúdos inconscientes não permaneçam como tais e não continuem a exprimir-se indiretamente como fenômenos da anima e do animus, mas se tornem uma função de relação com o inconsciente15.

Para Jung anima e animus devem ser levados a sério como manifestações da atividade psíquica. Na medida em que dialogamos com estas personificações elas revelam seus conteúdos e intenções que ao serem clarificados, dissolvem-se em uma função de relação com o inconsciente. A dissolução das imagens personificadas da anima e do animus impedem que eles funcionem em completa autonomia , apossando-se do eu.

Essas duas figuras crepusculares do fundo obscuro da psique, a anima e o animus (verdadeiros e semigrotescos “guardadores do umbral”, para usar o pomposo vocabulário teosófico), podem assumir numerosos aspectos, que encheriam volumes inteiros. Suas complicações e transformações são ricas como o próprio mundo, e tão extensas como a variedade incalculável do seu correlato consciente, a persona. Habitam uma esfera de penumbra, e dificilmente percebemos que ambos, anima e animus, são complexos autônomos que constituem uma função psicológica do homem e da mulher. Sua autonomia e falta de desenvolvimento ursupa, ou melhor, retém o pleno desabrochar de uma personalidade. Entretanto, já podemos antever a possibilidade de destruir sua personificação, pois conscientizando-os podemos convertê-los em pontes que nos conduzem ao inconsciente. Se não os utilizarmos intencionalmente como funções, continuarão a ser complexos personificados e nesse estado terão que ser reconhecidos como personalidades relativamente independentes 16.

            O trabalho contínuo com a anima e o animus é uma operação da função transcendente, uma das múltiplas formas através das quais ela atua.

O problema dos opostos também está presente em todos os estudos alquímicos que marcaram a última fase da obra de Jung. Vistos por Jung como ancestrais dos psicólogos, os alquimistas estavam envolvidos com Mercúrio, o espírito divino aprisionado na matéria, cujas características foram resumidas por Jung em um estudo apresentado em  19 4 2.

 1) Mercúrius consiste em todos os opostos possíveis e imagináveis. Ele é uma dualidade manifesta, sempre porém designada como unidade, se bem que suas oposições internas possam apartar-se dramaticamente em figuras diversas e aparentemente autônomas.

 2) Ele é físico e espiritual.

 3) Ele é o processo de transformação do plano físico, inferior, no plano superior e espiritual, e vice-versa.

 4) Ele é o diabo, o salvador que indica o caminho, um “trickster” evasivo, a divindade tal como se configura na natureza materna.

 5) Ele é a imagem especular de uma vivência mística do artifex, a qual coincide com a opus alchymicum (obra alquímica).

 6) Enquanto vivência acima referida, ele representa, por um lado, o si-mesmo e, por outro, o processo de individuação e também o inconsciente coletivo, devido ao caráter ilimitado de suas determinações17.

            Os itens  2, 3, 4, 5, 6 são desdobramentos do item  1, do Mercúrius como personificação de todos os opostos possíveis e imagináveis, o que significa que os conceitos de inconsciente coletivo, individuação e si-mesmo se fundamentam na complementaridade dos opostos. 

A função transcendente é de suma importância no diálogo entre o eu e as imagens arquetípicas do inconsciente coletivo, reunindo-as como partes de um todo maior que as integram e as transcendem. A função transcendente e os arquétipos seriam diferentes expressões de uma só e mesma coisa, o diálogo entre o consciente e o inconsciente. A diferença é que a função transcendente é a expressão desse diálogo em forma processual, enquanto os arquétipos seriam a expressões personificadas desse diálogo. Logo em qualquer contato com uma imagem arquetípica existe o potencial para a ação da função transcendente, e onde quer que a função transcendente atue, a consciência está de alguma forma interagindo com material arquetípico18.

Quando Jung escreveu o ensaio sobre a função transcendente pela primeira vez ele não havia elaborado totalmente a teoria dos arquétipos. Nesta época o que estava em primeiro plano era que tanto o consciente como o inconsciente precisavam reconhecer o papel ativo que cada um desempenhava na atividade psíquica. O conceito de arquétipo surgiu bem mais tarde, funcionando como uma objetificação da parte inconsciente do diálogo com a consciência. As imagens arquetípicas seriam assim, uma das múltiplas personificações da operação da função transcendente19.

            Para diferenciar-se da abordagem freudiana, que buscava explicações para psicopatologia em causas no passado, em traumas infantis, Jung buscou integrar a visão freudiana numa abordagem mais ampla, onde o passado presentificado tem um propósito mais amplo além da pura descarga de impulsos reprimidos. Jung nomeou esse aspecto teleológico da vida psíquica de processo de individuação e a abordagem que lida com ele de prospectiva. Na época em que escreveu o primeiro ensaio sobre a função transcendente ele ainda não tinha desenvolvido uma visão abrangente desse processo. Em escritos posteriores a relação entre a função transcendente, as mudanças trazidas por ela e o processo de individuação estão bem mais delineadas.

 

É claro que esta modificação da personalidade não corresponde a uma alteração da predisposição hereditária do indivíduo, mas representa uma transformação da atitude geral. As separações drásticas e oposições entre o consciente e o inconsciente, tão evidentes nas naturezas neuróticas e carregadas de conflitos, dependem quase sempre de uma unilateralidade acentuada da atitude consciente, que prefere de modo absoluto uma das duas funções, relegando as outras indevidamente para o segundo plano. A conscientização e vivência das fantasias determinam a assimilação das funções inferiores e inconscientes à consciência, causando efeitos profundos sobre a atitude consciente. Não discutirei agora em seus pormenores a forma desta mudança da personalidade. Quero sublinhar apenas o fato de que se trata de uma mudança essencial. Dei o nome de função transcendente a esta mudança obtida através do confronto com o inconsciente. A singular capacidade de transformação da alma humana, que se exprime na função transcendente, é o objeto principal da filosofia alquimista da baixa Idade Média. Essa filosofia representa tal capacidade anímica pela conhecida simbologia alquimista. (...) Houve uma filosofia “alquímica” precursora vacilante da moderna psicologia. Seu segredo é a “função transcendente” e a transformação da personalidade através da mistura e fusão de elementos nobres e vulgares, das funções diferenciadas e inferiores do consciente e do inconsciente 20.

 A psique longe de ser um mero agregado de emoções, impulsos, complexos, e comportamentos díspares é uma totalidade viva em busca de uma integração cada vez maior entre os seus componentes, algo impossível de ser realizado sem a superação dos opostos, dos aspectos mutuamente excludentes.

Voltando agora ao problema da individuação, sentimo-nos diante de uma tarefa invulgar: a psique é constituída de duas metades incongruentes que, juntas, deveriam formar um todo. (...) Consciência e inconsciente não constituem uma totalidade, quando um é reprimido e prejudicado pelo outro. Se eles têm de combater-se, que se trate pelo menos de um combate honesto, com o mesmo direito de ambos os lados. Ambos são aspectos da vida. A consciência deveria defender sua razão e suas possibilidades de autoproteção, e a vida caótica do inconsciente também deveria ter a possibilidade de seguir o seu caminho, na medida em que o suportamos. Isto significa combate aberto e colaboração aberta ao mesmo tempo. Assim deveria ser evidentemente a vida humana. É o velho jogo do martelo e da bigorna. O ferro que padece entre ambos é forjado num todo indestrutível, isto é, num individuum. É aproximadamente a isso que denomino “processo de individuação”. Como o nome sugere, trata-se de um processo ou percurso de desenvolvimento produzido pelo conflito de duas realidades anímicas fundamentais 21.

           

Individuação é processo, movimento, por isso a função transcendente atua de forma constante sobre os seus próprios resultados. Esse processo resulta em integrações cada vez mais diferenciadas e complexas, e é motivado pelo si-mesmo, o arquétipo da totalidade, o centro da psique, que por representar o potencial de integração de toda a personalidade é a imagem de Deus na psique. O si-mesmo é o motor do processo de individuação, estando completamente imbricado com a função transcendente. No prefácio da publicação em  19 59 da versão de  191 6 do ensaio sobre a função transcendente James Hillman escreveu: “O termo ‘função transcendente’, usado aqui para a união do consciente e do inconsciente, não está muito em uso atualmente, tendo sido substituído em um sentido amplo pelo conceito de Si-Mesmo” 22.

            Em uma carta escrita por Jung em  10.0 4.19 5 4 ao padre Victor White é visível a sobreposição do conceito de si-mesmo e de função transcendente, visto que ambos se referem a uma totalidade que se expressa por meio da oposição complementar.

O si-mesmo é uma unidade, consistindo porém de duas, isto é, de opostos, caso contrário não seria uma totalidade. (...) Apesar da natureza conservadora, os arquétipos não são estáticos, mas estão num constante fluxo dramático. Por isso o si-mesmo como mônada ou unidade contínua estaria morto. Mas ele vive na medida em que se divide e se une de novo. Não há energia sem opostos 23.

 

            O si-mesmo seria então uma espécie de refinamento do conceito de função transcendente. Como potencial de integração adormecido nas profundezas inconscientes da psique, o si-mesmo instiga a busca da unidade e a função transcendente é a sua atividade espontânea. Ele é o gatilho que ativa a operação da função transcendente, sendo não só o iniciador, mas também o objetivo final do processo de individuação, a atualização constante do potencial divino de integração dos aspectos excludentes da psique. “Ainda que o si-mesmo seja minha origem, ele é também a meta de minha busca” 24.

            A individuação seria então um movimento circular, urobórico, onde o si-mesmo, que no começo é um potencial adormecido sem nenhum conteúdo, é despertado quando aspectos mutuamente excludentes ameaçam rasgar o eu ao meio. Despertado pela tensão energética, o si-mesmo presentifica-se sob a forma da função transcendente e o que no começo era uma unidade vazia e indeterminada transforma-se numa unidade complexa e diferenciada, rica em conteúdos. Essa constante atualização do si-mesmo é o que se chama de processo de individuação.

 

IMAGINAÇÃO E SI-MESMO

             Partindo da idéia de que o si-mesmo é o início e o objetivo final da individuação, então o que acontece no processo é que o si-mesmo imediato, indiferenciado, se exterioriza fazendo-se um outro para si-mesmo, que depois é interiorizado, retornando a si tornando-se uma unidade complexificada e diferenciada, graças ao retorno desse outro que era ele mesmo o tempo todo. O que aparece como uma diferença excludente para o eu, para o si-mesmo é uma diferenciação interna à sua unidade. Visto de dentro a antítese é o desdobramento do que estava implícito na tese e a síntese é a re-interiorização da antítese na tese, agora enriquecida pela negação interna que sofreu. O que se apresenta aqui é uma unidade que nega a si-mesma, mas é em-si-mesma essa negação de si. Como a lógica egóica é extensiva, excludente, ela vê a tese e a antítese como externas uma à outra e a síntese acontecendo através de um terceiro, também externo, que intermedia tese e antítese, dando origem a um quarto que apesar de sintetizar os contrários, também é externo a ambos. Esse outro externo que intermedia os opostos é a imaginação. Para Jung era na fantasia que todos os opostos estavam unidos, e a função transcendente era essencialmente uma operação da imaginação.

Ao esse in intellectu falta a realidade palpável, ao esse in re falta o espírito. Ora, a idéia e a coisa encontram-se na psique do homem, a qual estabelece o equilíbrio entre idéia e coisa. No fim de contas, o que é a idéia, se a psique não lhe facultar um valor vital? Que é a coisa objetiva, se a psique a privar da força condicional da impressão sensível? E o que é a realidade senão uma realidade em nós próprios, um esse in anima? A realidade vital não é dada exclusivamente pelo comportamento efetivo, objetivo, das coisas, nem pela fórmula ideal, mas em conseqüência de uma conjugação desse comportamento e dessa fórmula, dentro do processo psicológico vital, graças ao esse in anima. Só por meio da atividade vital específica da psique a percepção sensível atinge a profundidade impressiva e a idéia de força eficiente que são parte integrante e indispensável de uma realidade vital. A atividade própria da psique, que não pode explicar-se por uma reação reflexa à excitação dos sentidos (estímulo sensorial) nem considerando-a o órgão executivo de idéias eternas, é, como todos os processos vitais, um contínuo ato criador. A psique cria diariamente a realidade. Só encontro uma expressão para designar essa realidade: a fantasia. A fantasia tanto é sentir como pensar, tanto é intuitiva como perceptiva. Não há função psíquica que não se encontre nela, em associação indiferenciável com as demais funções psíquicas. Tão depressa se apresenta com caráter primordial como sob o aspecto de produto final e temerário da concentração de todas as capacidades. Por isso a fantasia me parece ser a mais clara expressão da atividade psíquica específica. É, sobretudo, a atividade criadora que procura uma resposta para todas as indagações contestáveis, a mãe de todas as possibilidades, na qual se encontram vitalmente vinculados, como todos os extremos psicológicos, tanto o mundo interior como o exterior. A fantasia sempre foi e continua sendo o elemento que serviu de ponte entre os requisitos irreconciliáveis de objeto e sujeito, de extroversão e introversão. Só na fantasia se encontram unidos ambos os mecanismos 25. 

 

O problema com a fantasia é que ela não supera a principal dicotomia sobre a qual se fundamenta toda a noção de sujeito na contemporaneidade, a dicotomia entre sujeito e objeto. Enquanto eu vejo algo, este algo está fora de mim, não sou esse algo. Mesmo que a imagem não seja a cópia de um objeto existente no mundo externo, ela ainda permanece fora do sujeito, que a vê unir os opostos fora dele, de modo irracional, natural, instintivo. A unidade dos opostos é positivizada como um objeto lá fora ao qual a consciência olha, mesmo que o fora esteja no interior, no inconsciente. Enquanto a síntese permanecer no nível da imagem, a consciência será equacionada com o eu e o si-mesmo, a unidade de todos os opostos, será apenas uma idéia entretida pela imaginação, jamais atingida nesse mundo, uma terra prometida da qual estamos para sempre exilados 26.

            Jung assinala a importância do eu na atividade irracional de unificar os opostos. Como ele identifica razão com o eu então o que ele chama de irracional não exclui a razão, mas a inclui e a transcende. Esse processo transracional se dá através do símbolo que difere da razão egóica para quem não existe o caminho do meio, enquanto que a atividade simbólica é o próprio caminhar entre os opostos.

O alternar-se de argumentos e de afetos forma a função transcendente dos opostos. A confrontação entre as posições contrárias gera uma tensão carregada de energia que produz algo de vivo, um terceiro elemento que não é um aborto lógico, consoante o princípio: tertium non datur [não há um terceiro integrante], mas um deslocamento a partir da suspensão entre os opostos e que leva a um novo nível de ser, a uma nova situação. A função transcendente aparece como uma das propriedades características dos opostos aproximados. Enquanto estes são mantidos afastados um do outro – evidentemente para se evitar conflitos – eles não funcionam e continuam inertes 27.

O fato de Jung trabalhar com uma definição estreita de razão, identificando-a com o racionalismo instrumental das ciências empíricas, impediu-o de sair do nível do conteúdo, daquilo que é sensorialmente, espaço-temporalmente perceptível, e atingisse o nível da sintaxe, a estrutura lógica que permeia todo e qualquer conteúdo psíquico 28. O que Jung chamava de razão, era para Hegel uma razão abstrata, estreita, incapaz de atribuir predicados opostos ao mesmo sujeito, e por isso cindida de si mesma, do seu outro interno. Não é no nível do conteúdo semântico que se atinge a psique transpessoal, mas no nível da sintaxe, da lógica, pois a psique é transpessoal não por causa de conteúdos comuns a todos, mas porque sua estrutura interna é uma só. Essa estrutura é inapreensível via pensamento sensorial, via imaginação, e por isso Jung a concebia como incognoscível, um nôumeno kantiano, uma coisa-em-si além dos limites da consciência. Se por consciência entendemos a consciência que pensa sensorialmente, espaço-temporalmente, então ele estava certo, pois essa estrutura não é extensiva e por isso é a negação absoluta do que sensorialmente se concebe por estrutura, sendo assim uma estrutura que é processo, devir. A lógica da psique não é espaço-temporalmente cognoscível, visto que transcende a própria noção de espaço e tempo, sendo interna a toda e qualquer coisa, pois é relação de movimento. Jung aproxima-se dessa lógica ao diferenciar sua concepção de libido da concepção sexual freudiana. Para Jung libido é um conceito que se refere não à relações entre substâncias, mas à relações de movimento, e por isso não podia ser hipostasiado como sexual 29.

O logos absoluto não é sensorialmente cognoscível, só podendo ser abordado apenas a partir de si-mesmo, visto ser a identidade da identidade dele com ele mesmo e com a fantasia, sendo assim psicologia, atividade através da qual o si-mesmo é o sujeito e objeto do conhecimento.

A psique só não está onde uma inteligência míope a procura. Ela existe, embora não sob uma forma física. É um preconceito quase ridículo a suposição de que a existência só pode ser de natureza corpórea. Na realidade, a única forma de existência de que temos conhecimento imediato é a psíquica. Poderíamos dizer que a existência física é pura dedução uma vez que só temos alguma noção da matéria através de imagens psíquicas, transmitidas pelos sentidos. (...) Nosso espírito não pode apreender sua própria forma de existência, por faltar-lhe seu ponto de apoio de Arquimedes, externamente, e não obstante existe. A psique existe, e mais ainda: é a própria exietência 30.

Não há um ponto onde se possa ver a psique de fora. Mas nos escritos de Jung há, o eu, que se manifesta através da sua persona de médico que relata, através do conhecimento empírico, apenas fatos acerca da psique. A neurose não é uma cisão espacial dentro de nós, ou uma cisão entre aquilo que é espacialmente externo e aquilo que é interno a nós. Pensar assim é permanecer na cognição espacial que está no fundamento da própria neurose. “A neurose está intimamente entrelaçada com o problema do próprio tempo e representa uma tentativa frustrada do indivíduo de resolver dentro de si um problema universal. A neurose é uma cisão interna” 31.

            A cisão neurótica é interna ao logos absoluto, a lógica viva do nosso estar no mundo. É a cisão entre a psique e o seu logos, entre a imagem e o pensamento. O logos absoluto não está fora da imagem, mas é interno a sua complexidade. Quando trazido à luz ele revela que a imagem que se apresenta diante do eu, e o próprio eu, compõe uma unidade que contradiz a si mesma, o que é outro modo de dizer que o eu e a imagem tornaram-se psicológicos. A cisão entre sujeito e objeto e a cisão entre a psique e o seu logos são então duas faces de uma só e mesma cisão. 

            Enquanto a unidade dos contrários ocorrer através da imaginação jamais será uma verdadeira unidade, pois mantém o observador de fora, vendo o processo, observando as imagens como um espectador que se mantém seguro, imune ao que ocorre à distância dele. Se eu percebo algo sensorialmente, seja externa ou internamente, isso quer dizer que eu não sou aquilo que percebo, por isso nossas fantasias podem despertar em nós um senso de estranheza, como se fossem alienígenas a nós. Essa propriedade da imaginação é fundamental para distinguir nossa identidade imediata dos conteúdos psíquicos que não são produzidos pelo eu. Mas enquanto permanecemos nela a síntese não se completa.

Separação e síntese eram os ingredientes da conjunção misteriosa alquímica, que não pode ser completada enquanto a consciência permanecer empacada na imaginação. Nela a negação não se completa, não se torna negação absoluta que ao negar a si mesma, nega toda a concepção espaço-temporal que fundamenta o eu. E aqui se faz necessário perguntar quem é o sujeito da psicologia, o eu ou o si-mesmo? Se a resposta for o si-mesmo então temos que deixar de lado todo o esquema da função transcendente como o terceiro excluído que sintetiza tese e antítese num quarto termo, por ser uma visão externa do movimento psicológico. O trânsito para o si-mesmo dissolve os aspectos excludentes da diferença no elixir mercurial que é a lógica dialética, revelando que a aparente multiplicidade externa é em si mesma, uma multiplicidade de diferenças internas a um só e mesmo ser. Não se caminha para o si-mesmo através de um terceiro que leva a um quarto, mas apenas através da interiorização da oposição.

            Em uma carta escrita em  18.0 6.19 58 Jung escreveu:

Durante  1900 anos fomos admoestados e ensinados e projetar o si-mesmo em Cristo, e dessa maneira bem simples foi isto retirado do empírico – para alívio dele – e assim foi-lhe poupado fazer a experiência do si-mesmo, ou seja a unio oppositorum. Ele está numa ignorância bem aventurada sobre o significado desse termo 32.

            Nesta carta Jung utiliza o conceito de projeção num sentido bem mais amplo do que aquele com o qual os psicólogos estão acostumados. Normalmente se ouve falar de projeção no cônjugue, no chefe, no psicoterapeuta, em pessoas empíricas. Há muito tempo Cristo não é uma pessoa empírica para nós, tornando-se ao longo dos séculos um símbolo, uma imagem arquetípica do si-mesmo. Jung nunca criticou o fato das pessoas terem personificações míticas das suas experiências pessoais, mas aqui ele se opõe frontalmente a esse tipo de experiência. O que difere nesse caso é aquilo que é personificado. O si-mesmo não pode ser personificado ou imaginado, pois se o fosse seria objetificado, tornando-se um conteúdo da consciência ao lado de outros, alienando-se da sua própria noção, ser a subjetividade intrínseca do sujeito. Por isso ele não pode ser simbolizado, mas pode ser experenciado, na verdade ele é em si mesmo, o experenciar em nós mesmos a unidade dos opostos. Na medida em que o si-mesmo é externalizado na imagem de Cristo, aquilo que devia ser estritamente nós mesmos é movido para além de nós. Enquanto eu me relacionar com Cristo como imagem, como conteúdo da consciência, não há união dos opostos. Eu posso amar Cristo ou ser amado por ele, pode haver harmonia entre nós ou posso ter experiências místicas de união com ele, mas enquanto ele estiver diante de mim a distância permanece, porque o si-mesmo significa que na minha mais íntima subjetividade eu sou eu mesmo e meu outro. Enquanto esse outro que sou eu mesmo aparecer como imagem diante de mim, ele não sou eu, porque tal relação é conceitual, dialética 33.

(...) o Si-Mesmo significa que em mim mesmo e como eu mesmo eu sou tanto eu mesmo como meu outro. Eu sou também o oposto de mim mesmo. Não deve haver um Outro literal, se eu torno-me consciente do fato que eu sou eu mesmo meu outro, eu mesmo meu próprio oposto e assim dividido de mim mesmo. E apenas se eu torno-me consciente de mim mesmo como a oposição irreconciliável de mim mesmo e meu outro, e ao mesmo tempo consciente do fato que esse outro oposto é também eu mesmo, pode a união dos opostos ocorrer e eu ipso facto avançar ao status de Si-Mesmo. A frase “união dos opostos” é uma abreviação. Se alguém desdobrar a complexa relação lógica implicada por esta abreviação, terá que dizer a unidade da unidade e a oposição dos opostos. Eu tomarei esta afirmação em uma seqüência de várias sentenças em separado.  1. Eu não sou idêntico comigo mesmo, eu sou partido, eu sou meu próprio oposto. Eu sou uma contradição viva.  2. Contudo, este Outro que é meu próprio oposto é ninguém mais que eu mesmo. Eu sou eu mesmo e meu oposto. Neste sentido eu estou unido com meu oposto.  3. Eu sou a unidade da primeira afirmação sobre ser uma contradição e da segunda afirmação sobre ser unido ao meu outro. O Si-Mesmo realizado é o status de consciência que conscientemente existe como a complexidade dessa relação lógica, mas relação não no sentido de uma estrutura estática, mas como a fluidez de um movimento dialético, como processo e performance 34.   

Unidade da unidade e oposição dos opostos não significa uma unidade indiferenciada, mas uma unidade em que a diferença não desapareceu, tendo sido interiorizada na própria unidade, complexificando-a. Por isso, a experiência do si-mesmo é morte para o eu. Não é a morte literal da nossa capacidade de funcionar na realidade cotidiana, nem uma união mística com o transcendental onisciente, mas algo bem mais simples e ainda mais revolucionário. Significa a morte da definição literal de sujeito, a definição dentro da qual o eu, enquanto personalidade empírica, vive sua vida 35.

Ego neste contexto significa a perspectiva natural das coisas para qual a entidade existente é a realidade primeira e apenas depois disso pode ser assegurado que essa entidade tem qualidades, essência, que sofre processos, que se comporta desta ou daquela maneira, etc. A morte do ego ou o tornar-se Si-Mesmo significa essa revolução psico-lógica na qual a entidade existente de um lado e a essência ou o conceito do outro trocam de posição e categoria, em outras palavras, onde eu como uma rígida auto-idêntica entidade mergulho implacavelmente no meu conceito ou essência, no que eu realmente sou. (...) “O que eu realmente sou” refere-se a mim como sendo no fundo a união dos opostos. Minha essência, o que eu realmente sou, a Lógica ou Conceito de “mim”, torna-se a realidade primeira, e o fato do meu continuar sendo uma entidade existente é agora reduzido a um momento suprassumido 36 em mim como movimento lógico que brinca entre os opostos, em mim como o Conceito. Ter se tornado Si-Mesmo significa ter se tornado o Conceito existente. A lógica de mim como ser humano, ser mente e alma, agora contém o predicado “existente”, que antes pertencia a mim como substância ou entidade, e a substância ou entidade tornou-se um momento lógico na lógica de ser mente e alma 37.

            O banho alquímico estudado por Jung na sua análise do Rosarium Philosophorum não deve ser realizado literal-mente, no nível empírico-factual do comportamento, visto que o resultado seria a inflação do eu e/ou psicose, e nem apenas no nível emocional, pois significaria apenas uma experiência de “pico”, uma intensidade subjetiva sem nenhuma transformação psicológica 38. É a definição do mundo como entidade, como substância literal que se dissolve na fluidez mercurial desse movimento psico-lógico. Não é o eu enquanto substância empírica, mas o conceito de ser humano dentro do qual vivemos com todas as emoções, sensações, intuições e idéias que é negado, conservado e elevado ao nível universal. Não um universal abstrato, mas um que se concretiza na singularidade da sua e da minha vida. O hífen na palavra psico-logia é a representação gráfica da ruptura lógica do naturalismo imagístico da psique, na definição da psique como sendo em última instância imagem. O hífen indica essa descontínua-continuidade entre imagem e a lógica dialética que suprassume a imagem como um momento necessário no trânsito para o si-mesmo.

            Esse trânsito é um avanço e um retorno, pois o si-mesmo já está lá desde o início, impulsionando todo o processo porque ele é o próprio processo. Não existe primeiro o si-mesmo que depois aciona essa regressão-progressiva, pois o si-mesmo só é enquanto movimento autopoiético. Tal circularidade não pode ser apreendida através do esquema proposto por Miller, que começa com uma divisão que é mediatizada pela função transcendente resultando num quarto termo que une e transcende o dois pólos excludentes, pois esse quarto novo termo é na verdade a própria identidade profunda dos opostos, o que eles são em seu ser mais íntimo. Em seu estudo da função transcendente Miller alerta para o fato de que conceitos como sombra, anima, animus, arquétipo, si-mesmo e outros podem reificar o diálogo entre a consciência e o inconsciente, visto que esse diálogo é um movimento vivo. Mas o mesmo pode ser dito do seu esquema, pois a mediação dos opostos ocorre por meio da imaginação e por isso é objetificada através de um terceiro termo que fica no meio dos opostos 39. O que em é essência movimento, processo, fluidez, é através desse esquema reificado, hipostasiado, capturado pela mesma lógica positivista que visava transcender. O termo médio não é um terceiro termo que por estar entre dois extremos os concilia numa síntese, mas o movimento de reconhecimento no qual cada um dos extremos é o meio, a mediação para o outro chegar à verdade de si-mesmo, ao ser que eles implicitamente são desde o início. O caminho de cada extremo a ele mesmo passa pelo seu outro. Por isso esquemas como o eixo ego-self também são insuficientes, pois o si-mesmo contém o eu, e o eu em sua identidade profunda é o si-mesmo, portanto não pode haver nada entre eles além do movimento no qual cada um se reconhece como sendo em-si-mesmo o seu outro, enquanto o eixo se interpõe entre eles positivizando o que é movimento em três termos separados. Mas Miller apenas segue o esquema proposto anteriormente por Jung. A diferença é que Jung não positivizava a função transcendente como o terceiro termo que leva a um quarto, mas a tomava como a atividade de produzir o terceiro excluído. Mesmo que o esquema de Jung seja menos positivista por abordar a função transcendente como atividade produtiva, ele ainda é insuficiente porque projeta a identidade implícita dos opostos em um terceiro termo tão positivizado quanto os dois primeiros. Tudo se passa no nível do conteúdo e a estrutura que sustenta a oposição não é questionada. Não ocorre uma revolução da consciência que a permite refletir todo o problema da diferença excludente. Essa revolução não é possível no nível da semântica, através da criação de um novo conteúdo, mas apenas no nível da sintaxe onde todos os conteúdos da consciência brilham sob uma luz diferente.

A função transcendente, ao pretender realizar via imaginação a unidade dos contrários para no meio do caminho, deixando em aberto como precisamente se dá a síntese e qual o seu resultado determinado. Enquanto a imaginação for o horizonte último da psicologia a coniunctio oppositorum permanecerá um mistério, uma realização irracional que acontece no futuro em aberto assim como o encontro do homem com Deus só acontece no futuro após a morte. A unidade dos opostos é um mistério para a imaginação porque tanto ela como o eu funcionam extensivamente, espaço-temporalmente.  A co-incidência dos opostos não é um mistério irracional porque não está fora da razão, mas é a negação interna que a motiva a ir além de si mesma, visto que o infinito não é externo à cognição, mas faz-se infinito no devir cognitivo. 

A própria idéia de mistério pressupõe o outro que a nega, o conhecido. Não existe mistério sem conhecimento, pois o misterioso é o que não é conhecido, e o que é conhecido é o que não é misterioso. Isso faz do mistério uma idéia transracional, que transcende a concepção racionalista do positivismo. No transracionalismo psicológico o mistério é intrínseco ao processo de conhecimento, pois não é uma entidade empírica, mas uma idéia concreta, inerente ao próprio conhecer, que morre se não houver um mistério a ser conhecido. “O Senhor que possui o oráculo em Delfos nem comunica nem esconde seu significado mas o indica  segundo um signo” 40. Heráclito não está se referindo aqui a uma terceira opção entre ocultar e revelar, mas a libertação dos opostos de sua prisão para que possam escorrer um no outro, afinal ele era o pensador do devir. Se o movimento de um pólo ao outro não for artificialmente prevenido, ele resultará em um comunicar que evoca o que está oculto para os sentidos e para imaginação. Mas esse evocar re-vela o que está oculto, circundando e protegendo a essência interna das coisas daqueles que querem vê-la, visto que ela é invisível, e inimaginável, e por isso só pode ser pensada, ou melhor, sua re-velação é próprio ato de criá-la através do pensamento. Isso é a mysterium coniunctionis, a conjunção de mistério e conhecimento, cuja atividade é o infinito re-velar do mistério.

De nada adianta pregar semanticamente a imersão alquímica no Mercúrio, enquanto sintaticamente, a própria forma lógica do discurso permanece de fora, seca 41. Não basta recolher a projeção do si-mesmo de Cristo, pois a unidade entre bem e mal, entre Cristo e AntiCristo, não resolve o problema que é interno a própria forma lógica do discurso junguiano. Enquanto o si-mesmo permanecer projetado nas imagens da mandala, do velho sábio, do Graal, da árvore, do peixe, do Aion, da pedra filosofal, do Mercúrio, da sizígia, da cruz, ou seja, enquanto o si-mesmo aparecer via imagem, enquanto ele for um conteúdo da consciência, ele é o objeto e nós, ego-personalidades, sujeitos do conhecimento.

Essa cisão é intrínseca à psicologia junguiana e por isso o si-mesmo é inapreensível, misterioso, escorregando por entre os dedos da imaginação. Não se trata de substituir a imaginação pela lógica e o símbolo pelo conceito, mas de nos conscientizarmos que a imaginação é apenas metade do processo, que se pararmos nela a conjunção permanece abstrata, pois seu clímax, a unidade sujeito-objeto não acontece. Assim como um cubo de açúcar é dissolvido no café, também aquilo que é visto como um conteúdo sólido, personificado, é liquefeito na forma lógica da consciência. O conteúdo continua lá, desapareceu apenas como um objeto visível, imaginável, tornando-se uma qualidade da consciência, sua doçura 42.

            O movimento psicológico do infinito dissolve toda e qualquer imagem ao torná-la uma qualidade interna, uma predicação através da qual ele se torna autoconsciente. Sem as imagens que o personificam e o encarnam, o si-mesmo seria vazio, indeterminado e o infinito que é seu sinônimo estaria situado no além, visto que tem suas imagens fora de si. Pensamento absoluto é a unidade autocontrária de imaginar e desimaginar 43, pois sem imaginação não há razão e sem símbolo não há conceito. Razão que exclui imaginação e conceito que exclui símbolo é a razão e o conceito abstrato da lógica formal, que por ser a lógica dominante da nossa cultura nos faz identificar estes termos com a definição estreita e utilitarista que nela eles adquirem.

Ao abordar a síntese dos opostos como um puro mistério irracional Jung é injusto com a sua própria psicologia, pois em sua totalidade ela é, implicitamente, uma coniunctio, que não é apenas misteriosamente irracional. A psicologia junguiana não é pura e simplesmente mística, mas é, implicitamente, dialética. O que significa afirmar que ela nega-conserva a unidade mística imediata entre observador e observado assim como nega-conserva a mediatez da diferença empírico-científica entre ambos, sendo por isso a unidade negativa entre a atitude mística e a científica, uma mediata-imediatez. Jung é um puro místico para aqueles que vêem sua teoria de fora, que não mergulham na complexidade interna das suas articulações. O mesmo acontece com Hegel, cuja filosofia só pode ser refletida a partir da sua totalidade interna.

(...) a dialética é o supremo esforço da razão, porém é o único método capaz de obter a compreensão do todo. Por isso entre os grandes filósofos, Hegel é o menos entendido, e objeto de exposições incapazes de captar seu pensamento, tão superficiais quanto distorcidas. Por outro lado, seu pensamento também é uma armadilha: ninguém consegue capta-lo sem se fazer, enquanto o estuda, hegeliano também, ao refazer em si mesmo o movimento do conceito hegeliano. Só que depois disso muitos não conseguem escapar dessa “ciranda” e não encontram saída para voltarem à maneira de pensar anterior. Por isso talvez a tendência comum seja manter-se de fora – o que tem como contrapartida nada entender verdadeiramente de Hegel 44.

É impossível compreender a dialética posicionando-se fora dela, porque compreender a dialética é compreender de forma dialética, pois nela o ser é movimento e por isso o ser dialética é o fazer dialética. Método e conteúdo são inseparáveis, assim como o caminho que leva a um resultado e o resultado atingido por aquele caminho. Se o leitor não refizer pacientemente em-si-mesmo o itinerário que levou a uma determinada conclusão, se ela for abstraída do caminho da qual resultou, torna-se vazia, pura retórica.

A sintaxe da consciência era incognoscível para Jung porque ele trabalhava com uma concepção estreita de lógica, sinônima de razão utilitarista, abstrata, unilateral. Tal forma lógica jamais superaria as oposições que ela mesma ajuda a criar. Mas mesmo que na época de Jung essa concepção estreita de razão fosse dominante, ela não era a única disponível, e se ele tivesse estudado a obra de Hegel veria que o que concebia como unidade irracional dos opostos era na verdade a opus magnum da razão. A concepção unilateral de razão, que tem suas origens na lógica analítica de Aristóteles, foi veementemente combatida por Hegel ao longo de toda a sua obra. Para ele a verdadeira razão, o pensamento real, não era a atividade de abstrair o mundo em divisões irreconciliáveis, mas o re-ligare do que foi cindido pela abstração. Em uma de suas conferências sobre Hegel, Paulo Meneses comenta a diferença entre o entendimento e a razão.

Mas porque a mente humana tem essa tendência a fixar-se na unilateralidade? Por que tal dificuldade de acompanhar o movimento do ser em-si e para-si? A resposta está em uma de suas funções básicas que é o entendimento.  Ele tem por tarefa, justamente, ser o momento da análise ou dissolução da unidade compacta que a experiência sensível nos oferece: precisa estabelecer distinções, classificar e pôr etiquetas, abstraindo o maior número possível de aspectos, abrindo todo o leque, todo o arco-íris das diferenças. Ora, o que acontece é que esse trabalho se torna absorvente, e a tendência é que o pensamento se esgote aí mesmo; cristalizando os aspectos como se fossem a totalidade ou a última palavra sobre o real. Isso é notório nas “ciências do entendimento”, que hoje em dia monopolizaram o nome de “ciências”; e que tendem a tomar seu esforço analítico, de inegáveis méritos, como sendo a visão autêntica e plena da realidade. Seria o mesmo que tomar um corpo esquartejado como a verdadeira imagem do ser vivo, na beleza de sua unidade, no funcionamento multiforme da vida. (...) Por isso, para além do entendimento, Hegel mostrou que havia a razão, que dissolvia as cristalizações do entendimento, e transformava sua galeria de estátuas num delírio de bacantes, dançando ao ritmo da orquestração do Todo 45.

 

DEVIR

            A dialética é a religação da dissociação operada pelo entendimento na filosofia kantiana. Enquanto o real estiver cindido em uma realidade fenomenal acessível a razão e um mundo de coisas-em-si inacessível à compreensão humana, a razão continuará unilateral e abstrata, por mais sintetizante que pretenda ser. Enquanto houver dois mundos a razão continuará alienada da existência, opondo-se ao real, pois toda vez que tentar apreendê-lo o cindirá em um real apreensível e um real em-si inapreensível. Essa cisão não precede temporalmente o entendimento, mas é o que fundamenta sua própria atividade. Por isso o cogito ergo sum cartesiano recebe na contemporaneidade a interpretação fraca de um pensamento que se isola do mundo, quando uma interpretação forte revelaria que o que está em jogo é um pensar que está na essência de ser 46. Para o entendimento o pensar nos cinde da vida, isolando-nos da existência. Em tal pensamento a razão é cindida da emoção e dos instintos porque ela é a própria atividade de cindir-se deles. Tal cisão está fundamentada na cisão entre nôumeno e fenômeno, e enquanto a distância entre ambos for intransponível qualquer atividade sintetizante permanecerá incompleta e seus resultados abstratos. Enquanto o mundo das essências for proibido para a consciência, ela jamais será uma consciência concreta.

            Quais são as condições para o conhecer? O que conhecemos quando conhecemos alguma coisa? Quando conhecemos algo, conhecemos aquilo que esse algo é, suas propriedades, atributos, aquilo que o define, ou seja, os seus predicados, que o faz ser o que é e não o que não é. A coisa-em-si por ser incognoscível é uma coisa abstraída de todas as suas propriedades, de todos os seus atributos de tudo aquilo que a define. Se X é alguma coisa, a incognoscibilidade de X é a abstração dessa alguma coisa que define X. O que nos torna capaz de conhecermos X são seus predicados, por exemplo: X é grande, redondo, frio. Se abstrairmos X de todos eles restará apenas X. X é o quê? Nada. Aquilo que X é, o ser de X é nada. Quando falamos a respeito de qualquer coisa, quando tentamos defini-la, determina-la, temos de predicá-la. Uma proposição para ser bem formada necessita de sujeito e predicados distintos. Para Kant uma das condições a priori para o conhecimento, para cognoscibilidade, é sujeito, predicado, ligação entre sujeito e predicado 47. Dizer simplesmente “X”, é não afirmar nada a seu respeito. “X” o quê? É preciso dizer mais. Do mesmo modo com o predicado “é frio”. O que é frio? Logo dizer apenas “X” é não dizer nada. O que é “X”? Qual o ser de “X”?

 Ao afirmarmos que “X é”, não estamos afirmando nada a respeito de X, “X é nada”, o que significa dizer que ele pode ser tudo. Ao afirmar que simplesmente “X é”, não estamos pressupondo nada a respeito de X, não pressupomos que X é grande, pequeno, vermelho, preto, bom, mau, divino, humano, que é um carro, uma cadeira, nada. Mas ao não pressupor nada apontamos um lugar vazio onde não há nada de determinado, mas há espaço para pôr o que quer que seja. Não pressupor nada de determinado é pressupor tudo de maneira indeterminada 48. Afirmar que “X é”, não pressupõe nada de X ao mesmo tempo em que pressupõe tudo de X, logo X é nada e X é tudo. O ser de X, o que X “é”, é nada e tudo. Assim ao abstrairmos todas as propriedades de uma coisa de modo a chegarmos ao conceito de coisa-em-si, aonde chegamos é em um nada que é tudo e um tudo que é nada. Quando se aprofunda o conhecimento sobre algo precisamos determiná-lo dizendo o que ele é de forma a torná-lo mais concreto, e para fazer isto precisamos defini-lo por meio de uma predicação. Qualquer proposição bem formada precisa de sujeito e predicado diferenciados 49. O que os diferencia, e por diferenciá-los os une num relacionamento é o conectivo “é”. Graças a ele tudo é algo.

A filosofia de Kant começou perguntando quais as condições para necessárias para o conhecer, e durante o percurso afirmou que conhecemos apenas as aparências fenomenais, e não as coisas-em-si-mesmas 50. Mas para responder quais as condições necessárias para o conhecer é preciso primeiro perguntar o que é o conhecimento, o que faz dele conhecimento e não uma outra coisa, ou seja qual o ser do conhecimento 51.

O ser é a categoria mais universal, englobando tudo que “é”, e por isso também a mais abstrata, visto que ao se definir como tudo se torna um nada indefinido. Assim afirmar que tudo é, ou que tudo é ser (o que é o mesmo pois o ser está implícito no “é”) joga tudo na indeterminação, na abstração vazia, visto que não afirmar coisa alguma é o mesmo que dizer que nada é. O ser aqui referido não é nenhum ser determinado,concretamente existente, individualizado. Qualquer ser individual é a determinação do ser universal. Matéria por exemplo é a determinação do ser universal em ser-material.  O ser de que se fala aqui ainda não se diferenciou, e por isso é a pura e infinita capacidade de se determinar.  Se pegarmos um ser individual e retiramos dele todas as suas determinações, teremos o próprio conceito de ser. O amor é arrebatador, belo, quente, doloroso, nostálgico. Se abstrairmos tudo, teremos no final “o amor é”. Mas é o quê? Esta afirmação de ser é o quê? Nada! O ser puro sem qualquer atributo que têm contemplado em si a possibilidade de ser determinado de infinitos modos, podendo ser tudo, é idêntico a um nada que de acordo com a sua natureza necessita excluir toda e qualquer determinação. O que difere é apenas nossa atitude intencional diante dessas duas noções 52.

Antes de dizer qualquer coisa a respeito de algo qualquer, até mesmo que esse algo existe, pressupomos que esse algo é. Esse puro ser é um puro nada, uma vacuidade absoluta. Não se pode apresentá-lo, visto que nada se pode pensar dentro dele. Mas como vazio de pensamento ele é o puro pensar, e assim já é um conteúdo, o pensar enquanto possibilidade absoluta. A pura igualdade do ser consigo mesmo é tão pura, tão idêntica a si que traz a tona o seu contrário, o puro nada. A identidade de ser e pensar contém em si a sua diferença, o outro do ser, o não-ser, o nada. Ser e não-ser são abstrações absolutas do pensar que re-flexiona sobre si mesmo. O pensamento é em-si-mesmo ser, mas é também o outro de si-mesmo, o nada. Logo o puro nada possui algo dentro de si, o ser, e por isso o não-ser é um ser, o ser do nada 53.

 Assim a primeira tese explode jogando-nos na sua antítese que por sua vez também explode. Sendo impossível desenvolver qualquer coisa a partir da tese e a partir da antítese o que resta? O que está entre as duas, a passagem de uma a outra, o movimento da tese a antítese. Quando algo está se desenvolvendo, crescendo, progredindo, aumentando, está sendo mais, está indo em direção ao mais ser. Quando algo está decrescendo, regredindo, definhando, diminuindo, está sendo menos, está se aproximando do menos ser, do nada que é o não-ser. Se buscarmos a categoria que engloba todos esses verbos, que é a síntese de todas essas ações, crescer, aumentar, progredir, regredir, diminuir, decrescer, cairemos no movimento, no devir. Devir enquanto noção que contém ser e não-ser é a síntese que já estava implicitamente presente desde o começo 54.  

Por reunir os momentos ideais de ser e não-ser, o devir é o primeiro pensamento concreto. O ser que é tudo e o não-ser que é nada são idealidades que se concretizam ao trans-passarem um no outro, sendo eles mesmos esse movimento de serem um no outro. A passagem inquieta do ser ao não-ser, e deste ao primeiro é a sua calma-inconstância, sua fluidez-permanente. Do aparecer ao desaparecer, do nascer ao morrer, vem à tona a existência. Tudo que existe é devir, nasce e perece, floresce e desaparece 55. Esse movimento é o Tao, o caminho percorrido por tudo que existe. Do devir surge o ser-determinado, o ser-qualitativo, o ser que existe.

Para afirmar “algo” é preciso distinguir um ou vários predicados que o determinam ao qualificá-lo como ser-algo enquanto tal. O ser-algo afirma uma qualidade, um predicado, que é a sua realidade, e com isso nega outras qualidades, outros algos. Qualidade é realidade 56, o que implica que realidade é negação, ser e não-ser enquanto existência concreta. Só assim é possível qualificar algo existente, pois existir é ser-determinado. Algo se opõe aos outros algos mediante sua qualidade. Distinguir algo do seu contexto de algos é distingui-lo qualitativamente, pois diferenciar é qualificar. Mas o algo, por ser real, não apenas nega o resto, mas também a si-mesmo, na medida que é si-mesmo ao opor-se aos outros na afirmação de sua qualidade 57.

Algo, um ser-determinado qualquer, é a negação da negação, idêntico a si através da negação de outro e por isso também diferente do outro e de si-mesmo. A qualidade põe-se por meio de sua igualdade e desigualdade, sendo assim mediação consigo mesma através de um outro. Todo ser-determinado tem sua realidade própria que o qualifica face a outros, algo que o afirma, distingue, limita e separa. Afirmar algo é negar outros, visto que a afirmação de uma qualidade é a negação das outras. Toda determinação é uma afirmação que exclui outras afirmações. Toda qualidade, toda afirmação, é a diferença entre algo e outro. Algo e outro são conceitos interdependentes e intercambiáveis, pois diferenciar é distinguir qualitativamente algo e outro 58.

Algo é “outro” face ao seu outro. O ser-determinado é uma oposição determinada entre algo e outro, pois o outro do algo é a alteridade para o qual o algo é “outro”. Por serem existências finitas e variáveis, ambos são entes. Cada um só é na relação com o outro, de modo que cada um tem um ser-para-outro e um ser-em-si. Ser-para-outro é o momento da relação de oposição com o outro e de desigualdade consigo. Ser-em-si é a sua auto-afirmação, o momento da relação consigo mesmo face a sua relação com o outro 59. Todo algo refletido em si aparece nessa duplicidade, bifurcado, como o bifacial Janus, deus romano das transições, das passagens e dos nascimentos.

 Algo é em-si no momento que sai do ser-para-outro e retorna a si. Mas algo também tem uma determinação em-si na medida em que essa determinação é colocada externamente nele (em-si), por ele ser-para-outro. Ser-em-si e ser-para-outro são momentos do algo e do outro, estando intrinsecamente relacionados e convivendo numa inquieta-harmonia dentro do outro e do algo 60.

Todo algo enquanto ser-para-outro é também algo-em-si. Para filosofia kantiana todo fenômeno pressupõe uma coisa em-si, uma essência incognoscível que é a condição do fenômeno conhecido. Mas se no ser-para-outro está contido o ser-em-si, e vice-versa, então o fenômeno é a manifestação da coisa-em-si porque esta se manifesta nele. A coisa-em-si está sempre dada no fenômeno, pois se ela não aparecesse não haveria aparição. No fenômeno em-si é possível conhecer algo em-si 61.

Cada algo é a negação de si-mesmo em seu outro e a negação dessa negação como retorno a igualdade consigo mesmo face ao outro. Cada ente tem em-si uma determinação essencial, sua destinação, e uma constituição variável. De início toda variação recai na constituição natural do algo, que corresponde ao ser-para-outro. A determinação essencial pertence ao em-si, não varia, sendo a interiorização do ser-em-si, seu destino. A natureza variável ou constituição, sendo o lado do ser-para-outro, da desigualdade consigo, é exterior, mas é exterior no algo, está nele, e por isso também constitui sua qualidade 62.

A qualidade do ente possui então uma natureza e um destino, uma exterioridade e uma interioridade, que se alternam reciprocamente. O resultado é a determinabilidade enquanto tal, onde destinação e constituição trans-passam uma a outra. A constituição variável está permeada pela destinação, enquanto negação interiorizada, assim como o destino, na medida em que interioriza o seu ser-outro, é permeado pela constituição variável. Cada um limita o outro e constitui algo, ou outro. A dupla negação é a negação enraizada em cada algo, seu limite, aquilo define o que os entes em geral são 63.

A relação entre algo e outro se constitui pelo limite, e assim ser algo determinado significa ser um ente, um ser delimitado em-si face a outros entes, cada um limitando e sendo limitado pelos outros. O limite é a fronteira entre o aquém e o além, ao definir ao mesmo tempo o que algo é e o que não é. Ao definir, o limite afirma e nega tanto o algo como o outro, pois cada um se constitui em-si como limite do outro. Por ser aquilo que qualifica o limite não é fruto de uma relação exterior entre entes reais, qualitativamente diferenciados, mas aquilo que distingue, separa, exclui, ou seja, o que essencialmente qualifica. Portanto cada algo é o não-ser do outro e o limita nele próprio. A relação é reversível, pois o outro também é algo, e em vista disso o limite é o não-ser do algo em geral. Algo é o não-ser do outro através do limite, e assim o limite ao negar, afirma sempre algo face a outro. Ao cessar algo no outro, e o outro no algo, o limite é o meio onde algo e outro tanto são como não são. Ele é tanto ser como não ser. Enquanto ser do algo é não-ser do outro, e enquanto ser do outro (algo) é não-ser do primeiro algo. Ambos só existem dentro do seu limite que é então o não-ser de cada algo e o outro de ambos, conservando assim a unidade relacional de ser e não-ser e sendo por isso o próprio existir 64. O limite é o local de Hermes, deus da duplicidade, cujos altares eram pilhas de pedras (hermai) erigida nas fronteiras, locais onde o mundo dos mortos, do não-ser, se entrecruza como o mundo dos vivos, do ser.

Algo só existe, somente tem seu aí, dentro dos seus limites. Os entes têm início meio e fim, são delimitados, definidos, finitizados. O limite é a dupla negação que constitui algo como algo e outro ao mesmo tempo, sendo imanente aos entes na medida em que existe separado e distinguido mediante sua qualidade face aos outros entes. Limitar é finitizar, visto que o finito é algo posto em seu limite imanente como sendo a contradição de si-mesmo, a afirmação do ser e do não ser de algo. O limite constitui a existência como limitada e findável, um nascer que já supõe a futura morte 65.

O finito é contraditório ao se por como determinação existencial e qualitativa que afirma e nega o seu caráter intrínseco, sendo tanto uma exigência de subsistência como de desaparecimento. Desde que esta-aí exige persistir, mas por outro lado, supõe um período de vida finito que fatalmente acabará no começo de outro ser aí. Existir é possuir um destino singular característico face a outros, e um destino universal partilhado com todos os entes finitos. Determinar é pôr aí, dar início e pôr fim. O limite constitui-se como o fado do finito, com os entes persistindo fatalmente até o fim 66.

Ao ser fim o limite interioriza-se como barreira, uma exigência de desaparecimento intrínseco a tudo que é finito. Mas o momento de evanescência é acompanhado de outro momento em que o finito teima na subsistência, na transgressão da barreira. O finito é algo limitado que contradiz a si-mesmo ao possuir o dever de ir além dos seus limites, de superar indefinidamente sua barreira. O finito é então uma barreira e o dever de transpô-la. Sem barreira o dever já estaria cumprido, não sendo então o dever de ir além dela, e sem o dever a barreira não seria barreira, pois não teria o que barrar e confinar dentro de limites. Essa tensão é o finito enquanto existência, o que simultaneamente deve-ser e não é. A finitude está fadada a superar-se enquanto dever, mas a findar enquanto barreira. Essa contradição é o finito enquanto devir, onde os entes em seu dever são lançados para além de si em direção ao infinito 67.

O ser do finito é o dever de subsistir, e o seu não-ser aquilo que caracteriza as coisas como finitas, o fado que as conduz ao seu fim. A razão abstrata afirma o segundo momento como sendo aquilo que caracteriza o finito, pois não vê o fim como passagem, onde o perecer é uma transformação. Não conseguindo compreender que ser e não-ser são momentos complementares do devir, insiste que o não-ser é a anulação do ser. Isso leva a percepção apenas da variação, do perecimento, da passagem para o fim enquanto nada abstrato irreconciliável com o ser. Do lado da finitude está somente o perecimento, pois todos os entes são finitos, o que leva a afirmação da eternidade da finitude 68.

Na persistência deste luto o entendimento faz do não-ser a determinação das coisas, que por ser inseparável delas é a sua qualidade imperecível, eterna, absoluta, pois se não o fosse os entes não seriam finitos. A unilateralidade racional opõe ser e não-ser, persistir e findar, finito e infinito. Mas opor qualitativamente finito e infinito resulta na afirmação do finito como sendo a característica imutável das coisas, aquilo que lhes é eterno, infinitizando então o finito 69.

Como o finito pode ser transitório e imperecível? Se abordarmos o aspecto do “ser da finitude” a transitoriedade é absolutizada, e se abordarmos o aspecto da transitoriedade, o próprio perecer perece. Com sua lógica extensiva o entendimento abstrai o infinito do finito, sendo o primeiro o ser absoluto, a pura afirmação, e o segundo a negação, o não-ser, o limite. Ambos são incompatíveis. O finito é negação, a barreira, o limite internalizado que o separa do seu pólo qualitativamente oposto, o infinito. Tal como dois entes cada um é qualificado frente ao outro. Porém segundo seu dever, o finito tende ao seu outro, mas como o dever é limitado pela barreira que caracteriza a finitude do finito, essa tendência é frustrada. O dever-ser é um ir além da barreira, mas um ir além que tem sua vigência no campo da finitude 70.

A finitude é esse tender para a infinidade na inquietude que caracteriza o seu dever e a sua barreira, um limitando o outro e tentando ultrapassa-lo, seja em busca do seu fim, seja em busca do sem-fim. Barreira e dever são imanentes um ao outro, já que cada um contém o outro e só é o que é a partir do outro, sendo por isso momentos essenciais da finitude. Sua relação é o ser-em-si, a igualdade consigo mesmo do finito, mas como cada um aparece como negação do outro, o finito contradiz a si-mesmo. A finitude suprime a si-mesma tendo como destinação fenecer, mas tal fenecer dá luz a um outro finito, que por sua vez perecerá em outro finito, e assim ao infinito. Não há um desaparecimento puro e simples, mas um trânsito. O infinito é imanente a finitude, pulsa em seu interior fazendo dela o perecer do perecer, a negação do negativo, portanto negação absoluta de si-mesma 71.

Para a razão abstrata, o finito é a ligação das criaturas com o mundo sensível e o infinito é o além incognoscível. Mas o infinito impulsiona por dentro o perecível a transcender a si-mesmo, pois o finito não desaparece no vazio, mas transita, transforma-se em outro 72.

O dever ultrapassa a barreira, mas como é barrado por ela em sua ultrapassagem, ao superar a si-mesmo o que faz é alcançar uma nova barreira. O dever é a sua superação, o ir além de si-mesmo, só que além de si-mesmo o que encontra é o seu outro, uma nova barreira, que expulsa-se em direção ao se outro, o dever. Nessa inquieta inseparabilidade toda e qualquer ultrapassagem da barreira é o encontro com limitação do dever e por isso o próprio retorno da finitude a sua igualdade constante. Mas se algo é igual a si-mesmo em sua própria distinção, se permanece idêntico a si apesar da variação, se é imutável dentro da própria mutabilidade, então é infinito. Desse modo o finito não é um infinito perecimento, mas o que nega o seu próprio perecer, e essa dupla negação é o que faz o finito transitar, a partir do seu próprio interior, ao infinito 73.

A infinidade é a pura igualdade consigo mesma, a pura afirmação que se opõe a finitude, ao negativo. Apesar de se apresentar como ilimitada, a infinidade é limitada pelo finito como o positivo face ao negativo. Porém ao ser a negação do limite característico da finitude, o infinito torna-se dependente do seu oposto, tornando-se não mais incondicionado, mas um infinito finitizado. A natureza do finito é o tornar-se a partir de si-mesmo o seu outro, o infinito, e isso não a partir de algo extrínseco, mas por sua relação consigo mesma enquanto barreira e enquanto dever de ir além dela 74.

A determinação recíproca entre infinito e finito resulta na interiorização do conceito de limite do algo, que faz com que o finito tenha o dever de superar a si-mesmo e tenda ao seu contrário, o infinito. Mas o limite é sempre limite, e o ir além de si-mesmo que é o dever do finito é o eterno encontro com o limite além de si-mesmo. O limite jamais é superado por completo, sendo sempre empurrado para adiante. Finito e infinito são momentos que se determinam reciprocamente e se apresentam como um progresso infinito, uma contínua e indefinida ultrapassagem sempre inacabada, incompleta, finita. Ambos são o outro-em-si-mesmos. O infinito é dever que obriga a superação da barreira, mas cuja superação é um nova barreira que deve ser superada, e assim ao infinito 75. 

Infinito e finito são concebidos como separados um do outro, como negação um do outro, mas enquanto opostos, ambos são determinados. Isso é o que caracteriza a finitude, ser sempre um algo face a outro algo que a limita. Mas se o infinito depende do finito para ser o que é, então ele é limitado, determinado, entificado. Finito e infinito sofrem o limite ao serem antagonizados. O finito ao ultrapassar sua barreira transita a infinidade, tornando-se um finito-infinitizado. O infinito contraposto ao finito deixa de ser o incondicionado, aquilo que é idêntico a si-mesmo, e passa a ser apenas a partir do seu limite, negando a si-mesmo e tornando-se um infinito-finitizado. Como cada um transita no seu outro, o inteligível é acidentalizado ao admitir a barreira, sendo rebaixado a finitude, enquanto o sensível é elevado ao plano da necessidade, suprimindo sua barreira e realizando o seu dever de ir além do seu limite. A dicotomização dos dois se levada ao seu extremo torna-se a sua própria inseparabilidade. Isso ocorre porque ambos estão relacionados entre si exatamente pela negação que os separa, uma negação que sendo interior a ambos afeta o ser-em-si tanto de um como do outro, tornando-os momentos de um único e mesmo devir que está unido em sua própria contradição 76.

O infinito e o finito são momentos que se determinam reciprocamente e se apresentam como um uma contínua ultrapassagem para sempre inacabada, incompleta, finita.  Ambos têm o outro dentro de si-mesmos, são a unidade de si e do seu outro. O infinito é dever que obriga a superar a barreira, mas tal superação é uma nova barreira que deve ser superada e assim ao infinito.  Cada um é momento de um todo dentro do qual cada um é o que é por meio do outro e da negação desse outro. O infinito só é finitizando-se e o finito só é infinitizando-se. Ambos são em-si o seu ser-para-outro, e a totalidade é devir como afirmação absoluta de si. O momento do finito possui o duplo sentido de ser em sua imediatidade qualitativamente oposto ao infinito e de ser em sua mediação finito e infinito ao mesmo tempo. O momento do infinito também tem o duplo sentido de ser ele mesmo e o seu outro 77. A razão abstrata dicotomiza infinito e finito fazendo-nos acreditar que são opostos, como se cada um possuísse as mesmas propriedades. Mas sua oposição é o que os une precisamente pela negação que os separa, pois o próprio ato de opor é um pensamento que acaba por relacionar intrinsecamente os termos que opõe.  A passagem da finitude a infinidade ocorre porque o finito não se determina apenas como existência subsistente, mas também como ser-em-si-negativo que se dissolve 78.

A passagem de um ao outro é o resultado da contraposição qualitativa em que foram lançados, limitando o infinito que se torna o negativo do finito e por isso outro finito. Mas essa passagem de um ao outro que os torna inseparáveis é a unidade-na-diferença de ambos. Essa unidade é a própria contradição de um finito que lança-se infinitamente para fora de si mas depara-se com o limite intrínseco que o força a retornar sobre si. Esse movimento resulta na multiplicidade de finitos, cada um impulsionado pela infinitude que lhes é interna a persistirem em-si, mas transformando a si-mesmos em um outro nesse próprio persistir. Cada outro é em-si essa impulsão infinita que se afirma na negação deles mesmos. Trata-se de um movimento cíclico onde o fim coincide com o começo, e o infinito exibe-se como esse devir de tornar-se um outro de si-mesmo sem sair de si, multiplicando-se numa multiplicidade que é a expressão de sua própria unidade, uma identidade que só é idêntica a si quando se diferencia. O absoluto é assim um movimento autocontraditório, que expulsa-se para fora de si ao retornar a si e retorna a si ao lançar-se para além de si. Ele é a identidade que se afirma por intermédio da diferença, a unidade que se diz através da multiplicidade. Esse paradoxo da razão é a própria razão como um fervilhar interno a tudo que é vivo e que por ser vivo contém em-si seu próprio ir-além, sua morte. 

  O entendimento abstrai infinito do finito. Ao limitar o infinito através do finito, negativizando o que é pura afirmação de si, o resultado foi não mais um infinito além da finitude, incognoscível, mas um infinito interno a própria finitude, que a impulsiona e a faz ser o que é em-si-mesma. Mas o infinito, segundo seu próprio conceito, não pode ter nada fora de si, pois se tivesse não seria infinito, e sim um outro finito. O infinito é então a própria contradição, enquanto devir que contém a identidade e a diferença como momentos. O infinito concreto é a unidade do infinito abstrato e do finito abstrato, e só nesse infinito determinado através da multiplicidade de finitos é que a finitude se torna realmente concreta, pois reencontrou-se na verdade do seu conceito que a faz ser uma finitude não porque se opõe ao infinito, mas porque é um momento transitório na eternidade do seu devir. 

 

COM-CIÊNCIA

É comum entre os junguianos a afirmação de que o homem primitivo é mais inconsciente do que o homem contemporâneo, que nele a consciência ainda não se diferenciou do pleroma inconsciente. Um exemplo disso é a participação mística, conceito criado pelo francês Lucien Lévy-Bruhl que se refere à indiferenciação entre sujeito e objeto característico da consciência primitiva. Para essa consciência o indivíduo, a comunidade e a natureza formam um todo onde cada parte contém e é contida pelas demais. Por isso seus deuses eram fenomenalmente visíveis nos eventos naturais. Na escuridão de um eclipse, no tremor de um terremoto, no estrondo de um trovão, na explosão luminosa de um relâmpago, os deuses se comunicavam com seus filhos.  Para a consciência primitiva os deuses e a natureza eram um só. Por isso quando Jung perguntou a Ochwiay Biano um índio Pueblo cuja tribo cultuava o sol, se sol era uma bola de fogo criada por um deus invisível, ele respondeu: “O Sol é Deus; todos podem ver isso!” 79.

A capacidade de separar Deus do mundo natural só se concretizou a partir da religião judaico-cristã. Nela Deus não é mais fenomenalmente visível na natureza, mas um ser que vive no além, um reino totalmente separado do mundo por ele criado. Por isso a pregação é o ritual por excelência da religião judaico-cristã, pois se Deus não se manifestava mais nos fenômenos naturais era preciso ter fé na palavra propagandeada pelo pregador. Para a consciência primitiva o divino não era uma questão de fé, pois se os deuses e os fenômenos naturais eram um só, eles estavam lá para quem quisesse ver. A consciência grega clássica estava no intermédio entre a consciência primitiva e a religiosa. Em Atenas conviviam a mitologia politeísta, onde os deuses interagiam ativamente com o mundo humano, e a filosofia, cujo mundo das formas ideais estava abstraído do mundo humano que o simulava e copiava. 

O Deus hebreu-cristão não era sensorialmente acessível, atingi-lo dependia unicamente da fé tornando-se então crucial provar sua verdade. Toda a metafísica cristã circulou ao redor da prova ontológica da sua existência.

Deus é o nome dado pela religião para a totalidade viva. Através de uma narrativa personificada ela torna essa totalidade acessível para toda a comunidade que celebra essa comunhão. Mas para a consciência do século XXI não é mais possível uma relação tão ingênua com Deus.

Olhar hoje para um relâmpago e dizer que ali o divino se manifesta é se dissociar da cultura contemporânea, visto que para ela o relâmpago é um fenômeno eletromagnético como tantos outros. Brincar de primitivo na tentativa de recuperar a imediatez que ligava a antiga consciência com a natureza leva a uma dissociação com toda a cultura ocidental onde a consciência contemporânea se enraíza. Na busca da unidade perdida o ocidental que brinca de xamanismo torna-se neuroticamente cindido da cultura da qual participa e sua busca de participação mística resulta num ser abstrato, arrancado do local onde hoje está a verdadeira natureza, a de fornecedora de matéria prima para as indústrias, e quer concordemos ou não ela está sob total possessão da ciência empírico-positivista. Na tentativa de superar a cisão sujeito-objeto que rege a contemporaneidade o xamã do século XXI cinde-se da natureza da qual ele deveria ser o porta-voz, tornando-se uma caricatura do verdadeiro xamã, aquele que era o real porta-voz da conexão entre a natureza e a cultura a qual pertencia.

O cristianismo encontra-se numa situação tão sofrível quanto o xamanismo 80. Ele já foi a ponta de lança do desenvolvimento cultural, a articulação mais refinada, elevada e abrangente da realidade, capaz de expressar as profundezas da concretude vivida por uma cultura, que sem ele seriam inacessíveis. Era atual, estava na vanguarda do conhecimento humano, inspirava novos desenvolvimentos que impulsionavam toda a cultura ocidental para o futuro 81. Será que ele ainda é a real expressão da conexão viva com a totalidade? Que contribuição o cristianismo tem a dar para as grandes questões da nossa época? Tudo que ele faz é impor verdades dogmáticas inquestionáveis dependendentes da fé cega. Será que crer cegamente é a resposta para a complexa situação que vivemos atualmente? Ou cristianismo enfrenta o grande debate de idéias acerca da complexa situação contemporânea, ou se contenta com seu lugar nas prateleiras do mercado do sentido, sempre pronto para oferecer produtos que visam pacificar a angústia existencial do homem pós-moderno.

O Deus cristão está morto enquanto expressão da totalidade do mundo contemporâneo, e a autoridade que ele antes possuía foi transferida para ciência empírico-positivista e sua nova igreja, a mídia, onde suas criações são postas à venda para financiarem novos desenvolvimentos. Por mais que protestemos se realmente mergulharmos na situação atual da nossa cultura nos depararemos com a verdade de que a verdade universalmente eficiente, a verdade que move toda a nossa civilização é gerada pela ciência e propagandeada pela mídia. Qualquer um que queira dar um mínimo de credibilidade ao que afirma ser verdade tenta associar o predicado científico aquilo que diz. Ele está investido com mana cultural e por isso potencializa a atuação daquilo que é enuciado, fazendo da enunciação um efeito de verdade. 

Depois do corte ontológico realizado pela navalha científica a religação com o infinito é impossível através da forma de consciência ingênua pregada pela religião 82. A religação com o infinito deve ocorrer por meio uma forma de consciência capaz de expressar toda a complexidade da nossa situação histórica. Esse é o trabalho da psicologia, pensar concretamente a união do singular e do universal a partir da própria ferida que hoje os separa. Por isso psicologia não é ciência, mas com-ciência 83, um sujeito que se faz objeto para si-mesmo e através dessa divisão religa-se, tornando-se uma diferença que é sua própria unidade, assim como o titã Atlas, avô de Mercúrio, separava a abóboda celeste da terra, mas era a partir dessa separação a ligação viva entre ambos 84 .

A consciência primitiva, regida pela participação mística não está temporalmente distante, no passado primevo da civilização ou da infância pessoal, nem geograficamente distante nos lugares ermos ainda imunes a globalização, mas é passado presente na forma do que chamamos inconsciente. O que esta fora da consciência, inacessível a ela, é uma outra forma de consciência onde o princípio da não-contradição ainda não se firmou. Para o primitivo cada parte é ela mesma e também todo o cosmos que a circunda, assim como para o bebê o seio é também todo o ambiente que o circunda. A parte não representa o todo, mas o apresenta, é o todo imediatamente presente. A identidade do homem primitivo e do bebê não está ainda encerrada na sua subjetividade interior, visto que o interior é o exterior mergulhado no pleroma cósmico. Essa consciência líquida é tão desejada quanto temida por ser vista como uma nostalgia uterina 85. Mas ela é característica não apenas da infância pessoal, mas também da infância cultural, onde a mãe era a personificação pulsante da própria natureza. As duas infâncias são inseparáveis para o inconsciente, que continua mergulhado no pleroma amniótico.

Vivemos uma situação no mínimo curiosa. Conscientemente somos indivíduos separados do todo cósmico, possuindo nosso si-mesmo no interior da nossa subjetividade. Mas essa individualidade que nos é tão particular é o bem que compartilhamos não apenas com outras pessoas, mas também com todo o universo na medida em que cada coisa possui sua identidade encerrada em si-mesma, abstraída de todo o resto. A consciência se especializa em cada parte separadamente, estudando-a pelo que ela é naquele espaço específico. A espacialidade do todo e a especialidade da consciência refletem uma a outra, pois um todo concebido como a soma das partes requer uma consciência empírica cuja característica imanente é conceber cada parte como parte por possuir um espaço próprio, abstraído do espaço particular de todas as outras partes. Essa particularidade é então universal, e assim o líquido amniótico que nos envolve é o mesmo que corta o cordão umbilical que nos liga com o todo, gerando uma situação paradoxal de que ao nos encerramos em nossa interioridade subjetivo-abstrata experenciamos uma participação mística com a cultura cindida a qual pertencemos. A neurose é o sintoma dessa cisão entre universal e particular universalmente compartilhada na contemporaneidade. Por isso nossa época teve de revelar-criar o inconsciente.

 A partir do século XIX tornou-se claro que a auto-identidade do homem consigo mesmo possuía uma contradição interna. O homem não era o mestre em sua própria casa, pois sua mente não era una, mas opunha-se a si-mesma. O que se supunha ser a mais íntima unidade, o eu, revelou-se-criou-se como a atividade de dividir a mente em consciência e inconsciente 86. Através dessa atividade de me tornar um eu unido a mim-mesmo, me torno também um outro que não eu-mesmo, um outro que nega aquilo que afirmo de mim-mesmo e do mundo ao meu redor.

Quando examinamos de perto a sintaxe desse outro que eu-sou-e-que-não-sou, o que aparece é uma outra forma de consciência ainda não cindida pelo princípio da não-contradição. Tal consciência que permeia a infância pessoal e cultural, e vem à tona nas psicoses, nos transes místicos, nas alucinações psicodélicas é o que chamamos inconsciente. O que une todas essa situações tão diferentes é a não submissão ao princípio da não-contradição.

O cogito cartesiano, interpretado fracamente como a origem da subjetividade cindida, foi subvertido por Lacan tornando-se: “sou onde não me penso, e penso onde não sou”. O pensamento clivou-se em um pensamento secundário regido pela lei da não-contradição que governa o princípio de realidade, e um pensamento primário regido pelo princípio do prazer que não conhece o “não”. Para o inconsciente eu-outro, corpo-mente, masculino-feminino, bem-mal, interior-exterior, parte-todo, prazer-desprazer não negam um ao outro. A consciência é em-si-mesma essa unidade que contradiz a si-mesma.

 

Distanciar-se, distinguir-se, limitar-se, isolar-se de um contexto são os atos básicos da consciência. Na verdade, a experimentação como o método científico é um exemplo típico desse processo: quebra-se um vínculo natural e isola-se e analisa-se algo, uma vez que o lema de toda consciência é determinatio est negatio. Diante da tendência do inconsciente de combinar e fundir tudo e dizer a tudo “tat tvam asi” (isto és tu), a réplica decisiva da consciência é dizer: “eu não sou isso” 87.

 

A psicanálise, principal propagandeadora do inconsciente, é também a que mais o teme. Vangloria-se de que ele foi descoberto pelo seu fundador 88, mas nem ele nem a grande maioria dos seus discípulos mergulharam fundo em suas águas 89. O grande insight freudiano de que o inconsciente ignora o princípio da não-contradição não foi levado em consideração pela práxis psicanalítica, pois ela é regida por uma teoria que o aborda através de conceitos fielmente regidos pela não-contradição, a própria lei que o reprime.  A psicanálise é em-si-mesma a sabotagem do seu próprio projeto de defender a importância do inconsciente. Para ela ele é tão vital que a consciência é considerada uma fachada, um disfarce construído para reprimi-lo. Ele é nosso próprio ser (falta-ser ou fala-ser como preferia Lacan), sendo através dele que o conceito de essência, considerado ultrapassado pelo saber contemporâneo, penetra com toda forca na atualidade. O sujeito inconsciente é a sub-stância, a essência verdadeira que está por baixo da aparência, cuja atemporalidade segue a lógica primitiva onde presente e eternidade se misturam 90. O inconsciente é essência que permanece idêntica a si-mesma, atemporal, infantil, imune às aparências acidentais que a consciência assume.

O projeto de coagulação do inconsciente foi claramente enunciado por Freud em uma de suas conferências. “Onde estava o id, ali estará o ego. É uma obra de cultura – não diferente da drenagem do Zilder Zee” 91. Desde então essa tem sido a tarefa da psicanálise, submeter o processo primário ao secundário, drenando sua aquosidade e abrindo novos territórios de conquista para a ego-personalidade solidificar suas construções conceituais. 

A psicanálise é um saber do inconsciente que é regido pela mesma lógica da consciência que o reprime. Se o seu objeto de estudo é toxicamente subversivo, ela, que o estuda, é amplamente popular ocupando papel de destaque na academia e nos hospitais psiquiátricos, lugares cuja característica principal é pôr camisas de força na louca fluidez cósmica que desrespeita as leis da razão científica. A psicanálise é o ato contraditório de revelar o inconsciente ao mesmo tempo em que o reprime tornando-o inacessível para consciência. Ela se refere ao inconsciente com o totalmente Outro, o que é mais exilado, mas é em sua própria lógica o ato de fazê-lo um outro inacessível. A potência homogeinizante do inconsciente é submetida à sintaxe heterogeinizante da consciência que resiste a se deixar permear por ele preferindo estudar apenas seus efeitos de superfície. Sua lógica divisora, psico-analítica, cinde o que o inconsciente insiste em unificar, e mesmo quando ele grita em alto e bom som que é isso e aquilo, ela recusa-se a escutá-lo, interpretando o seu dito como um absurdo já que as coisas ou são isso ou são aquilo. Ela é o ato de nos levar a porta que separa a consciência egóica dos porões da mente e de nos convencer com sua retórica que ela não pode ser aberta sob o risco de uma psicose, sendo mais seguro espiar pelo buraco da fechadura, preservando a sanidade mental e o status quo da razão abstrata. Por isso ela é tão popular, pois permite que se espie do outro lado da porta sem a necessidade de abri-la. Seu status revela a sua comunhão com a mesma lógica analítico-extensiva que reprime o inconsciente. Ela se diz subversiva, mas sua subversão é a mesma e velha brincadeira de papai e mamãe que as crianças espiam pelo buraco da fechadura, que se chocava a sociedade vitoriana hoje em dia virou conversa de bar. Se ela abrisse a porta seria inundada pelo oceano psicótico–primitivo, mas aí não seria mais uma psico-análise. Por isso é mais seguro trancar a sintaxe líquida no interior da subjetividade.

 

***

 

 Jung não teve medo de abrir a porta, algo bastante claro para qualquer um que se debruce sobre conceitos como sincronicidade e inconsciente coletivo. Em seus escritos ele reconhece a importância das duas formas de consciência, mas por se recusar a estudar Hegel não teve acesso à lógica necessária pra expressar a sintaxe de ambas ao mesmo tempo, e por isso ele oscila de uma a outra, ora se expressando como um cientista empírico-naturalista, ora como um místico alquímico.

Jung concebia a psique como um sistema autoregulador. “Por psique entendo a totalidade dos fenômenos psíquicos, tanto da consciência como do inconsciente” 92. O inconsciente compensa a atividade unilateral da consciência egóica. Se uma pessoa é conscientemente introvertida encontrará o inconsciente fora de si, nos outros externos. Se for conscientemente extrovertida o inconsciente se manifestará através de elementos internos à sua personalidade.  Como ninguém é só um o tempo inteiro, o inconsciente é ora externo, ora interno.

Para Jung a fantasia é a ponte que intermedia os contrários. “O terceiro elemento em que os contrastes se encontram é a atividade da fantasia, criadora por uma parte, receptiva por outra” 93. Situando-se no meio dos opostos ela realiza a função transcendente e possibilita o surgimento do si-mesmo.

No entanto, se o indivíduo conseguir reconhecer o inconsciente a modo de fator co-determinante, ao lado, do consciente, vivendo do modo mais amplo possível as exigências conscientes e inconscientes (isto é, instintivas), então o centro de gravidade da personalidade total deslocar-se á. Não persistirá no eu, que é apenas centro da consciência, mas passará para um ponto por assim dizer virtual, entre o consciente e o inconsciente: o si-mesmo (Selbst) 94.

Imagem e psique eram sinônimas para Jung, e poderíamos acrescentar também símbolo e si-mesmo, todos residentes no local que fica no intermédio dos opostos e que tem por função transcende-los.

Imagem não é a reprodução de um objeto externo, mas é uma visão que promana do uso da linguagem poética, sendo antes de tudo uma imagem de fantasia 95. A imagem é o reflexo da totalidade psíquica.

A imagem constitui uma expressão concentrada da situação psíquica total, não apenas dos conteúdos inconsciente ou predominantemente destes. É, sem dúvida, uma expressão de conteúdos inconscientes, mas não de todos, em geral, e apenas daqueles que, no momento, tenham alguma utilidade. Esta utilidade de uma constelação momentânea decorre, por uma parte, da própria atividade do inconsciente e, por outra parte, da situação consciente do momento, que ao mesmo tempo estimula sempre a atividade dos correspondentes materiais subliminares, obstruindo aqueles que não convém. Em semelhante contexto, a imagem será expressão da situação momentânea, tanto consciente como inconsciente. Não se pode, portanto, tentar a sua interpretação partindo-se unicamente da consciência ou da inconsciência, mas baseando-se, outrossim, em suas relações mútuas 96.

            A imagem personifica as relações de afirmação-negativa entre consciente e inconsciente, idéias e coisas, interior e exterior, sujeito e objeto, etc. Ela se diferencia em duas formas contrárias, passiva e ativa. A primeira expressa o inconsciente opondo-se a consciência, enquanto a segunda não os antagoniza, mas os unifica ao expressar a complementaridade entre ambos o sistemas 97. Atividade e passividade são conceitos opostos e por isso as duas formas de fantasia se complementam.

              O inconsciente compensa a consciência, sendo em-si-mesmo o outro interno a ela. O que para consciência é A, para o inconsciente é B, um conteúdo que nega de forma determinada o conteúdo A. O inconsciente funciona como o mundo invertido da consciência. O próprio conceito de inconsciente coletivo é a inversão do conceito de consciência coletiva: em um predomina o intelecto pragmático, no outro a imaginação lúdica, um é lógico-racional, o outro é imaginativo-mítico, um se ocupa do progresso científico do presente para o futuro, o outro é inundado por fantasias míticas que remontam a um passado primevo, um só acredita naquilo que vê e pode conhecer, o outro é uma estrutura vazia e incognoscível. Nenhum é por si só a verdade, mas só é na relação com o outro que o nega e por negá-lo o conserva. No fim de sua vida pensando em sua obra como um todo Jung afirmou que ela enfatizava tudo aquilo que havia sido relegado para as margens pela consciência coletiva.

Na opinião de Jung, seu trabalho proporcionava o que faltava no Ocidente. Em outras ocasiões, ele se expressou com mais veemência a respeito de como fora recebido. Em  1958, disse para Aniela Jaffé que a falta de receptividade demonstrada para seu trabalho não era surpresa, pois sua obra era uma compensação. Tinha dito coisas que ninguém queria ouvir. Diante disso, considerava maravilhoso o tanto de sucesso que seu trabalho tinha conseguido obter, e que não poderia ter esperado mais 98.

 

***

 

Jung trabalhou extensivamente com o conceito heraclitiano de enatiodromia, onde tudo que chega ao seu extremo transforma-se em seu oposto, mas ele não ouviu o que realmente o conceito falava, e temerosamente isolou a psicologia da insana fluidez enantiodrômica. Jung recuou diante do insight que algo é mais extremamente si-mesmo quando é também o seu outro. Ele preferiu se proteger isolando-se desse inquieto si-mesmo na calma paz do meio-termo.

 Neste local estático abstraído de ambos os pólos, ele escapou da dissolução dialética não pagando o preço exigido pela enantiodromia, continuando a pensar os opostos externamente. Mas a enantiodromia exige que a consciência não se abstraia, mas seja ela mesma esse movimento onde cada pólo é absolutamente si-mesmo e por isso também o seu outro. É isso que os chineses tentavam expressar por meio do Tao. O problema é que enquanto o diagrama Yin-Yang for uma imagem, um conteúdo da consciência, ele ainda será estático. A consciência precisa se dissolver nele deixando-o permeá-la, tornando-se una com ele em seu próprio movimento. Quando isso acontece cada pólo se revela-cria como indivisível por doar-se ao seu outro, visto que sua indivisibilidade é em-si a sua doação. Chamemos esse devir de indivi-doação 99, a individualidade absoluta e que por isso é doação absoluta. O si-mesmo não é então uma entidade estática, mas o movimento em que todo algo é em-si-mesmo o seu outro, portanto um outro-em-si.

A psicologia é um novo primitivismo, onde a participação mística é retomada numa forma mais complexa, enriquecida pela negação positivista sofreu, tornando-se absoluta, identidade-na-diferença de si-mesma e do outro que a nega. Por estar negativamente unida ao seu outro não é mais imediata, sensorial, como era para os primitivos, mas noética, psico-lógica, conceitual.

Jung afirmava que a psique é o tertium no datur, por conciliar a oposição entre o intelecto e a coisa através da sua principal atividade, a fantasia. Quando ele afirma que a psique cria realidade todo dia e que o nome dessa realidade é fantasia, não precisamos entender que primeiro existe uma realidade concreta, que contém um ser humano, que contém uma psique em seu interior subjetivo, e que entre uma de suas inúmeras atividades está a de transformar fantasia em realidade. Essa abstração extensiva não consegue captar a inter-relação entre fantasia e realidade. Quando a razão abstrata afirma que algo é fantasia, significa que não é realidade, que é uma criação subjetiva. Quando afirma a realidade de algo, nega que esse algo seja uma fantasia, que pertença à esfera subjetiva do homem. Realidade e fantasia são categorias reflexivas, negam uma à outra de forma absoluta, pois negam a outra pondo-a como externa a si. Mas como são em-si-mesmas essa negação da outra, também negam a identidade abstrata de cada uma consigo mesma. Essa dupla negação é o que torna fantasia e realidade a negação absoluta uma da outra, e por isso a afirmação absoluta uma da outra. Psicologia é a consciência da realidade interna à fantasia e da fantasia interna a qualquer realidade, sendo assim psico-lógica, uma lógica da imaginação.

           

PRINCÍPIO DA COERÊNCIA

As contradições ocorrem o tempo inteiro e só são impossíveis dentro do subcírculo da lógica formal. Se o objeto de estudo for o real em sua totalidade, a contradição não poderá ser expulsa para o reino incognoscível das essências em-si. Na contradição somente um dos pólos deveria sobreviver no embate com o outro. Mas há contradições em que ambos os pólos são verdadeiros se considerados como aspectos parciais do movimento do todo, mas falsos se considerados como reflexos da totalidade. É exatamente aqui que a dialética entra em ação.

O princípio que rege a dialética não é o princípio da não-contradição, mas o princípio da coerência, que nega-conserva o princípio da não-contradição. O princípio da coerência conserva a importância da contradição para razão, mas nega que ela seja aquilo que a impossibilita, pois razão é movida pela contradição, sendo o que ela é em-si-mesma. O princípio da coerência é a identidade-diferenciada de dois outros princípios.

O primeiro é o princípio da identidade, tão básico e fundamental que quase nunca nos damos conta que o estamos utilizando. Ele diz que A é A, e está sendo sempre pressuposto como verdadeiro. O princípio da identidade se divide em três subprincípios 100.

Identidade simples: Quando se diz A ou qualquer outra coisa, está se dizendo uma identidade simples. O A se destaca do seu pano de fundo e aponta para algo de determinado. Mas apesar de apontar e dizer algo determinado não há ainda uma predicação completa visto que sujeito e predicado não foram distinguidos um do outro 101.

Identidade Interativa: O primeiro A se repete tornando-se A e A, podendo se repetir de novo e de novo tornando-se A, A, A. Enquanto a repetição é interativa é repetição do mesmo, não surgindo nada de novo. Mas identidade interativa é a primeira e mais básica forma de multiplicidade, e apesar de ser ainda uma multiplicidade do mesmo, é a partir dela que se inicia o movimento 102.

Identidade reflexa: Começa quando se diz que A é igual a A. Aqui a identidade chega à plenitude, sendo agora possível formular a primeira predicação onde o sujeito é o primeiro A e o predicado o segundo A. Assim surge a tautologia, A = A, a mãe de todas as predicações ulteriores 103.      

O segundo princípio é o princípio da diferença, que começa quando se acrescenta à série de A, A, A, algo que não é apenas a repetição de A. Diferença é tudo que não é A. Essa diferença ainda é indeterminada, abstrata, determinando-se quando o não-A se torna B, C, D e assim por diante 104.

Quando estes dois princípios se encontram três coisas podem acontecer. Um do dois permanece enquanto o outro desaparece. Os dois desaparecem e nada resta. Na terceira opção entra em cena o princípio da coerência, que funciona por meio de uma contradição concreta. Dizer A e não-A anula o dito, nada sobra, a razão silencia e o caos irracional prolifera. Em uma contemporaneidade dominada pela razão instrumental tecno-científica, o irracionalismo caótico é por demais sedutor e se dissemina como formação reativa. Um é o outro-si-mesmo do outro 105.

Mas se esse não-A assume a forma determinada de um B ou C é preciso se deixar permear pelo conflito entre os dois e refletir se o que na aparência é regido por Marte, na essência o é por Vênus. O que na razão analítica é excludente, na razão absoluta é includente. O que em uma paralisa a ação da razão para outra é o combustível do seu movimento. Na dialética a contradição existe, não é impossível, e é através dela que a razão re-flexiona em-si-mesma  se reencontrando no interior do próprio real.

O princípio da coerência é a unidade dos dois princípios que aparentemente se excluem. Identidade é aquilo que não é diferença e diferença é aquilo que não é identidade. O ser de um é o não ser do outro, e por isso o conceito de identidade é a negação do conceito de diferença e o conceito de diferença é a negação do conceito de identidade. Os dois só são coerentes consigo por incluírem na sua afirmação a negação do outro. A identidade do princípio da identidade consigo mesmo só se dá a partir da diferença com o princípio da diferença, assim como a identidade do princípio da diferença consigo mesmo só ocorre a partir da diferença com o princípio da identidade. Identidade contém a diferença em-si e a diferença contém a identidade em-si. Esse é o princípio da coerência, identidade da identidade e da diferença, que é o conceito absoluto, cujas manifestações concretas são o objeto de estudo da dialética.

O devir reflexivo não é só sintetizante, mas também diferenciante, logo coniunctio e separatio são aspectos diferentes de um só e mesmo movimento. O devir que sintetiza ser e não-ser também os diferencia na medida em que torna o conceito vazio de ser cada vez mais determinado em virtude de ser um movimento predicativo. Esse devir não é temporalmente extensivo, vindo do passado ao presente em direção ao futuro, mas aprofundamento total e completo no presente que é efeito e causa do passado e do futuro.

 Esse devir é histórico e por isso não chegamos à antítese de uma tese através de uma manipulação lógico-semântica a priori. No tempo intensivo o passado é presente e precisa ser levado em consideração. É a partir da ação da história na linguagem e da linguagem na história que os opostos se engendram. Não basta simplesmente colocar o “não” na frente de um predicado para engendrar uma verdadeira contradição. Se na lógica analítica basta pôr o não em uma proposição afirmativa para construir uma proposição negativa, o mesmo não ocorre na dialética10 6, pois ela é movimento que procede do ser infinito abstrato para o ser finito, concretizando-se ao dobrar-se na infinitude original. Dizer que o contrário de A é não-A é por demais indeterminado. Uma coisa é A ou é não-A  e assim conjunto A e não-A inclui tudo que existe de forma indeterminada. Afirmar por exemplo que a psicologia é uma disciplina subjetiva e não-subjetiva é jogá-la na indeterminação, afinal tudo que não é subjetivo estaria incluído na psicologia, podendo ser ela uma disciplina matemática, geológica, anatômica, enfim qualquer coisa. Mas se penetrarmos na história da psicologia veremos que subjetividade e objetividade estão em luta, uma se afirmando sobre a outra, e assim atingiremos uma verdadeira oposição, onde cada pólo é rico em conteúdos que se negam mutuamente. Aí teremos a chama necessária para a dialética, visto que cada pólo determina-se porque os seus conteúdos negam os conteúdos do pólo rival, e por isso precisa dele para poder se afirmar. Na contradição entre subjetividade e objetividade há uma dialética concreta em ação.

Esta unidade que inclui a diferença em-si é a mysterium coniunctionis, a separação e síntese dos compostos que tanto fascinou os alquimistas e Jung depois deles. Esta unidade negativa não é visível ao primeiro olhar. Apenas através da intensidade reflexiva da oposição que constitui a prima matéria, é que o conceito é revelado-criado. No começo ele é apenas uma onda indeterminada de possibilidades, mas que se coagula numa experiência particular no momento que o estudioso abre todo o seu ser para receber o seu objeto de estudo. Como o ser total do estudioso está envolvido no processo de conhecer, o conceito contém a identidade negativa do estudioso e do seu objeto de estudo, sendo assim um conceito subjetivo-objetivo.

Esse processo não é restrito à subjetividade privada do homem, mas é virtualmente presente em qualquer parte do real. Apenas a sensibilidade reflexiva do estudioso dirá se ele está ou não diante de um processo dialético. Mas qualquer processo só é dialético se incluir a subjetividade do estudioso, pois necessita dele para ser o que é. “O que a natureza deixou incompleta, a arte aperfeiçoa”. Esse dito alquímico transparece que a natureza só é natureza para o homem, visto que ninguém mais tem um conceito de natureza. Mas por ser natureza apenas para o homem, ele é em sua própria natureza contra naturam.

Sem a oposição entre observador e observado não há a tensão necessária para dialética porque ela é a suprassunção dessa oposição. Portanto supor um real em-si incognoscível para o homem é para dialética um nonsense, visto que o real só é real para o homem e ninguém mais. É através do processo humano de conhecer o real que o real conhece a si mesmo, pois o real só é para o homem e por isso o inclui. O homem só conhece a si mesmo conhecendo o real de que faz parte, pois só é homem enquanto parte desse real.

Na linguagem mítico-religiosa esse processo é a encarnação humana de Deus, sua crucificação e o retorno a si através da transubstanciação da carne. Na linguagem do conceito é o infinito que se faz infinito ao finitizar-se, e o finito que se faz finito ao refletir a infinitude que lhe é interna. Como o infinito contém o finito como um momento do seu devir, sua finitização é o movimento de interiorização em-si-mesmo e só assim ele é infinito. Deus só é infinito ao se finitizar, ao se fazer homem, e o homem só é realmente homem ao ser Deus encarnado. Dialética é nada mais, mas nada menos do que isso.

 

ESSÊNCIA

Kant criticou a pretensão da metafísica de conhecer a coisa-em-si, o que o levou a cindir o real em dois mundos, sendo um deles incognoscível a razão. Mas a revolução copernicana da razão se assemelha a um eclipse que obscurece a visão racional do verdadeiro real, o real infinito, onde todo e qualquer ser tem o seu fundamento. Para o entendimento, a essência do ser, o que ele é em-si-mesmo, seu nôumeno, se oculta por trás da sua aparência, do seu fenômeno. Entre os dois não há continuidade, um se opõe ao outro, o que um “é” é o que o outro “não é”, ou seja, o ser da essência é o não-ser da aparência. A aparência contém em seu próprio ser o não-ser da essência, sendo em sua mais íntima identidade a negação da essência, e assim é o que é porque o outro é, porque se a essência não fosse essência, a aparência não seria aparência. Por isso as duas não são puramente exteriores, visto que ao se determinarem mutuamente fluem uma na outra, sendo o outro interno uma da outra, porque dependem uma da outra para serem o que são em sua verdade. Sendo a aparência a verdade da essência, ela é em sua verdade a aparência da essência, ou aparência-essente, enquanto a essência, sendo em sua verdade a verdade da aparência, é essência que aparece, ou essencial-aparecer.

Projetar a essência do objeto no além é a contraparte objetiva da reserva que o sujeito mantém no processo de conhecer. Se a essência do objeto está fora, a essência do sujeito também está porque a essência dos dois é o infinito enquanto conceito, identidade negativa do conhecedor e do conhecido. Proibir o conhecimento da essência do objeto de estudo é uma forma de proteger o conhecedor da própria atividade de conhecer, pois sendo ele e o objeto seres totalmente distintos não há necessidade de o conhecedor implicar-se no processo, podendo manter-se confortavelmente seguro, afinal o conhecimento é apenas uma ferramenta que se utiliza e depois se dispensa. Mas para a psicologia o objeto de estudo, qualquer que seja, só é acessível através das reações subjetivas mobilizadas no conhecedor durante o processo de conhecer. O próprio objeto de estudo é afetado pela atividade de conhecer, sendo essa reciprocidade entre afetar e ser afetado intrínseca ao conhecer. Por isso o objeto em-si-mesmo não está além do conhecimento, mas se constitui no próprio processo de ser conhecido.

O saber absoluto não exclui a subjetividade, dissociando o conhecedor do processo de conhecer, mas o inclui como um ingrediente vital da sua alquimia. Como uma psico-lógica, uma lógica da imagem, a dialética não busca a verdade do fenômeno fora dele, pois o saber absoluto é a verdade interna à imagem, independente dessa imagem ser fato ou ficção. Ela difere do positivismo que busca a verdade na correspondência entre o saber e os fatos externos ao qual ele se refere. Por isso os mitos são absurdos para o conhecimento contemporâneo, pois ele é dominado pelo empirismo positivista que só vê verdade nos fatos externos, sendo por isso cego à verdade profunda que habita a essência das narrativas míticas.

Para o positivismo uma afirmação é verdadeira ou falsa, enquanto que a psicologia busca a verdade absoluta, que se re-vela mesmo nos mais loucos delírios. Depois do estruturalismo e do pós-estruralismo não se pode ter a ingenuidade de afirmar que a linguagem meramente constata um mundo que existe fora dela. A linguagem enquanto expressão da consciência também reconstrói o mundo no ato mesmo de dizê-lo. A linguagem é a unidade negativa de enunciados constatativos, que transmitem um significado externo, e enunciados peformativos, que realizam algo no ato de enuciá-lo 107. Desse modo a verdade não pode ser reduzida à pura revelação, pois também é criação e é isso que a faz absoluta, unidade da unidade e da separação entre fato e criação. A verdade da imagem é uma das grandes contribuições de Jung para o saber contemporâneo, e é só a partir da oposição entre imaginação e realidade que é possível fazer dialética, pois a atividade psicológica é o suprassumir dessa oposição. “Somos feitos da matéria dos sonhos” é uma das grandes frases de Shakespeare cuja importância psicológica não pode jamais ser diminuída.

A verdade do fenômeno não está simplesmente dada para qualquer um que o observe. É preciso refleti-lo em-si-mesmo, e isso ocorre apenas se doamos nosso ser ao devir autopoiético que Jung chamou de psique. A essência da psique não está inacessível num além da consciência, pois esse além é a relação da consciência com a sombra da sua própria luz, com uma segunda consciência que se presentifica na ausência da primeira, denominada in-consciente.

A verdade da imagem não está numa essência além dela, porque ela é si-mesma apenas a partir da negação-afirmativa de um outro. Uma luz só é visível quando atinge uma superfície e é refletida de volta a sua fonte, e esse brilho que sai de si e volta a si é a essência refletindo-se na aparência, que se determina como imagem específica ao negar uma outra imagem. Sua diferença não é uma diferença abstrata, indiferente a sua diferença, mas uma diferença relacional, que se faz na interação com outras aparências, cujas relações que as diferenciam são a identidade absoluta de cada uma consigo mesma. Essa identidade é a essência da imagem, que é o conceito, que é a relação de afirmação-negativa que perpassa a historia de todo e qualquer ser fazendo-o devir.

 

***

 

Sendo Deus a essência infinita pode ele ser conhecido? Segundo a teologia negativa não, pois Deus só se define por aquilo que ele não é. Mas vimos que a coisa-em-si ao não ser nada se presentifica em tudo, sendo a verdade interna de todo e qualquer ser. Nesse ponto opera-se uma torção no kantismo, que se levado ao seu extremo, transforma-se no panteísmo de Espinosa, onde Deus e o mundo como um todo são uma única e só substância. A epistemologia crítica de Kant é uma filosofia cujo núcleo é a fixação da razão no mundo imanente do fenômeno, mas esse núcleo, se deixado livre para se desenvolver ao seu ponto máximo, irá se converter no contrário de si-mesmo, um panteísmo (pan = tudo, teo = deus, deus é tudo). Mas Deus, o infinito, não é apenas a soma das suas partes, assim como uma pessoa não é apenas a soma das suas partes corporais mesmo que não seja o que é sem elas. Uma pessoa tem um corpo e não pode ser o que é sem ele, porém ela não é redutível a uma descrição do seu corpo. Deus é implícito como a essência do mundo natural–cultural, que é transfigurado quando revelado em sua verdade como determinação da essência infinita. Deus é imanente ao mundo, porém é mais do que a soma das partes do mundo 108. Por ser mais do que a simples soma das partes, o infinito só pode ser abordado por meio da dialética do conceito, onde ele é ele mesmo e o outro finito que é um momento seu.

Assim o conceito de infinito, o que o infinito é, o ser infinito, só é em relação a um ser finito que o determina. Por isso a criação do mundo por Deus não é um mero capricho da sua parte, um ato arbitrário que poderia ou não ter acontecido de acordo com sua vontade onipotente, mas um ato necessário para Deus ser o que é. Sem um mundo imanente criado para refleti-lo Deus não seria Deus. Cristo é o momento culminante da encarnação, onde Deus reflete-se não apenas na natureza, mas na cultura humana, sendo assim unidade autocontrária da natureza e cultura. Deus precisa de nós para tornar-se consciente.

 Mas se nós, ego-personalidades, somos em nosso conceito determinações do infinito, então ao fazermos do infinito o fundamento psicológico do conhecer, o que fazemos na verdade é dissolver o ser que somos na essência infinita. Não somos nós, enquanto ego-personalidades, que conhecemos o infinito, mas o infinito em nós conhece a si mesmo através de nós. Tudo que é e devém, toda determinação é, em seu conceito, a predicação da essência infinita. O infinito, enquanto verdadeiramente infinito, não possui nada fora de si. Tudo que é, o é graças a sua determinação, e se o infinito não possui nada fora de si, quando tentamos conhecê-lo, nosso mundo vira de ponta cabeça e aquilo que buscávamos revela-se como estando presente desde o início. A busca do infinito é a revelação de que somos o que somos porque os predicados que nos determinam são momentos no processo de autopredicação do infinito. Conhecer o infinito não é um processo linear, mas circular onde nós, seres finitos, ao tornarmo-nos conscientes que somos em nosso conceito aparências da essência, realizamos o movimento de retorno do infinito a si-mesmo. O infinito deixa de ser indefinido, visto estar enriquecido pelas determinações que assumiu, sendo agora um infinito internamente diferenciado. Nesse movimento a existência torna-se conceitual e o conceito torna-se existente quando o infinito retorna a si-mesmo após percorrer uma jornada de predicação no mundo natural-cultural, revelando-se como espírito absoluto que por não ter nada fora de si é sujeito e objeto do conhecimento, e sua consciência é autoconsciência que acontece em nós e através de nós.

A consciência de Deus não é onisciência e longe de ser algo misteriosamente inapreensível, em sua verdade é nada mais, mas nada menos do que lógica dialética. A narrativa religiosa, baseada no pensamento sensorial da representação, personifica o que é em essência um processo dialético, e por isso não compreende a identidade da identidade e da diferença de Deus e sua criação. Mas se o espírito santo não for abordado como uma entidade literal, mas como movimento, então a encarnação não foi um evento que aconteceu apenas uma única vez há dois mil anos no oriente médio, mas acontece sempre que alguém assume para si a tarefa de refletir a psicológica do seu estar no mundo.

Como o Espírito Santo representa a terceira pessoa da Trindade e como Deus está presente por inteiro em cada uma das três pessoas, a inabitação do Espírito Santo nada mais é do que uma aproximação do crente ao “status” de filho de Deus.(...) A encarnação de Deus em Cristo precisava ser continuada e complementada, pelo fato de Cristo não ser um homem empírico devido à sua partenogênese e impecabilidade; (...) Este ato de expiação foi realizado pelo Paráclito, pois Deus deve sofrer no homem, da mesma forma que o homem em Deus. Fora disso não há qualquer forma de “reconciliação” entre as duas partes. A ação contínua e direta do Espírito Santo sobre os homens convocados à condição de filhos de Deus é, de fato, uma encarnação que se realiza permanentemente. Enquanto filho gerado por Deus, Cristo é o primogênito ao qual se seguirá um grande número de irmãos nascidos depois dele109.

 A reflexão psicológica é descoberta-criação de que Deus não é uma entidade abstrata que vive no além do mundo, e que seu ser não é uma unidade abstrata consigo mesmo, mas que ele é interno a tudo que é e devém, pois tudo que é só o é através da relação de movimento com aquilo que não é.

Tudo “é” alguma coisa e por isso tudo pode ser objeto de estudo da psicologia. Sonhos, fantasias, emoções, desejos, não são verdadeiros objetos de estudo enquanto forem vistos em sua positividade, como entidades que existem em si e por si mesmas, abstraídas da totalidade que as permeia. As experiências íntimas dos pacientes tornam-se assuntos da psicologia a partir do momento que são refletidas em-si-mesmas tornando-se não mais propriedades privadas daquele paciente específico, mas particularizações do ser infinito através do devir-vida daquele paciente. Assim como nenhum metal pode ser transformado em ouro se não retornar a prima matéria, as experiências dos pacientes, as descobertas da física quântica, as questões políticas, o progresso tecnológico, tudo só se torna ouro psicológico quando dissolvido na prima matéria que lhe serve de fundo, o ser infinito.

Essa matéria está diante está diante dos olhos de todos; todas as pessoas a vêem, tocam, amam, mas não a conhecem. Ela é gloriosa e vil, preciosa e insignificante, e é encontrada em toda parte ... Para resumir, nossa Matéria tem tantos nomes quantas são as coisas do mundo; eis porque o tolo não a conhece. No tocante à Matéria, ela é uma e contém em si todo o necessário. [...] Da mesma maneira, escreve Arnoldo de Villa Nova, em seu “Flower of Flowers”: “Nossa pedra é feita de uma só coisa, e com uma só coisa.” Com mesmo sentido, diz ele ao rei de Nápoles: “Tudo o que se encontra em nossa pedra lhe é essencial, não precisando ela de nenhum ingrediente que lhe seja estranho. Sua natureza é uma só e ele é uma só coisa.” E afirma Rosino: “Cumpre saberes que o objeto do teu desejo é uma só coisa, da qual são feitas todas as coisas” 110.

 

A matéria prima é uma só, contendo em si tudo que é necessário, tendo tantos nomes quanto são as coisas do mundo. A matéria prima é Mercúrio, o espírito divino na natureza, o ser em sua finita-infinitude.

O principal mérito da abordagem dialética é que ela pode começar em qualquer lugar e com qualquer coisa. O ponto de partida pode ser uma afirmação uma idéia uma asserção, um sonho, um texto ou documento. A única condição a isso é que tem que ser um assunto real e urgente no qual se trabalha conscientemente com dedicação irrestrita, suprassumindo-a desde princípio (...) A advertência de Jung – “acima de tudo, não deixe nada de fora, que não pertença, compreenda por dentro” – pode sugerir algum tipo de encerramento defensivo. Na sua resenha da autobiografia de Jung, Winnicott abjetou o fechamento que ele sentiu estar implicado no interesse de Jung por Mandalas. Algo da mesma ordem pode ser suspeitado aqui – um medo de contaminação ou de penetração talvez. Mas isso seria interpretar Jung fracamente. Compreendida profundamente a retórica acauteladora é uma exposição negativa da idéia de inclusão. Seguindo o movimento dialético inerente a esta afirmação, podemos dizer que nada de fora pode entrar, não porque e deixado de fora, mas porque a distinção entre exterior e interior foi superada. A prima matéria “é uma e contém em si mesma tudo que é necessário”. Esta concepção, esta atitude, é em si mesma a retorta ou vas alquímico. Diferente de um vaso de vidro real, que possui um interior delimitado, positivo que contém apenas aqueles conteúdos que literalmente colocamos dentro dele, o vaso nocional que indicativo da psicologia é constituído pelo nosso pensar em cada caso a unidade da prima matéria ou matéria disponível na luz dos seus diferentes momentos (...) A identidade da identidade e da não-identidade é ao mesmo tempo a definição da prima matéria e da pedra filosofal, tanto do começo quanto do fim. A formulação final de como a verdade é constituída de acordo com a filosofia hegeliana, é também o brinquedo da criança 111. 

      

 O interior psicológico é interior absoluto, relacional, unidade autocontraditória de interior e exterior, e por isso a psicologia não pode ser empírica já que não possui seu objeto fora de si. Ela é a identidade da identidade entre ela mesma e o seu objeto de estudo, uma consciência interiorizada em-si-mesma, no conceito que é sua essência. Portanto o psicólogo não é uma pessoa literal, uma ego-personalidade, mas qualquer um que mergulha sem reservas no devir interiorizante que é a psicologia.

  Qualquer estudo psicológico começa com o aprofundamento da consciência egóica em-si-mesma, nas reações despertadas pelo objeto estudado, seja um paciente, um mito, ou um texto literário.  Isso se dá porque nem o psicólogo nem o objeto de estudo são os sujeitos do conhecimento, pois o sujeito é o próprio conhecer enquanto identidade-diferenciada entre a ego-personalidade do psicólogo e o objeto conhecido. A doação total e completa do estudioso ao objeto estudado é autoconhecimento absoluto, porque não só o estudioso intensifica sua consciência através das reações mobilizadas pela relação com o objeto estudado, como o ser infinito, conhece a si mesmo visto que é a identidade negativa entre conhecedor e conhecido.

 O objeto de estudo da psicologia é então o mesmo da teologia, Deus. Mas também é o mesmo objeto de estudo das ciências empíricas, o mundo imanente. A razão abstrata considera que se o relacionamento do homem é com Deus, esse relacionamento se dá através da fé, sendo o conhecimento excluído por ser inadequado na interação com o absoluto. Se a relação do homem se dá com o mundo finito, então ela deve acontecer através do conhecimento empírico porque ele é a melhor forma de revelar as causas ocultas do mundo, excluindo assim a fé por ela ser inadequada na interação com a finitude. Mas se Deus é realmente infinito ele não está fora desse mundo senão teríamos dois finitos, um limitado pelo outro. Portanto esse mundo é o infinito encarnado, diferenciado nas multiplicidades finitas que o compõe. Mas essa identidade entre Deus e o mundo não está dada assim às claras, necessitando de intensa reflexão, já que só através dela o sujeito finito participa do processo. Só assim a identidade absoluta é revelada-criada, e Deus conhece a si-mesmo como idêntico a si-mesmo naquilo que é diferente de si-mesmo, o mundo. Essa reflexão não é apenas subjetiva, pois cria-revela a interioridade constituitiva do mundo, e como essa interioridade se manifesta através da subjetividade do observador externo, ela é uma interior-exterioridade e uma subjetiva-objetividade. O objeto de estudo da psicologia é então Deus propriamente dito, pois todos os finitos que são potencialmente objetos de estudo só o são por serem realmente finitos, significando que são momentos do real infinito e assim sendo sua imanência está na capacidade de transcenderem a si-mesmos no devir absoluto.

Neste conhecer que é o autoconhecer de Deus, o mundo é divinizado e Deus é mundaneizado. Se ao refletir dialeticamente sobre Deus o homem diviniza-se e Deus humaniza-se, então a encarnação não é um evento que ocorreu apenas uma vez há dois mil anos, mas ocorre toda vez que qualquer um se aventura no trabalho do conceito, realizando em todo o seu ser esse conhecimento absoluto que é a psicologia. A encarnação é assim desmistificada e disseminada, pois a mediação do homem com Deus é transferida das mãos da igreja para a potência reflexiva do pensamento. Convocado ou não Deus está sempre presente porque ele não é uma entidade situada no além-mundo, mas o devir trans-imanente que é este mundo. Por isso a fé não é a melhor via de acesso a Deus, pois ela segue a mesma lógica extensiva do empirismo, cuja essência consiste na expulsão de Deus para o além-mundo das essências incognoscíveis. Somente o pensamento que não hesita mergulhar nas profundezas do seu objeto de estudo em busca do espírito mercurial que ali se esconde e interioriza esse objeto em sua própria essência, no conceito que o fundamenta, é capaz de refletir a infinidade interna a qualquer finitude.

 

PENSAMENTO ABSOLUTO

Quando transgredimos a proibição kantiana de conhecer a coisa-em-si descobrimos que ela era a abstração de toda e qualquer determinação e que por isso longe de ser aquilo que fica de fora do conhecimento, ela é o fundamento do próprio processo de conhecer. Ao não pressupor nada de determinado, esse conhecimento é verdadeiramente crítico, capaz de por tudo em dúvida. Mas ao não pressupor nada, ele também está pressupondo tudo que pode vir a ser algo, que aparece ou pode vir a aparecer. Assim a coisa-em-si, esse nada que é tudo, não é inapreensível ao pensamento, mas é o pensamento em sua forma pura. A coisa-em-si, a coisa abstraída de todas as suas determinações, é idêntica ao pensamento puro, abstraído de todas as suas determinações, por isso o pensamento que tenta apreendê-la apreende na verdade a si-mesmo, ou seja, o pensamento ao tentar atingir o infinito, dobra sobre si interiorizando a si-mesmo, tornando-se pensamento puro, pensamento que tem por objeto ele mesmo. O pensamento absoluto, que pensa a coisa-em-si-mesma, é pensamento que pensa a essência interna a toda e qualquer coisa, que pensa toda e qualquer coisa como sendo em sua essência interna, puro pensamento. Pensamento absoluto é Deus que reflete a si-mesmo em todo e qualquer ser-determinado, seja natural ou cultural.

Esse pensamento não pode ser reduzido à função pensamento, pois essa função é apenas uma das suas múltiplas determinações, um momento do seu movimento. Mesmo a função sentimento possui a sua lógica interna, que é ser o não-ser da função pensamento. Enquanto a função pensamento ordena os conteúdos da consciência em conceitos, a função sentimento os ordena segundo seu valor. Uma sem a outra é unilateralmente neurótica. Na dialética o pensar absoluto busca a essência conceitual daqueles conteúdos que possuem um intenso valor para a consciência. Sem a função sentimento seria impossível avaliar a importância dos conteúdos, fazendo do pensar uma indiferença aos conteúdos estudados. Esse pensamento indiferente não é absoluto, mas o pensamento abstrato da lógica formal, que foi o que Jung definiu como função pensamento. 

O mesmo vale para função intuição e para função sensação. Sem a coesão imediata oferecida pela intuição, não haveria nenhuma totalidade sobre a qual pensar. É graças ao poder de combinar diversas percepções numa imagem total, que a psicologia torna-se possível. Como a intuição é o outro interno da sensação, sem a percepção dos detalhes que formam o todo apresentado pela intuição, teríamos nas mãos apenas uma totalidade abstrata, indiferente às partes que a compõe, que fazem dela o que ela é. Assim o pensamento absoluto é a quinta-essência das quatro funções 112, a lógica interna que faz de uma a diferença da outra.

Esse pensamento também é interno a todo e qualquer sintoma, afeto e imagem 113. Todos eles são implicitamente pensamento, pois possuem uma essência que os determina como uma contradição interna à sua identidade. Assim como na geometria duas retas paralelas se unem no infinito, a unidade dos opostos só é possível no infinito se ele for abordado não como um infinito positivista, mas como um infinito lógico dialético, psicológico. Nesse infinito o que uma coisa é em-si-mesma é o que o pensamento é em-si-mesmo. Ele é idêntico ao conceito enquanto identidade da identidade e da diferença, e por isso não é o pensar subjetivo, um conteúdo interno a consciência, mas é a consciência no próprio movimento que a constitui. Esse pensamento capaz de por tudo em dúvida, que se inicia do duvidar de toda e qualquer verdade estabelecida é o pensamento interiorizado em-si-mesmo, pois pode duvidar de tudo menos de si, pois o ato de por em dúvida esse pensamento é outro pensamento, que ao duvidar de si é outro pensamento e assim ao infinito 114, ou seja, o infinito, em sua verdade, é o pensamento interiorizado em-si-mesmo. Mas se o infinito é o que uma coisa é em-si-mesma, a essência de toda e qualquer coisa, o que na linguagem mítico-religiosa recebe o nome de Deus, então Deus é pensamento que ao se interiorizar, descobre-se como sendo interno a toda e qualquer coisa.

            Agora podemos fazer uma interpretação forte do cogito cartesiano: “penso logo sou”. Esse pensamento duvida de tudo, mas não regride infinitamente buscando um fundamento do fundamento do fundamento, porque não procura um fundamento positivista-empírico, mas um fundamento absoluto que é o verdadeiro infinito, que é Deus, que é o pensamento, que é essência que se fundamenta na existência através do conceito 115.

 Qualquer busca empírica de Deus está fadada ao fracasso, pois o positivismo que fundamenta a atitude empírica só funciona se Deus estiver ausente desde o início. O positivismo é a expulsão de Deus para um além do mundo de forma que ele não atrapalhe o funcionamento da ciência. Se ela não consegue captar Deus através de algum instrumento tecnológico conclui não que ele está morto, mas que na verdade nunca existiu. Deus não possui uma existência literalmente empírica, mas existe enquanto conceito, como algo que não pode ser visto ou imaginado apenas experenciado através do pensamento que é a sua autorevelação-criação . Mas esse tipo de existência é insatisfatória para o crente que busca um Deus onisciente, que tem todas as respostas para as dores e sofrimentos da sua vida, que quando encontrado trará paz e felicidade eterna. Se ele descobrir que Deus é no fundo inconsciente e que sua autoconsciência é um processo que acontece em nós provocando dor e sofrimento, pois nos força desidentificar-se com tudo aquilo que acreditávamos ser e a reconhecer que muito do que excluíamos de nós é psicologicamente interno ao ser que somos, ele ficará tão desapontado que clamará em alto e bom som que tudo isso não passa de um monte de palavras vazias, que Deus tudo sabe e estará no céu nos esperando de braços abertos quando morrermos. Tal Deus definitivamente não pertence a este mundo.

Hás duas frases que são significativas no confronto com as posições do crente e do positivista acerca do ser divino. A primeira diz: “Vocatus atque non vocatus, Deus aderit”. Era uma frase de Desiderius Erasmus que Jung mandou gravar na pedra por cima da entrada da sua casa, e afirmava que “convocado ou não, Deus está sempre presente” 116.

 A lógica positivista intrínseca ao empirismo está certa ao afirmar que Deus nunca existiu, pois ele nunca foi ou vai ser uma coisa literal. Não há uma entidade que primeiro existiu e depois resolveu criar o céu e a terra, eu e você. O positivismo para por aí, esse é o seu horizonte lógico, a barreira que o impede de transgredir o seu empirismo e conhecer a coisa-em-si. Ultrapassar essa barreira exigiria a suprassunção da cisão sujeito-objeto, mas o positivismo como positivismo precisa observar seu objeto de fora, ser imune a ele. Dissolver essa distância seria dissolver a si-mesmo como positivismo.

A observação externa é conditio sine qua non para neutralidade do conhecedor de modo que sua subjetividade não interfira no objeto de conhecimento. Mas essa neutralidade esconde uma vontade de poder, uma necessidade de se impor sobre o objeto, de controlá-lo, pois positivismo cinde seu processo de conhecer em dois momentos contrários. No primeiro momento o observador interfere o mínimo possível sobre o seu objeto, tanto um como o outro são imunizados um contra o outro. O segundo momento, usualmente considerado externo ao conhecer, é o controle total sobre o objeto que agora está a serviço do desejo por dinheiro, poder e status do conhecedor. Longe de ser externa ao processo de conhecimento positivista, a vontade de poder está lá desde o início, sendo sua motivação básica. No positivismo o saber neutro sobre o objeto anda de mãos dadas com a utilização desse objeto para fins de enriquecimento. Não há nenhum interesse no objeto por si mesmo, pois ele é objeto de interesse apenas se tiver alguma utilidade monetária. “O que eu posso ganhar com isso?” é a pergunta básica que o observador externo faz no processo de conhecer. Observar externamente e controlar o objeto observado não são duas atitudes independentes, mas pré-condições uma da outra. Só através da observação externa, que mantém o sujeito isolado, é possível submeter o observado a sua vontade e ele só pode utilizá-lo para os fins que deseja caso se mantenha a distância, se o observado for um outro totalmente abstraído do que o ele é. Ambas as atitudes são momentos do mesmo movimento autocontrário.

Para esse tipo de lógica encontrar Deus é impossível, pois o encontro com o absoluto opera uma revolução da consciência 117, onde o que antes era o objeto buscado pelo sujeito do conhecimento torna-se, durante a busca, o sujeito do próprio conhecimento que busca conhecer a si-mesmo através de nós. Deus não é o primeiro motor imóvel aristotélico, que rege o movimento do universo porque é em-si-mesmo pura imobilidade, visto que Deus para ser Deus precisa se fazer Deus através do constante movimento de suprassumir toda e qualquer negação, e como a negação jamais é eliminada por completo do processo de conhecer, a eternidade de Deus é o seu eterno movimento de fazer a si-mesmo. Por isso ele não é o movente imóvel, mas o automovente.

 Somente quando o infinito é sujeito e objeto do conhecimento, é que a síntese torna-se o processo de re-conhecimento da identidade profunda entre tese e antítese. O que olhado de fora parece conflito, por dentro é uma identidade não mais abstrata e ingênua, mas identidade absoluta, identidade da identidade e da diferença. Esse é o trabalho do conceito que suprassume toda e qualquer oposição ao revelar-criar a razão interna que a move, o infinito absoluto que se autodetermina nesse suprassumir. O movimento de buscar-criar o rizoma profundo que une os opostos eleva-nos a um nível maior de complexidade, pois ao aprofundarmos o saber acerca de um ser esse saber se complexifica.  No mundo invertido do conceito aprofundamento e elevação são duas faces da mesma moeda.

 

***

 

A segunda frase foi a resposta que Jung deu a pergunta do repórter da BBC John Freeman em uma entrevista no ano de  1959. Quando perguntado se acreditava em Deus, Jung respondeu: “Eu sei, não preciso acreditar”. O contato de Jung com a religião ocorreu na sua mais tenra infância através do seu pai, que era pastor protestante. Ele ministrou pessoalmente as aulas de religião quando o pequeno Jung se preparava para a crisma. Um tema particular fascinou o jovem Jung em seus estudos.

(...) meu pai ministrava-me pessoalmente aulas de religião, a fim de preparar-me para a crisma e isto me aborrecia. Certa vez, folheando o catecismo em busca de algo diferente das explanações sentimentais, incompreensíveis e desinteressantes acerca do “Senhor Jesus”, deparei com o parágrafo referente à trindade de Deus. Fiquei vivamente interessado: uma unidade que ao mesmo tempo é uma “trindade”! A contradição interna deste problema cativou-me. Esperei com impaciência o momento em que deveríamos abordar essa questão. Quando chegamos a ela, porém, meu pai disse: “Chegarmos agora à Trindade, mas vamos passar por alto este problema pois, para dizer a verdade, não a compreendo de modo algum.” Por um lado admirei sua sinceridade, mas por outro fiquei extremamente decepcionado e pensei: “ah, então é assim! Eles nada sabem disso e não refletem! Como poderei abordar esses temas?” 118

Ao estender suas perguntas a outros crentes, estes pareciam estupefatos, e sua pergunta  não encontrava qualquer eco de resposta. Jung comeu o pão que era o corpo de Cristo e o vinho que era o seu sangue, mas o desfecho foi de uma extrema decepção.

Chegou então a minha vez. Comi o pão: era insípido, como esperava. Tomei um pequeno gole de vinho, ácido e não dos melhores. Depois, fizemos a prece final e todos saíram, nem oprimidos, nem alegres, e seus rostos pareciam dizer: “Ufa, acabou-se!” (...) Só pouco a pouco, durante os dias que se seguiram, emergiu a idéia: nada acontecera! Atingira, entretanto, o apogeu da iniciação religiosa, da qual esperava algo de inédito - sem saber ao certo o quê – mas nada acontecera! 119

Quando ia almoçar na casa do seu tio Samuel Gottlob o resultado não era diferente, pois mesmo que lá ocorressem diversas conversas intelectuais sobre questões teológicas elas sempre resultavam na discordância entre intelecto e crença.

Todas as terças-feiras esperava-se que ele almoçasse à mesa de seu tio Samuel Gottlob, na elegante reitoria de Santo Albano. (...) No início o rapaz gostava desses almoços, porque os homens se envolviam em conversas intelectuais. Carl, que lamentava que essas conversas raramente ocorressem em sua própria casa, porque elas sempre resultavam em discordância entre intelecto versus crença, logo se deu conta de que seu tio e primos eram apenas versões mais agradáveis do seu próprio pai. A fé cega reinava na casa do reverendo Samuel Gottlob Preiswwerk do mesmo modo que na do reverendo Paul Jung. Do ponto de vista de Carl, os dois pastores usavam as empedernidas formalidades e os rituais do credo que compartilhavam como um tampão de resguardo contra qualquer possibilidade de encontrar as incertezas da experiência de Deus na vida própria de um indivíduo. Não importa o quanto Carl tentasse levar o discurso para casa, nas duas residências ele parava antes de se desviar da segurança do dogma aceito para o reino do questionamento religioso 120.

            Essa dúvida foi um poderoso combustível para Jung na construção da sua práxis psicológica. Para ele crer não era suficiente, saber Deus era o que importava. Na atualidade a dicotomia entre saber e fé continua viva e mesmo um dos mais poderosos argumentos contra a existência de um Deus criador da natureza, a teoria evolucionista de Darwin, possui sua versão teológica, o criacionismo, que explora as lacunas do conhecimento científico afirmando que ali está Deus.

            A posição de Jung nesse debate é curiosa. Seguindo os passos de Kant ele cindiu a dinvidade em um Deus interior ao homem, chamado por ele de si-mesmo, que é objeto de estudo da psicologia, e um Deus-em-si, deixado nas mãos da metafísica e da teologia. Em uma carta escrita no penúltimo ano da sua vida Jung afirma a Eugene Rolfe que o acesso a Deus mesmo é a questão definitiva 121. Mas não é de Deus propriamente dito que Jung parece ter se ocupado durante longos anos, mas sua versão psíquica. Mesmo que tenha mergulhado diretamente na palavra oficial de Deus, a Bíblia, e que tenha lido as mesmas fontes de diversos estudiosos que se ocupam diretamente do absoluto, Jung continuou a repetir o mesmo comportamento que tanto criticava, dicotomizando o objeto da fé e do saber. Por mais que mergulhasse em estudos religiosos, por mais que se questionasse existencialmente sobre a natureza de Deus, ela continuou inacessível para ele, oculta no reino em-si das essências.

O problema reside na base filosófica kantiana, cuja cisão entre nôumeno e fenômeno entra na psicologia através da oposição entre o arquétipo-em-si incognoscível e imagem arquetípica que o personifica para a consciência. Para Kant qualquer julgamento,qualquer pensamento dividia-se em dois tipos básicos: analítico e sintético. Nos julgamentos analíticos o predicado explicita aquilo que já estava implícito no conceito, enquanto nos juízos sintéticos os predicados acrescentam um informação nova, além daquilo que estava implicado no conceito. “Todos os corpos são extensos”, é um pensamento analítico, pois é impossível conceber um corpo que não possua extensão, que não seja tridimensional. Mas se afirmo que “alguns corpos são pesados”, acrescento uma informação nova que vai além daquilo que está implicado na noção de corpo, visto que há corpos com pouco ou nenhum peso, como os corpos geométricos 122.

            Esses dois tipos de pensamento por sua vez se dividem em a priori e a posteriori, constituindo assim todas as possibilidades do pensar. Uma afirmação possui um caráter a priori quando o que é pensado possui um estatuto de necessidade de tal forma que nega-lo seria uma contradição em termos. Os conhecimentos a priori não são empíricos, independem das impressões sensoriais. Já os julgamentos a posteriori consistem em descrições empíricas, baseadas em descrições particulares ou impressões sensoriais. O resultado são três formas de pensamento: analítico a priori, sintético a priori e sintético a posteriori. Pensamentos analíticos a posteriori são impossíveis para Kant, pois o pensamento analítico é autoreferencial, tautológico sendo por isso incompatível com afirmações a posteriori que baseiam-se não na lógica mas na experiência 123.

Na epistemologia crítica kantiana os pensamentos sintéticos a priori representavam um papel de destaque, pois não dependiam apenas da percepção, mas combinavam pressupostos aperceptivos com os dados sensoriais, fornecendo as categorias necessárias para qualquer forma de julgamento empírico. Kant desafiava assim o empirismo cético de Hume, que afirmava que tudo que se conhece provém dos sentidos. Quando se afirma que “toda mudança possui uma causa”, o predicado “causa” não se origina do mundo-em-si, que de acordo com Kant é incognoscível, mas do sujeito do conhecimento, pois a categoria de causalidade tem sua origem no entendimento 124. Quando Jung referia-se a sua teoria dos arquétipos como o equivalente imaginativo das categorias lógica kantianas, eram os julgamentos sintéticos a priori que ele tinha em mente.

Mas não se deve confundir fantasias mitológicas com idéias hereditárias. Não se trata disso, mas sim de possibilidades inatas de idéias, condições a priori de produzir fantasias, comparáveis talvez à categorias de KANT. As condições não geram conteúdos mas conferem determinadas configurações aos conteúdos adquiridos. Essas condições universais decorrentes da estrutura hereditária do cérebro são a causa da semelhança dos símbolos e dos motivos mitológicos – ao surgirem – em toda parte do mundo 125.

            Para tal concepção a posição dialética soa um total absurdo, pois qualquer forma de conhecimento é limitado pelos dados a priori do pensamento sintético, aquela espécie de pensar que acrescenta dados subjetivos que não pertencem a experiência. Para Jung a imaginação sintética a priori, os arquétipos, é incognoscível em-si-mesma, aparecendo a consciência somente através de uma imagem que combina os elementos a priori com dados sensoriais, ou seja, esses elementos a priori são projetados num outro que não ele mesmo.

Não são as tempestades, não são os trovões e os relâmpagos, nem a chuva e as nuvens que se fixam como imagens na alma, mas as fantasias causadas pelos afetos. (...) As condições psicológicas do meio ambiente naturalmente deixam traços míticos semelhantes atrás de si. Situações perigosas, sejam elas perigos para o corpo ou ameaças para a alma, provocam fantasias carregadas de afetos, e na medida em que tais situações se repetem de forma típica, dão origem a arquétipos, nome que eu dei aos temas míticos similares em geral 126.

 É a partir dessa perspectiva que Jung critica Hegel por ousar conhecer a coisa-em-si.

 

A vitória de Hegel sobre Kant significava uma gravíssima ameaça para a razão e o futuro desenvolvimento espiritual sobretudo do povo alemão, sobretudo se levarmos em conta que Hegel era um psicólogo camuflado e projetava as grandes verdades da esfera do sujeito sobre um cosmo por ele próprio criado. (...) Para mim é mais do que óbvio que aquelas afirmações da Filosofia que transcendem as fronteiras da razão são antropomórficas e não possuem nenhuma outra validez além daquelas que competem às afirmações psiquicamente condicionadas. Uma filosofia como a de Hegel é uma auto-revelação de fatores psíquicos situados nas camadas profundas do homem, e, filosoficamente falando, uma presunção. Psicologicamente, ela equivale a uma irrupção do inconsciente. A linguagem singular e empolada de Hegel coincide com esta concepção. Ela nos faz lembrar a “linguagem de poder” dos esquizofrênicos, que usam palavras encantatórias vigorosas para submeter o transcendente a uma forma subjetiva ou conferir à banalidade o encanto da novidade ou fazer passar insignificâncias por sabedoria profunda. Uma terminologia assim afetada é sintoma de fraqueza, de inépcia e de falta de substância 127.

É curioso que Oskar Psifter em uma carta escrita a Freud em  19 2 2 faça uma crítica semelhante a psicologia de Jung com suas “interpretações pretensiosas que tentam introduzir sorrateiramente um pequeno Apolo ou Cristo em cada pequena mente reprimida” 128. 

Jung parece não ter reconhecido na linguagem singular e empolada de Hegel, elementos análogos a sua própria forma de escrever. Em suas memórias Jung afirma que a sexualidade era numinosa para Freud, mas a terminologia concretístico-positivista que utilizava nos seus escritos não conseguia transmitir o numinoso subjacente a sua idéia, ficando ele restringido a emocionalidade que o possuía quando falava sobre o assunto. A escrita racionalístico-concretista não oferecia um abrigo adequado para manifestação da numinosidade interna à sexualidade, e por isso ela retornava de sua repressão através de uma intensidade oral evidente para aqueles que tinham contato direto com Freud. A intensidade numinosa, circunscrita aos afetos subjetivos, impunha dogmaticamente sua abordagem aos seus discípulos. Um escrito psicológico não deve ter medo da intensidade característica das grandes palavras, como amor, vida, morte, Deus e as muitas outras que movem por dentro a experiência humana, e por isso não pode excluir a numinosidade das idéias que se apossam da subjetividade do escritor.

            Mas Jung não reconheceu nos escritos hegelianos a contraparte filosófica da sua psicologia porque jamais leu qualquer um deles. Em uma carta escrita em  27.0 4.19 59 a Joseph L. Rychlak, Jung confessa jamais ter tido qualquer contato direto com a filosofia hegeliana.

O ponto do vista arsitotélico nunca exerceu grande influência sobre mim; nem Hegel que, na minha opinião bem incompetente, não é propriamente um filósofo, mas um psicólogo camuflado. (...) No mundo intelectual em que cresci, o pensamento de Hegel não teve importância; pelo contrário, foi Kant e sua epistemologia, por um lado, e um crasso materialismo, por outro, que desempenharam algum papel. Nunca partilhei das idéias materialistas, pois conhecia muito bem sua ridícula mitologia. Se me conheço bem, posso dizer que a dialética de Hegel não exerceu influência nenhuma sobre mim. (...) Nunca estudei propriamente Hegel, isto é, suas obras originais. Há que se excluir uma dependência direta, mas, como já disse, a confissão de Hegel contém (alguns dos) conteúdos muito importantes do inconsciente e por isso pode ser chamado de “un psychologue raté”. Naturalmente há uma coincidência notável entre certos pontos da filosofia de Hegel e minhas descobertas sobre o inconsciente coletivo 129.

 

Logo a projeção de que ele acusa Hegel é executada por ele próprio. Por não ter a menor idéia de que a razão absoluta é análoga ao antigo logos grego, uma potência cósmica de criação e ordenação, ele a reduz a sua concepção de razão subjetiva individual.

 Em um escrito de  19 3 4, Jung critica a psicanálise freudiana por pensar neuroticamente.

O que vem ao encontro do doente na dissociação neurótica é uma parte estranha e não reconhecida da sua própria personalidade. Ela tenta forçar seu reconhecimento com os mesmos meios que utilizaria uma parte do corpo, teimosamente recusada, para marcar presença. Se alguém tivesse resolvido negar a existência da mão esquerda, deveria enredar-se numa fantástica linha de explicações “nada mais do que”; é exatamente isto que acontece com o neurótico e que a “psicanálise” elevou a teoria  130.

Para Jung a psicanálise é uma continuação, sob forma de teoria, do próprio sintoma neurótico. Mas a crítica de Jung a psicanálise freudiana pode ser aplicada a sua própria psicologia. Com uma mão ele afirma que não conhecemos o mundo em-si, pois tudo que se pode conhecer do mundo é a priori dado por arquétipos incognoscíveis em-si-mesmos, com a outra supõe fenômenos acausais, onde, graças à atuação do arquétipo, interno e externo sincronizam-se de forma surpreendente. Com uma mão afirma que os alquimistas projetam conteúdos psíquicos desconhecidos na matéria por ela ainda ser desconhecida para eles, com a outra afirma que, no nível arquetípico, matéria e psique são duas manifestações de uma só e mesma coisa. Com uma mão afirma que a psicologia não possui um ponto de Arquimedes só podendo traduzir o psíquico em outro psíquico, com a outra afirma a necessidade de um ponto de apoio arquimediano, não-psíquico. Com uma mão afirma que o acesso a Deus mesmo é a questão definitiva, com a outra afirma que não se refere a Deus mesmo, mas à sua imagem interna na psique. Com uma mão critica aqueles que não se permitem abordar Deus através do conhecimento, com a outra critica aqueles que, como Hegel, mergulharam no conhecimento direto do mundo-em-si, da essência, de Deus. Com uma mão critica Freud pela linguagem redutivista, com a outra reduz a filosofia hegeliana, uma das que mais profundamente penetrou na natureza de Deus, a questões subjetivas. Com uma mão critica Hegel por projetar o subjetivo no objetivo, com a outra faz críticas ácidas sem ter o mínimo conhecimento objetivo do sistema filosófico hegeliano, projetando nele suas próprias concepções subjetivas. Sem perceber Jung opera uma variante da falácia reducionista freudiana que tanto critica: isto “nada mais é” do que projeção. Afirmar isso sem mergulhar na complexidade interna do conceito dialético é reducionismo psíquico, um psicologismo grosseiro.

Jung foi um fenômeno complexo, cujas várias facetas nem sempre agiam de comum acordo, ocorrendo frequentemente que uma afirmasse uma coisa que tornava impossível o que outra havia dito em outro momento. O Jung que durante toda a vida foi fascinado por fenômenos sobrenaturais e o Jung médico-empirista faziam constantemente afirmações incompatíveis. O Jung que possuía uma excepcional atração pelos fenômenos parapsicológicos foi o que não teve medo de formular o conceito de sincronicidade, aquele para quem a teoria dos arquétipos era o fundo comum tanto do mundo material quanto do psíquico. O Jung médico-empírico era o que descrevia fatos, para quem os arquétipos projetavam na matéria, para quem Deus-em-si era uma projeção arquetípica da psique. Quando os dois tentavam atuar em conjunto o resultado era a astrologia associada à estatística como instrumento clínico de investigação da sincronicidade, ou seja, uma total confusão.

Mas para Jung deveríamos ser gratos à neurose, pois ela pode ser a ponte para uma nova complexidade psíquica. “Não se deveria procurar saber como liquidar uma neurose, mas informar-se sobre o que ela significa, o que ela ensina, qual sua finalidade e sentido. (...) Não é ela que é curada, mas é ela que nos cura” 131.  A ferida neurótica e sua cura são uma unidade autocontraditória. Assim a cisão neurótica imanente à sintaxe junguiana é a porta de entrada para os fundamentos da própria práxis, pois só aprofundando-se nela e enfrentando suas contradições internas, é que torna-se possível eleva-la a uma forma mais complexa de reflexão. Uma das mais intensas contradições a serem enfrentadas é a que existe entre os arquétipos sintéticos a priori vs arquétipos como unidade psique-matéria. Para suprassumi-la é necessário um exame do conceito de projeção.

 

PROJEÇÃO

No conceito de projeção um conteúdo interno é projetado em algo externo. Esse conteúdo projetado distorce a percepção do exterior e deve ser reintegrado ao projetor, visto que lhe pertence como algo que lhe é intrínseco. Não se projeta qualquer coisa, pois o objeto que recebe a projeção precisa ter um gancho no qual a projeção é pendurada. Esse gancho é constituído principalmente por elementos do objeto que são desconhecidos pelo projetor e que por isso se contaminam com aquilo que pertence ao próprio projetor, mas é por ele ignorado. Pode também acontecer o contrário, o receptor exibe determinados elementos com extrema nitidez e visibilidade e por isso atrai elementos que o projetor não reconhece como seus, exagerando ainda mais a percepção dessas características pertencentes ao receptor.

            O que é projetado são conteúdos que por serem incompatíveis com a consciência egóica devem ser mantidos a distância, ou elementos ainda não desenvolvidos, em estado germinal, que a consciência egóica não pode assimilar porque ainda não possui as associações necessárias. O projetor é imaginado então como uma espécie de container carregado de conteúdos que dependendo da situação são ejetados para fora. Como os conteúdos são partes da personalidade, mas só o são realmente se estiverem rodeados por ela, contidos por ela, então os projéteis devem ser reincorporados ao seu possuidor original. O interno e o externo são aqui reinos ontológicos mutuamente excludentes, sendo que o que é interno deve ser recuperado sob a pena de perda da alma e o conseqüente empobrecimento da personalidade 132.

            O fundamento que sustenta essa concepção de interno e externo é o universo físico onde existe o planeta terra que contém seres humanos que por sua vez contém a psique dentro de si mesmos, dentro das suas personalidades. A pedra de toque desta concepção, a coluna que a sustenta, é a concepção de mundo físico como aquilo que é primariamente real e existente. Nesta concepção o interno, longe de ser a essência deste mundo, é um fenômeno especial reservado a um pequeno número de organismos físicos chamados homo sapiens. A psicologia recebe o mundo das mãos do positivismo-empírico sem o menor questionamento, operando dentro desse universo como apenas um fenômeno particular entre muitos outros. O que é realmente real é o mundo físico que inclui o ser humano como um corpo, sendo a psique um mero acidente, um atributo secundário. Qualquer idéia psíquica acerca do mundo possui o mundo fora dela, existente por si mesmo e independente de qualquer experiência psíquica dele. O “dentro” tem o “fora” fora de si e o “fora” tem o “dentro” fora de si. Esse pensamento é informado pela geometria euclidiana onde o espaço é concebido como pura extensão, podendo ser dividido como uma reta em infinitos subespaços, cada um tendo o outro fora de si. Todas as ciências positivistas, assim como o senso comum, a imaginação, o literalismo, a reificação, a atomização e a fragmentação, são governadas por essa definição geométrica de espaço. Na psicologia o interno torna-se visivelmente materializado num espaço fechado e separado do resto do mundo chamado consultório, especialmente reservado para experiências subjetivas. Mas este espaço clínico também possui um subespaço externo a si e à consciência, denominado inconsciente  133.

O que é concebido como interno nesta concepção geométrica é no fundo irreal. Se pegarmos um pedaço de giz é claro à primeira vista que o que lhe é interno encontra-se abaixo, por traz da sua superfície. Mas se esta superfície for quebrada, o que parecia ser interno é na verdade uma nova superfície, que se for quebrada novamente revelará outra superfície, até que não sobre nada do giz além de pó 134. O que não quer dizer que não se possa ir adiante observando esse pó microscopicamente, fragmentando qualquer partícula subatômica que apareça na busca do que é realmente interno. Na psicologia a infância não é mais suficiente para responder pelo aspecto interno da personalidade, sendo necessário buscar esse interno na vida intra-uterina, ou na vivência de algum antepassado familiar com questões não resolvidas que foram transmitidas para os seus descendentes, ou na vivência primitiva dos ancestrais das cavernas que nos forneceram genes egoístas que governam nosso comportamento, ou em arquétipos totalmente externos a qualquer forma de conhecimento.

O florescimento da ciência positivista na contemporaneidade foi intenso e a tortura que ela infringiu na natureza para que esta lhe revelasse seus segredos abriu um enorme campo de atuação prática que estabilizou o mundo natural como seu lugar por direito. Se alguém ouve um trovão ou vê um raio e afirma que era uma epifania divina, esta afirmação poderá ser interpretada no máximo como uma metáfora, porque não desafia a possessão da natureza pela ciência. Pretender ir mais longe afirmando que é realmente um deus vivo que se manifesta nos raios e trovões, soa como um completo absurdo anticientífico. A psicologia com suas pretensões científicas não pode mais defender uma natureza animada, pois se há algo como uma alma esta nada mais é do que uma metáfora para a interioridade subjetiva humana. Somente neste espaço interior subjetivo a dominação científica ainda não se efetuou de forma completa.

             Qualquer afirmação de uma natureza animada é vista como uma projeção que deve ser retirada através de uma autocrítica introspectiva e recolocada em seu devido lugar, o interior subjetivo humano. Mas se o “interior” é externo ao “exterior” e o “exterior” é externo ao “interior”, então a interiorização psíquica é uma forma mais sutil de exteriorização visto que está sob o julgo da geometria espaço-extensiva. Introspecção, auto-análise, introversão, interpretação subjetiva, mergulho nas emoções subjetivas, diálogo com a criança interior, nada disso é por si só suficiente para reverter a total e completa exteriorização do ser com a conseqüente perda da alma 135. Na pós-modernidade o esvaziamento do ser é algo que se faz sentir de forma contundente e, por mais que declare o contrário, qualquer prática terapêutica fundamentada num interior subjetivo abstrato não faz mais do que contribuir para esse esvaziamento, pois suas técnicas são versões soft do tecnicismo instrumentalista do positivismo. Graças a essas técnicas de interiorização psíquica a ciência pode operar livremente sua dominação sobre o exterior sem ser atrapalhada por conteúdos subjetivos que insistem fazer do mundo o seu lar.

A psicologia analítica aparentemente atua de modo diferente ao afirmar a existência de um inconsciente coletivo circundando-nos por todos os lados, mas a julgar pela crítica de Jung feita a Hegel isso ocorre apenas na teoria. Com uma mão Jung afirma que a alma não está no homem, mas o homem está nela, e com a outra afirma que “uma filosofia como a de Hegel é uma auto-revelação de fatores psíquicos situados nas camadas profundas do homem, e, filosoficamente, uma presunção. Psicologicamente, ela equivale a uma irrupção do inconsciente”. O homem não está na alma, mas ela está nas suas profundezas subjetivas e deve se recolher ao seu lugar toda vez que insistir em irromper-se sobre o mundo.

Essa imaginação sintética a priori chamada arquétipo é comparada por Jung à estrutura biológica inata do homem. Por mais que a intenção fosse sair do isolamento subjetivo abrindo um diálogo com outros campos de saber, esse tipo de interpretação não faz jus a fenômeno-logia arquetípica do modo como ela é apresentada pelo próprio Jung. As imagens míticas que Jung apresenta como provas de sua teoria são por demais complexas e refinadas para serem encapsuladas na genética. Além disso, a ênfase no inatismo genético como forma de se contrapor às teorias da tabula rasa, é um reforço à dominação tecnicista científica. Se com a defesa do inatismo Jung pretendia reforçar a concepção de que qualquer espécie de conhecimento é restringida por categorias a priori, essa defesa na atualidade é um poderoso combustível para o positivismo científico que mapeia os genes para identificar quais as características subjetivas que a eles correspondem, e manipula-os com técnicas avançadas utilizando-os para conquistar dinheiro e poder 136.

Ao defender a retirada das projeções para o interior subjetivo da personalidade para que não distorçam a percepção da realidade, a psicologia analítica transparece que atua basicamente sob a influência da concepção positivista. Ela é o verdadeiro fundamento e atua primariamente antes de qualquer teorização sobre arquétipos e inconsciente coletivo. A realidade positiva é o último e inquestionável horizonte, e a psicologia analítica é um compartimento especial do conhecimento sobre um espaço compartimentado do ser chamado psique, funcionando como uma auxiliar das outra ciências positivistas. Ao isolar a alma em sua subjetividade abstrata, o ser humano garante a inviolabilidade do espaço físico externo à custa de uma interiorização alienante que o exterioriza do mundo que o circunda 137.

            A velocidade com que o mundo se transforma é o complemento de um ser humano cada vez mais preso a sentimentos infantis, a nostalgia de um passado idealizado, a sintomas incuráveis, a desejos de status, poder e dinheiro. Nessa alquimia pós-moderna o solve et coagula tem como ingredientes um mundo externo líquido, onde nada é certo e tudo muda numa velocidade alucinante, e um mundo interno petrificado na adicção de imagens e sensações. Mas qualquer prazer, seja ele causado pelo celular da moda, o carro do ano, por drogas lícitas e ilícitas ou pela catarse emocional proporcionada pelas psicoterapias, parece encolher-se frente a um vazio ontológico, transformando-se num mero sucedâneo. Esse vazio é a prisão dentro da qual existimos, o rochedo que não conseguimos ultrapassar, frente a ele permanecemos imóveis e qualquer tentativa de transpô-lo é vista como idealização, projeção, transgressão do princípio de realidade. Qualquer projétil que ultrapasse os limites da subjetividade espaço-extensiva deve ser recolhido, trancafiado na interioridade abstrata de um sujeito que permanece ontologicamente imóvel, intacto, imune ao movimento realizado pelo projétil. Esse movimento resume-se a uma troca de posição, visto que o espaço extensivo onde ocorre permanece estático, intocado, inalterado pelo que nele acontece 138.

Tanto a ciência contemporânea como a psicologia são informadas pela distinção cartesiana entre res extensa e res cogitans, entre a pura extensão e a consciência. Mas se a psicologia que investiga a res cogitans a toma como propriedade do indivíduo que a contém em seu interior, então a res cogitans é apenas um fragmento da res extensa, subordinando-se a ela, e o que a psicologia entende como interiorização é a forma mais refinada e poderosa de exteriorização, pois garante de uma vez por todas a inviolabilidade do espaço extensivo ao agrilhoar qualquer elemento que insista em escorrer para fora da prisão subjetiva. Como o interior é definido a partir do exterior, quando a psicologia pensa estar interiorizando algo ela na verdade o está exteriorizando de forma ainda mais violenta, e como a psicologia começa com a interiorização, com a consciência de que o que aparenta estar fora está na verdade dentro, então ao invés de abrir caminho para um espaço interior ela corre como um coelho atrás de uma cenoura pendurada na sua frente por uma vara presa em seu pescoço 139.

A psicologia, mesmo a analítica, anda de mãos dadas com o positivismo, pois em sua própria lógica trabalha ao seu favor, o fortalece e o dissemina. Toda e qualquer forma de psicologia que defende o cultivo da vida interior, o humanismo e ainda assim permanece presa a concepção extensiva de realidade, não faz nada mais do que fortalecer a lógica do racionalismo inumano que utiliza as pessoas como meios para atingir os fins desejados e as descarta tão logo lhes seja conveniente. É o aprisionamento da potência transpessoal da razão no interior do indivíduo que faz com que esse poder se volte contra ele, como os antigos espíritos elementais que consumiam seus hospedeiros por dentro.

 

PRÁXIS

“Tudo isso é muito interessante, mas é apenas teoria, não tem nada a ver com a prática”. Este tipo de argumento é comum de se ouvir, de que o que interessa na teoria é apenas a parte prática. Neste tipo de argumento o positivismo faz sentir toda a sua força no seio da própria consciência psicológica 140.

Em um dos seus escritos Freud defende como principal regra da técnica psicanalítica o levantamento da repressão. “É notável como toda tarefa se torna impossível se permite reserva mesmo em um único lugar” 141. Mas a repressão não situa-se apenas na personalidade subjetiva, mas aonde quer que haja uma cisão, e por isso o maior santuário da cisão repressora é a teoria psicológica. Ela defende todo o tipo de técnicas e interpretações a serem utilizadas na clínica com os pacientes, mas ela mesma é total e completamente imune a essas interpretações e técnicas. A psicologia como teoria e a psicologia como prática são dissociadas uma da outra. Pode-se praticar psicologia à vontade como se ela fosse uma técnica, uma espécie de canivete suíço que dependendo do obstáculo saca-se uma ou outra ferramenta adequada para lidar com ele. A teoria serve apenas para disseminar as técnicas e ensinar os psicólogos a reproduzi-las adequadamente. A mentalidade tecnicista-utilitarista é interna a psicologia, sendo cada vez mais popular na reprodução de um exército de autômatos que se questionados a respeito do porque de tal técnica, respondem da mesma forma que os membros da tribo africana dos Elgonyis responderam a Jung quando perguntados do por que cuspiam na mão e apontavam para o Sol quando este nascia: “Sempre fizemos isso” 142.

            O psicólogo afirma que o paciente deve questionar-se, deve rememorar o passado para rever seu presente. O próprio psicólogo fez isso em sua análise pessoal, mas quando se trata de fazer o mesmo com a teoria que fundamenta sua  prática, nada acontece. “É apenas teoria” diz ele e continua repetindo-a como um papagaio repete o que ouve sem ter a menor consciência do seu significado, e assim o status quo permanece intacto. Mas se o psicólogo rememorar o passado do fundamento da sua prática descobrirá que ela surgiu como um abalo sísmico do status quo vigente, pois a psicologia do inconsciente surgiu como um questionamento radical do modo como o homem em sua totalidade relacionava-se com o mundo, e não como uma psicologia da subjetividade abstrata deste ou daquele paciente específico 143.

             Enquanto a psicologia cindir o paciente do mundo que o circunda, de nada adianta falar de totalidade, pois é apenas a totalidade do interior subjetivo que presentifica-se no interior do consultório. Todo o resto do mundo permanece de fora, intocado. Para psicologia redescobrir o potencial corrosivo que lhe é inerente, ela precisa provar do seu próprio remédio, ser seu primeiro paciente, refletindo sobre si-mesma de forma a interiorizar-se, tornando-se assim uma psicologia internamente crítica.

Mas como uma psicologia cuja própria lógica interna é neuroticamente cindida consegue ainda assim aliviar o sofrimento dos pacientes, como ela visivelmente vem fazendo ao longo dos anos de forma até bastante eficiente? Ela não deveria piorar a situação? Para responder esta questão é preciso refletir a teoria psicológica em sua prática psicoterapêutica, pensando ambas como momentos diferentes de um mesmo movimento chamado práxis 144.

Para Freud o motor da análise era a transferência, e o encontro entre analista e paciente transformava-se de uma simples conversa em análise a partir do momento em que a neurose do paciente convertia-se em neurose de transferência. Esse combustível inflamável afeta todo o ser do analista, que muitas vezes sente em seu corpo a subjetividade do paciente. Deve-se a Jung o mérito de reconhecer a utilidade terapêutica dessa contratransferência que, muito antes de ter sua importância reconhecida pelos kleinianos, já afirmava que o terapeuta só afeta o paciente na medida em que é afetado por ele. O processo transferencial-contratransferencial transgride a lógica extensiva, que afirma que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, ao misturar a interioridade do paciente e do psicólogo.

            Como o psicólogo responde a esse processo? Ou ele não toma consciência dele e prossegue muitas vezes atuando-o inconscientemente, ou ele o reconhece e teoriza sobre ele, alertando sua importância para a prática. Mas ao invés de reconhecer a plena realidade desse fenômeno, cuja essência é a transgressão do espaço extensivo, o psicólogo frustra o próprio movimento analisando-o de forma abstrata, como uma projeção do mundo interno do paciente sobre o mundo interno do psicólogo. O movimento no qual a interioridade do paciente não pertence apenas a ele mesmo e a interioridade do psicólogo também não, tem seu reconhecimento frustrado no momento em que o terapeuta o interpreta como a projeção de algo que sai de um interior subjetivo abstrato para outro interior subjetivo abstrato. Assim o esse in anima, o estar imerso na alma, não tem sua realidade reconhecida nem mesmo na prática psicológica, visto que paciente e psicólogo continuam tendo o seu ser aprisionados dentro de si mesmos. A psique é então privada da sua essência, que é estar mais dentro de si-mesma quanto mais está mais fora de si-mesma, imersa no mundo, porque a psique não é uma coisa, não possui propriedades espaciais e por isso seu interior é relação.

A prática terapêutica da psicologia incentiva o paciente a reconhecer a inconsciência, mas a própria psicologia é defendida contra esse reconhecimento. Como a psicologia concebe a realidade física como solo primário onde nascem e crescem as pessoas que possuem uma psique em seu interior como um dos seus inúmeros atributos, o que nela é inconsciente é a própria psique.

A intelectualização excessiva dos afetos por parte do psicólogo é logo detectada como atuação de um mecanismo de defesa, mas quando se trata do inverso, do mergulho na introspecção personalista, da defesa exacerbada dos afetos subjetivos com a conseqüente rejeição da reflexão teórica, a psicologia nada tem a dizer. Se um é visto como neurótico e o outro não, então fica claro que o interior personalista e os afetos subjetivos são o lugar por excelência da psique, enquanto o pensamento reflexivo tem o seu papel restringido a cuidar para que a psique não transgrida as barreiras da subjetividade escapando para o mundo externo. Mas então quando nos abandonamos às experiências emocionais na psicoterapia algo é deixado de fora, intacto, in-afetado. Esse algo que serve de âncora, de solo firme, é o pensamento reflexivo, que permanece tão abstrato e unilateral quanto sempre tem sido, visto que é reservado apenas para teorizar as experiências nos artigos, livros, cursos e palestras. Mas ele às teoriza como algo que ocorreu fora dele, como um cientista observa uma substância contida num tubo de ensaio 145. Logo a psicologia possui um ponto de Arquimedes fora de si, o logos, aquilo que faz da psique uma psicologia.

Esta reserva mental cinde a psicologia em dois momentos, a prática terapêutica e a teorização, um imune ao outro, reproduzindo em-si-mesma a cisão neurótica que pretende curar. Assim a neurose do paciente que havia sido transferida ao psicólogo, é agora transferida por ele para a própria teoria psicológica e disseminada pelos quatro cantos do mundo via artigos, livros, palestras e cursos. O instrumento dessa transferência são as inúmeras técnicas e interpretações que ocorrem na terapia através da qual a neurose é amplificada, assim como toda a mentalidade do paciente, ao nível objetivo da psicologia enquanto teoria do ser humano como um todo 146. Mesmo as interpretações e técnicas baseadas no desenvolvimento infantil também são, como a mitologia, formas de amplificação 147, sendo na verdade a própria mitologia contemporânea, as narrativas e rituais deste poderoso deus chamado indivíduo 148.

Durante milênios os homens buscavam os lugares específicos ao qual cada evento do cosmos pertencia. Esses locais específicos eram os deuses que ao oferecerem abrigo e altar ordenavam e tornavam inteligível todo e qualquer evento, seja ele humano ou natural. Todo o mundo antigo funcionava de acordo com essa reversão dos eventos microcósmicos ao macrocosmo. Esta era uma das principais questões endereçadas aos oráculos gregos: a quais deuses deve-se rezar ou pagar sacrifício para atingir esta ou aquela graça 149. No cristianismo essa era também uma prática corrente, só que em vez de heróis e deuses pagãos, eram Deus, Cristo, Maria e toda a multiplicidade de santos. Situar o local específico ao qual este ou aquele evento pertence, a quem ele se relaciona, permitia que o ser humano fosse adiante. Hoje esse local específico é a interioridade subjetiva. Ela é o altar no qual a psicologia situa os problemas psicológicos, e é a partir dessa conexão com algo mais amplo que ele mesmo, efetivada através do ritual psicoterápico, que o paciente se permite ir adiante. Ao refazer em sua prática terapêutica o devir histórico que a partejou, a psicologia transparece a circularidade urobórica que lhe é intrínseca.

Um aspecto proeminente da perda coletiva das categorias suprapessoais tem sido um aumento da “pré-ocupação” com a subjetividade do indivíduo. Trata-se efetivamente de um fenômeno moderno e na verdade não poderia existir se os valores transpessoais fossem satisfatoriamente contidos numa religião coletiva tradicional. Mas, uma vez que o sistema simbólico tradicional sofreu ruptura, ocorre algo parecido com o retorno de uma grande quantidade de energia à psique individual e passa a haver um interesse e uma atenção muito maiores concentrados na subjetividade do indivíduo. A partir desse fenômeno, a psicologia profunda foi descoberta. A própria existência da psicologia profunda é um sintoma do nosso tempo. Outros indícios se encontram em todas as manifestações artísticas. As peças e romances descrevem exaustivamente os indivíduos mais banais e comuns, nos seus aspectos mais caros e pessoais. A subjetividade interna tem recebido um grau de valorização e de atenção que jamais recebeu antes. Na realidade, essa tendência é um indício de coisas que virão a existir. Se a acompanharmos até sua conclusão inevitável, não há dúvida que ela levará as pessoas, cada vez mais, à redescoberta das categorias suprapessoais perdidas no interior de si mesmas 150.

Portanto mesmo uma interpretação ou técnica que localize a problemática do paciente no seu passado infantil, amplifica essa problemática como parte de uma tendência cultural mais ampla 151. Mesmo que o conteúdo de uma teoria psicológica seja personalista e redutivo, isso não muda o fato de que, enquanto expressão de uma tendência cultural que a circunda e contém, ela funciona de modo transpessoal 152. Mesmo quando ela pretende fortalecer o eu, ainda assim é parte de um movimento cultural que transcende o indivíduo e ocorre não só através da psicoterapia, mas através de livros e palestras de auto-ajuda, de academias de ginástica, de personal coaching, de cursos que levantam a auto-estima, plástica etc. Desse modo a retirada das projeções do mundo externo para o mundo interno são uma forma de epistrophé, a reversão de um evento para um local transpessoal 153. Mas este local transpessoal é o interior da própria pessoa e por isso há uma dissociação entre o conteúdo da psicologia e a lógica do seu funcionamento.

            As psicologias que se declaram personalistas em sua teoria, funcionam na prática transpersonalisticamente, e as psicologias que em sua teoria se declaram transpessoais, como a psicologia analítica, ao não conseguirem conceber um espaço intensivo, inevitavelmente dissociam o real em um interior subjetivo e um exterior objetivo, desfazendo com uma mão o que a outra faz. Não é a toa que para tal estilo de psicologia a idéia de relacionamento humano seja tão excessivamente importante, visto que ela carrega em seu núcleo o peso do individualismo narcisista. Mas enquanto seu horizonte último de relação for concebido como a relação entre dois seres encerrados em sua subjetividade, independentes um do outro, reificação e atomização serão inerentes a sua própria forma reflexiva, pois mesmo que sua prática seja focada na terapia grupal, o grupo continua sendo um agregado de indivíduos abstratos, projetando e introjetando suas subjetividades uns nos outros.

Karl Krauss tinha certa razão ao afirmar que a psicanálise é a própria doença que pretende curar 154. O dito vale não apenas para a psicanálise, mas para a própria psicologia analítica. De nada adianta defender a complementaridade entre ferida e cura, fazer belíssimos estudos sobre o curador ferido e utilizá-lo como paradigma para o trabalho psicoterapêutico, pois a cisão é mais profunda ocorrendo na própria sintaxe da teoria que por mais que defenda a unidade deste ou daquele par de opostos é em sua própria forma lógica uma afiada lâmina de cisão. Enquanto a psicologia analítica postular o unus mundus através da imaginação sem se conscientizar que o esforço é inútil se não ocorrer em sua própria lógica, ela continuará a celebrar mesmo que inconscientemente o individualismo narcisista contemporâneo, pois é exatamente na teoria que a unilateralidade egóica busca seu mais recôndito refúgio, continuando impermeável a qualquer conteúdo do seu discurso, mesmo que seja o fluido Mercúrio.

Por que a psicologia analítica deve continuar presa ao conceito extensivo de espaço quando a mais materialista das ciências, aquela que estuda o próprio fundamento da matéria, caminha a passos largos na transcendência da geometria extensiva?

 

ESPAÇO NÃO LOCAL

O questionamento da natureza do próprio espaço iniciou-se a partir do debate entre os físicos Albert Einstein e Niels Bohr. Apesar da teoria quântica ter sido partejada a partir da teoria da relatividade, Einstein estava insatisfeito com os passos que sua cria bastarda andava tomando, principalmente com a idéia de acaso como elemento essencial da realidade objetiva. A escola de Copenhage, liderada pelo dinamarquês Bohr, fornecia a interpretação mais completa dos fenômenos atômicos nas primeiras décadas do século XX. A interpretação de Bohr, Werner Heisenberg e seus colaboradores, contrastava com o determinismo rígido da física clássica para qual em cada causa natural há um único e inevitável efeito correspondente. O mundo subatômico, ao contrário, parecia ser dominado pela incerteza sendo impossível prever com segurança a posição e velocidade das partículas, sem falar que os experimentos demonstravam a impossibilidade de demarcar precisamente fronteira entre os objetos observados e o aparato utilizado pelo observador. Mesmo os mais rigorosos e cuidadosos procedimentos experimentais condicionavam inevitavelmente o comportamento do fenômeno observado. Durante séculos o acaso e a interferência do observador permaneceram ocultos no estudo dos fenômenos macroscópicos, mas no nível subatômico eles saltavam aos olhos pondo em cheque todo o ideal abstrato da física como descrição objetiva da realidade, obrigando-a a rever o paradigma dentro do qual construía sua teoria e forçando-a a aceitar a parcialidade, a subjetividade e a incognoscibilidade como inerentes a qualquer descrição dos níveis profundos da matéria. Einstein não conseguia aceitar o indeterminismo da teoria quântica, ficando famosa a sua frase: “Deus não joga dados”. Ao que Bohr retrucou: “Como você sabe o que Deus está fazendo” 155.

Einstein e seus colaboradores Boris Podolsky e Nathan Rosen propuseram, num artigo escrito em  1935, um experimento lógico questionando a descrição da realidade feita pela teoria quântica. Esse experimento hipotético, que ficou conhecido como “Paradoxo de Eistein-Podolsky-Rosen” ou EPR, baseava-se na propriedade que as partículas subatômicas possuem de girar em torno dos seus próprios eixos, fenômeno esse chamado pelos físicos de spin. A quantidade de spin de um elétron é sempre igual, mas dado um eixo de rotação ele pode girar tanto no sentido horário como anti-horário. Em um sistema composto por dois elétrons que giram em sentido contrário o spin total constituído pela soma algébrica dos spins individuais é nulo, devendo permanecer assim a não ser que algum fator externo altere essa condição. Porém o elétron não possui apenas um eixo de rotação, há muitos possíveis, e aqui começa a discórdia, pois segundo a teoria quântica o observador é capaz de conhecer os eixos possíveis, mas não é capaz de determinar com precisão qual desses eixos será utilizado efetivamente pelo elétron em cada evento particular. A definição de um dentre os múltiplos eixos possíveis seria uma ocorrência puramente casual, sujeita à interferência do observador. Toda vez que o observador escolhe um dos eixos e organiza um experimento para medir o spin do elétron em relação a esse eixo, encontra o elétron girando ao redor dele. O próprio ato de medir parece definir o eixo de rotação 156.

            Para demonstrar a inconsistência física desse enfoque subjetivo-casual e reduzi-lo ao absurdo, Einstein, Podolsky e Rosen imaginaram uma situação onde dois elétrons de spins alinhados em sentido contrário estavam em interação, sendo então o spin total do par nulo. Através de um método que não afetasse seus spins, os elétrons eram distanciados um do outros e, quando a distância fosse astronomicamente grande, os spins eram medidos escolhendo-se arbitrariamente qualquer um dos múltiplos eixos possíveis. Como para a escola de Copenhage o próprio ato de medir define o eixo de rotação, o elétron passaria a girar ao redor desse eixo. Para que o spin total do par continuasse nulo seria preciso que o elétron astronomicamente distante passasse a girar em torno do eixo escolhido. Ao ser definido arbitrariamente um determinado eixo de rotação para a partícula A, o mesmo eixo era imposto a partícula B, independente do quão distante ela tivesse, e o alinhamento precisava ser simultâneo, pois nem mesmo por um momento o princípio da conservação do spin total poderia ser violado. Para que esse alinhamento ocorresse a comunicação entre as partículas precisava acontecer em uma velocidade infinita o que segundo Einstein era um absurdo uma vez que nenhum sinal físico podia viajar mais rápido do que a luz, pois se o fizesse transgrediria o eixo do tempo retornando ao passado, um postulado básico da teoria da relatividade que tinha sido amplamente demonstrado através de experimentos 157.

             Através desse engenhoso experimento lógico o trio pretendia pegar Bohr e seus companheiros de calças curtas provando que a casualidade introduzida no formalismo da teoria quântica não era imposta pela própria realidade física, mas devia-se a uma limitação da própria teoria, ignorante das variáveis ocultas que se fossem conhecidas explicariam de maneira definitiva o porquê do elétron ocupar esta e não aquela posição, ou girar ao redor deste e não daquele eixo, eliminando definitivamente do corpo da ciência o acaso e a interferência decisiva do observador no curso dos fenômenos 158.

Bohr reagiu ao argumento com uma indiferença surpreendente, limitando-se a responder que as duas partículas eram partes de um sistema indivisível e que o paradoxo decorria do fato de pensá-las como separadas. Essa afirmação era revolucionária, pois rompia com toda a concepção sobre os componentes da matéria herdados da física clássica. Ao invés de entes individuais e isolados, como tijolos empilhados para erguer uma parede, assemelhavam-se mais a recortes feitos pelo observador num todo inseparável. É como se resolvêssemos olhar para o céu limpo através de pequenos buracos feitos numa folha de papel,  vendo apenas pontos azuis contra o fundo branco da folha. A individualidade dos pontos é uma conseqüência do instrumento de observação, a folha, e não do objeto observado, o céu. O próprio Bohr parece não ter percebido o alcance da sua afirmação. Na década de trinta a física quântica colhia sucessos espetaculares na previsão dos fenômenos, atraindo um número crescente de adeptos. Se a natureza última da realidade estava sempre além da nossa capacidade cognitiva, por que perder tempo com especulações metafísicas? Bastava contentar-se com estimativas estatísticas sobre o curso dos eventos, consolidando assim o viés empirista da teoria 159.  

     A polêmica com Einstein produziu um intenso impacto em Bohr, pois o criador da teoria da relatividade tornou-se um interlocutor permanente num diálogo interno, desses com quem se debate mesmo quando se está sozinho. Abraham Pais, um físico amigo de ambos e biógrafo de Einstein, declarou que mesmo depois da morte do cientista judeu-alemão o dinamarquês Bohr continuava a debater com ele como se ainda estivesse vivo. No entanto a questão do paradoxo EPR permaneceu mal respondida, visto que os dois grandes cientistas pareciam ter consumido toda a fantástica inspiração que dispunham para o tema e, prisioneiros das limitações dos seus próprios modelos, não conseguiram ir adiante. Coube ao físico americano David Bohm retomar o fio de Ariadne que levava à saída do labirinto ao assumir todas as conseqüências lógicas do paradoxo EPR 160.

            Sua penetração neste labirinto lógico começou a partir da década de quarenta, quando fazia doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley e pesquisava o quarto estado da matéria chamado plasma, um fluido onde os átomos não conseguem se configurar como estruturas estáveis, resultando numa alta concentração de íons positivos e elétrons livres. Bohm verificou que embora o movimento individual dos elétrons no plasma parecesse casual, enquanto coletividade eles produziam efeitos surpreendentemente organizados possuindo uma extraordinária capacidade de autoregulação semelhante a de uma criatura viva. Suas pesquisas posteriores na Universidade de Princenton confrontaram-no com situações experimentais em que não apenas um par de elétrons se comportava como se uma partícula soubesse instantaneamente o que a outra estivesse fazendo, mas em que trilhões de elétrons pareciam atuar dessa forma ao mesmo tempo. Durante essa época Bohm manteve uma série de longas conversações com Einstein, que também era pesquisador em Princenton. Tudo isso o conduziu a apresentar em  19 5 2 uma síntese das posições antagônicas de Einstein e Bohr 161.

A escola de Copenhague contentara-se com uma descrição estatística do comportamento dos fenômenos atômicos durante o processo de medida, por isso o questionamento sobre a existência real ou não de entes como os elétrons fora do contexto de observação era uma conjectura que não cabia no modelo explicativo. Bohm assumiu que estes eram entes reais e que o componente aparentemente casual do comportamento poderia ser explicado considerando que por trás das cenas, onde a Escola de Copenhague se recusava a olhar, atuava um nível mais profundo de realidade denominado potencial quântico. Este potencial teria uma estrutura de campo que preencheria todo o espaço, mas ao contrário do que ocorre com os campos gravitacional e eletromagnético, sua intensidade não diminuiria com a distância, mas seria constante 162.

Até aqui o modelo não era mais do que o desenvolvimento da hipótese das variáveis ocultas de Einstein. Porém à medida que foi sendo refinado ele se afastou do horizonte paradigmático cartesiano da ciência clássica onde o todo é concebido como um agrupamento das partes que o determina, e que interagem localmente, como trocas de energia entre elementos contíguos. Einstein que já em  1905 subvertera os conceitos clássicos de massa, energia, espaço e tempo, jamais conseguiu se libertar totalmente da camisa de força cartesiana. Suas variáveis ocultas tinham um caráter essencialmente local, extensivo, e assim ele entendia a comunicação entre os dois elétrons do EPR como um sinal que atravessava uma extensa seqüência de pontos contíguos do espaço-tempo para viajar de uma partícula a outra. A idéia de que constituiriam um sistema único era nesse modelo um absurdo 163.

Vítima da histeria anticomunista que se apossou dos Estados Unidos após a explosão da primeira bomba nuclear soviética em  19 49, Bohm foi intimado a depor devido a sua filiação ao Partido Comunista Americano. A Comissão de Atividades Antiamericanas o incluiu entre os suspeitos de terem fornecido uma fórmula decisiva para a construção da bomba ao dirigente comunista Steve Nelson, que por sua vez a repassou a embaixada soviética. Em  1943 Bohm havia se doutorado sob a orientação de Robert Oppenheimer, o pai da bomba atômica americana e sua tese jamais foi publicada por ser considerada segredo de estado. Logo ele era realmente detentor de informações sigilosas, mesmo assim a informação era descabida,  pois a confecção da bomba não depende de uma ou outra fórmula, mas da execução de um complexo programa que foi viabilizado pelos soviéticos graças a uma equipe de físicos de altíssimo nível 164.

Quando convocava alguém para depor a estratégia da Comissão era forçar a delação, o que gerava uma avalanche de denuncias e alimentava uma paranóia coletiva. Quando perguntaram a Bohm se ele era comunista e se conhecia Steve Nelson, ele invocou a Primeira Emenda da Constituição Americana que lhe assegurava o direito de permanecer em silêncio, garantindo-o não submeter outras pessoas a perseguições. Sua posição foi acolhida pela justiça, mas lhe custou o emprego de professor na Universidade de Princeton, e qualquer condição de continuar trabalhando em solo americano. Einstein usou sua influência para lhe conseguir um lugar na Universidade de São Paulo 165.

Chegando aqui o consulado americano tomou seu passaporte comunicando-lhe que só o devolveria se retornasse aos Estados Unidos e como ele não obedeceu cassou sua cidadania, o que o fez naturalizar-se brasileiro. Aqui Bohm conheceu o físico Mário Schenberg que lhe encaminhou para o estudo da filosofia hegeliana. O filósofo da totalidade exerceu um profundo impacto nas suas idéias e segundo seu ex-colaborador, amigo e biógrafo David Peat, ele nunca mais  deixou de carregar em suas viagens um exemplar da Lógica de Hegel 166.  

Quanto mais avançava na compreensão do potencial quântico mais Bohm se convencia de que os elétrons do EPR não apenas formavam uma unidade mas, junto com as demais partículas do universo, formavam uma totalidade indivisível num nível de realidade mais fundamental. Na instância em que esse todo operava, as distinções locais deixavam de existir, qualquer ponto no espaço extensivo era igual a todos os outros e já não se podia pensar em entes completamente separados. Assim eventos que à primeira vista pareciam aleatórios poderiam ser ordenados em um nível mais profundo de realidade denominado ordem implícita, por estar por baixo da realidade explícita cotidiana. Todas as formas do universo material resultariam de ininterruptos processos de dobramentos e desdobramentos da totalidade indivisível. Todas as partículas físicas seriam como pontas de um iceberg acima da superfície que constitui o limite usual da nossa capacidade de observação, sendo a  própria observação uma troca de energia entre sujeito e objeto que provoca a emersão do iceberg. O Big Bang, a súbita expansão do universo a partir de um ponto sem volume com densidade e temperatura infinita, seria um ponto privilegiado, um desdobramento fantástico da ordem implicada ocorrido há bilhões de anos atrás 167.

O universo seria então semelhante a um holograma. (Do grego holo, todo, e gram, escrever. O holograma é a escrita do todo).  Ao gravarmos uma imagem em um filme holográfico e dispararmos nele um laser,  essa imagem se explicitará tridimensionalmente. Se cortarmos esse filme no meio cada metade explicitará a mesma imagem que havia no filme inteiro só que com menos nitidez. Cortando o filme em inúmeros pedaços cada fragmento explicitará a mesma imagem, mas com um nível cada vez menor de nitidez.  Consciente que o holograma era uma metáfora por demais estática, Bohm cunhou o termo holomovimento na tentativa de expressar esta totalidade em permanente transformação 168. Toda a realidade extensiva seria como uma onda no oceano energético da realidade implicada.

O senso comum tende a hipostasiar o conceito de energia. Por isso um oceano de energia implícita sugere uma substância misteriosa, um éter subjacente a toda realidade, como antigamente imaginava-se o calor como uma substância dentro dos objetos, o calórico. Mas assim como o calor é o movimento do jogo de relações em interação a que chamamos de partículas, energia é devir, transformação, passagem de um estado anterior a um posterior, capacidade de realizar trabalho. Jung a definiu não como relação de substâncias, mas como relação de movimento. Energia é polaridade, tensão entre os contrários. Assim quando se diz que a realidade implícita é um oceano de energia, não é de uma substância incognoscível que se está falando, mas das relações de movimento que perpassam virtualmente todo o universo, entre elas as de dobramento-desdobramento, essência-aparência, implicitação-explicitação, virtual-atual. Em descontínua-continuidade uma reflete a outra, pois só é através da outra.

 

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            Na alquimia existe uma operação chamada citrinitas, o amarelecimento da obra, onde o vaso no qual acontece a transformação da prima matéria não é mais imune aos efeitos do que ocorre em seu interior 169. Ele

mergulha dentro de si-mesmo e sofre o mesmo destino daquilo que contém. Na alquimia quântica o espaço não é mais imune às partículas que nele se movem, mas mergulha dissolvendo-se nelas. Se imaginarmos o espaço como uma folha em branco, o caminho mais curto entre um ponto e outro da folha não é uma linha reta, mas o dobrar da folha de modo que os dois pontos sobreponham-se. É assim que as partículas subatômicas se comportam nos experimentos físicos, como se não estivessem num espaço extensivo, mas num espaço intensivo, sobrepostas.

Assim o amarelecimento da psicologia não significa abandonar o interior da clínica e ir para o mundo externo, como pensa Hillman 170. Tal atitude envolve a troca de um objeto de estudo situado em um espaço, o interior subjetivo humano, por outro objeto situado neste mesmo espaço, o mundo externo. Como a imaginação ainda é dominante, o espaço extensivo não é transcendido e os dois objetos de estudo são vistos como alternativos, ou um ou o outro, enquanto que o objeto de estudo de uma verdadeira psicologia é a unidade da unidade e da diferença da subjetividade humana e da objetividade externa. Mas tal unidade não pode ser imaginada por não ser espacial, não ser psíquica, mas psicológica. O problema é que a imaginação não consegue personificar o espaço por ele ser anterior a toda e qualquer personificação, visto que é a própria condição para a atividade de personificar, pois um ser personificado é um ser com propriedades espaciais, mesmo que metafóricas. O espaço é o plano onde se desenrola a imaginação, assim como o empirismo-positivista e o senso comum. Para Kant espaço e tempo são formas a priori da intuição, que pre-para os dados sensíveis para a ação do entendimento 171. Somente os fenômenos são espaço-temporais, enquanto que a coisa-em-si por não poder ser apreendida espaço-temporalmente escapa à intuição sendo por isso incognoscível para o entendimento 172. Mas quando o fenômeno é refletido em sua infinitude interna, o tecido espaço-temporal é dobrado em-si-mesmo e todo o universo reflete-se num grão de areia.

Nesse espaço intensivo as interações não são locais, mas psicológicas, por isso os físicos que penetram nas profundezas da matéria descobrem a subjetividade refletida nos fenômenos, assim como Jung descobriu o mundo material ao penetrar nos recônditos da subjetividade, o que o levou a formular o conceito de sincronicidade. Esse movimento dialético já era conhecido pelos budistas que ao mergulharem em-si-mesmos em suas meditações redescobriam o mundo como ele era em-si-mesmo.  Subjetividade interior e objetividade exterior são categorias reflexivas, se imergirmos em uma acabamos na outra.

            Jung acreditava que tanto sua psicologia como a nova física estavam trabalhando com a mesma realidade apenas de perspectivas opostas. Os físicos a partir do mundo objetivo da matéria enquanto os psicólogos a partir do mundo subjetivo da psique 173. Para ele na esfera do arquétipo-em-si matéria e psique eram uma só e mesma coisa. Quando os físicos adentraram no interior do átomo descobriram que as partículas que o compõe ocupam um espaço insignificante, sendo todo o resto vazio. Costumamos considerar o espaço vazio e a matéria sólida, mas na verdade não há essencialmente nada em toda e qualquer matéria, sendo ela total e completamente insubstancial. Gostamos de pensar o átomo como uma esfera dura, um ponto microscópico de matéria densa concentrada em um núcleo cercado por uma nuvem de elétrons, mas mesmo o núcleo aparece e desaparece com tanta facilidade quanto a nuvem probabilística de elétrons que o circunda. O que de mais sólido se pode dizer dessa matéria insubstancial, é que ela se parece com um bit concentrado de informação, com um pensamento, uma idéia. Logo o que denominamos matéria seria melhor descrito como uma material-idealidade, ou ideal-materialidade, ou, em uma linguagem alquímica, uma pedra filosofal.

             O arquétipo-em-si que une matéria e subjetividade não está nos genes, no corpo biológico ou em qualquer espaço local, mas é pensamento, conceito, unidade da unidade e da diferença da materialidade e da subjetividade, cuja incognoscibilidade é na verdade o próprio fundamento da cognição. O conceito de arquétipo-em-si foi uma forma de Jung se esquivar da questão metafísica da natureza de Deus, pois o permitia projetá-la no reino das essências incognoscíveis. Assim quando questionado acerca do fundamento da sua psicologia ele podia responder que era total e completamente incognoscível, e ele, como um empirista, evitava especulações metafísicas. O conceito de arquétipo-em-si psicóide era uma latrina onde Jung jogou todas as questões mais importantes da sua psicologia, inclusive aquela que lhe arrebatou na infância e o perseguiu durante toda a sua vida: seria Deus acessível apenas a fé e não a razão? Se olharmos sua construção conceitual fica claro que sim, e por mais que protestasse contra seu pai, seu tio, e contra todos aqueles que desprezavam a razão na relação com Deus ele, durante toda a sua vida, nada mais fez do que refinar essa posição. Afirmar que trabalha apenas com a imagem psíquica de Deus e não com Deus-em-si-mesmo, deixa a divindade intocada, imune a qualquer afirmação que se faça dela, por mais perspicaz que seja. No volume XI das Obras Completas Jung afirma:

Não espero que nenhum cristão crente siga o curso destas idéias, que talvez lhe pareçam absurdas. Não me dirijo também aos beati possidentes (felizes donos) da fé, mas às numerosas pessoas para as quais a luz se apagou, o mistério submergiu e Deus morreu 174.

 

Aqui podemos ver uma mão trabalhando contra a outra, pois é exatamente ao crente que Jung está falando, para aquele que pode ficar seguro em sua posição habitual. Ele pode continuar ir à igreja aos domingos, rezar todas as noites e relacionar-se com Deus da mesma forma como se tem feito há dois mil anos, pois não é de Deus-em-si que Jung fala, mas da sua versão miniaturizada no interior psíquico, um Deus contido num espaço separado do resto do mundo que o circunda. Mas Jung também fala aos ateus, para aqueles que nunca acreditaram, que são contra a suposição de tal entidade ou que são completamente indiferentes a ela, não se importando com sua real natureza pois há coisas mais importantes para se preocupar. O que Jung faz é uma estratégia de indiferença frente a Deus, tanto faz se ele existe ou qual a sua real natureza, afinal tudo o que interessa é como ele é no interior da psique. Sua real natureza não pertence à esfera da psicologia, mas ao reino das essências incognoscíveis, exatamente o mesmo lugar do arquétipo-em-si e por isso ele é a repetição conceitual do mesmo argumento do seu pai e tio, uma formação do mesmo sintoma construída a partir da mesma cisão neurótica entre fé e razão. Fundamentar uma práxis num princípio que não pode ser discutido ou questionado por ser incognoscível é no mínimo uma grande trapaça. Posso fazer toda e qualquer afirmação e se questionado em que ela se fundamenta encerro a discussão dizendo que sigo apenas o que aparece na psique, pois a essência que fundamenta esse aparecer está além da razão e por isso não pode ser questionada.

            A principal base filosófica do conceito junguiano de arquétipo provém de Kant. Para Jung os arquétipos são pré-conscientes 175 por serem a pré-condição para o conhecimento, mas são também totais e completamente inconscientes, incognoscíveis para a cognição que fundamentam, deuses ex machina. Assim não apenas a coisa-em-si era incognoscível, mas a cognição também o era, o que significa que a consciência psicológica não é reflexiva, não é autoconsciência, mas consciência que tem seu objeto fora de si e por isso está exilada de si mesma, do seu próprio fundamento. Cognição psicológica não é autocognição, mas cognição de uma psique que está lá fora, uma imagem que o sujeito cognoscente observa, significando que o logos cognoscente não é psíquico e que a psique não é lógica. A psicologia analítica longe de ser uma totalidade orgânica é, em seu próprio fundamento, um agregado de psique e logos. Mas se a psique tem seu outro-si-mesmo externo a si, então ela é imune a ele, indiferente a ele, e o mesmo vale para o logos, que ao ser um diferente externo, é indiferente a psique, analisa-a de fora, como um cientista que com os materiais higiênicos necessários disseca um animal vivo.

Esse estilo de pensamento externo resulta em uma psique inconsciente de si-mesma, visto que não se diferencia internamente, e um logos igualmente inconsciente, mas com o agravante de que por ser o veículo de consciência da psique sua inconsciência é uma consciência que trabalha expulsando a psique para uma distância cada vez maior de si. Como vimos anteriormente ele faz isso literalizando a psique como uma entidade espacial, um container, que deve recolher constantemente seus conteúdos que estão lá fora, no mundo, sendo essa atividade de interiorização a total expulsão da psique para fora de si-mesma, pois seu estar em-si-mesma é estar imersa no mundo, o que é impossível de ser concebido espacialmente, apenas conceitualmente. Sem ter o logos interno a si, a psique torna-se externa de si-mesma, porque sua interioridade não é espacial, mas relacional. A psicologia analítica não é ainda uma verdadeira psicologia, uma identidade-diferenciada de psique e logos, o que não significa que devemos abandoná-la, pois a cura está na ferida, na cisão interna entre psique e logos, entre imaginação e razão, entre sujeito e objeto. Somente penetrando sem reservas nesse abismo é que ele se tornará o útero partejante de uma real psicologia.

 

TEMPO INTENSIVO

            Mas a cisão neurótica que atinge  psicologia analítica, não se deve apenas ao seu aprisionamento no espaço extensivo, mas também ao conceito extensivo de tempo com o qual trabalha. Espaço e tempo não são separados um do outro. Desde os tempos mais remotos ambos estão relacionados e as primeiras medições temporais eram feitas com base no movimento espacial dos astros no céu. O tempo e espaço são considerados um continuum na física contemporânea.

            O arquétipo-em-si, unidade entre psique e matéria não está distante apenas espacialmente da consciência, no reino das essências, mas também temporalmente, na experiência dos ancestrais. Essa distância temporal  é a contraparte passada da unidade dos opostos que se realiza apenas num tempo futuro. O tempo extensivo mantém o passado distante do presente e este distante do futuro. Assim Jung pode dizer que os arquétipos são sedimentos de vivências recorrentes do nosso passado primordial, e que surgem em nós na forma de possibilidades virtuais de experiência. O tempo extensivo desempenha então um papel similar ao do espaço, visto que Jung projeta o que está presente no passado e no futuro.

            Em um dos seus escritos Jung critica a psicanálise freudiana por localizar as causas da neurose no passado, afirmando que elas devem ser procuradas na vida presente do paciente 176. Façamos o mesmo com a práxis junguiana, procuremos as causas do devir psicológico não no passado e nem no futuro, mas no presente absoluto.

             Para curarmos essa cisão temporal é necessário dobrar o tempo extensivo em-si-mesmo, da mesma forma que foi feito com o espaço. Na leitura dialética da obra freudiana realizada pelo psicanalista francês Claude Le Guen, destaca-se o tratamento reservado aos conceito de apoio e a posteriori, que em Freud estão desvinculados um do outro. Para Le Guen a psique funciona  dialeticamente, sendo habitada pela contradição e pela história, cujo movimento é caracterizado pela coniunctio oppositorum dos mecanismos de apoio e a posteriori 177.

O conceito de apoio explica o modo como a sexualidade se apropria das funções autoconservadoras. Um bebê que não se alimenta morre, mas quando o bebê substitui o mamilo ou o bico da mamadeira por um dedo é sinal de que algo além da sobrevivência está em jogo. A sexualidade nascente apoia-se sobre o instinto autoconservador de mamar, conservando a zona corporal onde ele ocorre, a boca, mas negando o caráter alimentício do objeto, que torna-se sexual, auto-erótico, pois serve ao propósito de descarga das tensões acumuladas. O seio perde as características físicas de lactação e ganha traços mentais ao ser integrado numa fantasia, funcionando como um objeto da pulsão em sua eterna busca de evitar o desprazer, e por isso servindo ao princípio de prazer que suprassume as funções autoconservadoras do organismo. Isso se repete em outras funções vitais criando toda uma série de representações psíquicas ligadas a uma zona corporal erogeinizada. Le Guen amplifica o conceito para o funcionamento temporal da psique como um todo. A principal característica do apoio é que um antes indica um caminho a um depois. O posterior ocorre num campo de possibilidades delimitado pelo que ocorreu antes, excluindo desenvolvimentos que em tese poderiam ter acontecido 178.

Em um rio as águas correm seguindo a inclinação do leito, apoiando-se nele, mas o fluxo da correnteza ao depositar sedimentos trazidos pelas águas, erode as margens e o fundo alterando a posteriori o próprio leito que antes determinava a direção do fluxo. Do mesmo modo o tratamento analítico pode exercer um profundo impacto sobre o que aconteceu no passado, pois mesmo que não altere o fato literal que ocorreu, transforma a posteriori o sentido que esse fato tem na vida do paciente 179.

 Le Guen chama este devir de dialética psíquica. Esse é o fio condutor da análise permitindo que os objetos infantis sejam deslocados das posições em que ficaram coagulados. Se forem tomados isoladamente esses mecanismos não são contraditórios sendo apenas diferentes um do outro. Não é necessário recorrer à negação dialética para compreender que o passado possa determinar o sentido do presente nem que o atual possa alterar o sentido do passado. Para que o apoio-a posteriori seja considerado dialético é preciso ressaltar que não há primeiro um apoio e depois um a posteriori, mas uma conjunção onde um só é porque o outro é. Apoio e a posteriori não estão isolados um do outro, mas são momentos diferentes de um só e mesmo devir, que renova ao negar, conservar e ultrapassar o antigo. O que a posteriori ressignificou o passado, servirá por sua vez de apoio para uma nova ressignificação a posteriori, pois vida é história, renovação que nega o passado de forma absoluta ao conservá-lo como um momento do infinito devir.

O tempo psicológico não é linear, extensivo, pois não flui apenas num sentido, do passado para o presente e deste para o futuro, mas também flui do futuro para o presente e deste para o passado. Futuro, presente e passado se co-determinam e a psicologia lida com um passado que é presente e um presente que é passado, e com um futuro que é presente e um presente que é futuro, ou seja, com um presente absoluto, unidade autocontrária de passado e futuro. Se uma pessoa é intensamente religiosa e acredita que se não praticar boas ações irá para o inferno, essa perspectiva de futuro produz resultados bastante concretos no seu presente, podendo provocar muito sofrimento na medida em que ela se vê incapaz de ser somente uma boa pessoa. Os líderes dos grandes governos ocidentais pré-vendo futuros ataques terroristas, programaram uma série de ações com o objetivo de preveni-los, provocando uma série de transformações no presente cotidiano de bilhões de pessoas.

O presente não apenas determina e é determinado pelo passado, mas também determina e é determinado pelo futuro. Por ser unidade autocontraditória do passado e futuro, porta em si as sementes da sua própria negação, de um futuro ainda incerto que pressiona para nascer. O presente é o momento imanentemente negativo que desvanece assim que germina, tornando-se desde já passado e sendo sempre um futuro que estar por vir. Ele é uma flor que suprassumiu o botão de onde nasceu e carrega as sementes do fruto que a sucederá sendo assim uma trans-imanência, uma imanência que por conter o negativo em-si é devir que transcende a si-mesma.  

             Partindo desta concepção intensiva de tempo é possível refletir mais profundamente sobre duas questões de grande importância para psicologia, o inato e o originário. Os dois são na verdade uma só questão vista de dois ângulos diferentes.

Os recentes avanços na genética acirraram o antigo debate natureza vs cultura. Neste debate os culturalistas têm demonstrado uma posição mais unilateral ao defenderem que toda experiência humana é baseada apenas na interação com a cultura, e que antes da aquisição da linguagem não passamos de uma tábula rasa. Os naturalistas, descontando alguns exageros, defendem uma experiência bifacial, onde o humano é interação entre genética e cultura. Se uma pessoa tem uma predisposição genética para o câncer isso não significa que ela irá desenvolver a doença, pois o que determinará o papel desempenhado pelos genes é a sua interação com a cultura, que pode ativá-los ou desativá-los. Se essa pessoa torna-se no decorrer da sua vida um fumante inveterado, terá nas mãos uma bomba relógio.

A experiência humana como um todo é produção histórica que tem seu apoio na genética e seu a posteriori na vivência cultural, sendo assim um presente que é passado porque é determinado pelos genes advindos dos nossos ancestrais, e um passado que é presente porque a interação cultural filtra e determina a presentificação da genética no comportamento humano. Se não houvesse algo na genética humana que a predispusesse para a cultura seria possível ensinar um gato ou um cachorro a falar. Se não houvesse na natureza humana um instinto lingüístico, uma predisposição para aprender a linguagem, o trabalho de desnaturalização operado pela língua seria impossível. A natureza humana é contra naturam, porta em si mesma as sementes da sua negação absoluta que não apenas nega a natureza inata, mas a conserva elevando-a a um novo nível de complexidade ao torná-la parte de um movimento autocontrário de apoio-a posteriori e não mais uma natureza encerrada em si mesma, abstraída da cultura.

A psicologia analítica e a psicanálise têm concepções opostas, mas complementares em relação ao originário. Para a psicologia analítica o originário baseia-se na infância cultural do homem, sendo a infância pessoal determinada por ela. A vivência infantil é então abordada a partir de conceitos como matriarcado e patriarcado, oriundos do estudo da história da cultura como um todo. Para a psicanálise a infância pessoal determina a vivência cultural, mesmo à dos nossos antepassados. Representações culturais coletivas como a santa ceia, o mito do herói, o casamento sagrado entre céu e terra, seriam sublimações de vivências infantis. Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?

A construção do conceito concreto de inconsciente infantil se deu a partir da personalização do que antes era visto como a vida mítica dos deuses e heróis. A experiência subjetiva individual tornou-se possível na atualidade graças à encarnação do mítico no humano.

Foi necessário um depauperamento dos símbolos para que se descobrisse de novo os deuses como fatores psíquicos, ou seja, como arquétipos do inconsciente. (...) Desde que as estrelas caíram do céu e nossos símbolos mais altos empalideceram, uma vida secreta governa o inconsciente. É por isso que temos hoje uma psicologia, e falamos do inconsciente. Tudo isso seria supérfluo, e o é de fato, numa época e numa forma de cultura que possui símbolos180.

Somente com a introjeção do mítico no humano é que tornou-se possível afirmar que o mítico era uma projeção do humano. Essa introjeção é a fonte da psicologia individual, que através da teoria de um espaço inconsciente intra-pessoal, reencontra as categorias suprapessoais que antes estavam presentes na natureza, no céu, no mundo inferior.

O termo “projeção” não é muito apropriado, pois nada foi arrojado fora da alma; o que ocorre é que a psique atingiu sua complexidade atual através de uma série de atos de introjeção. Essa complexidade tem aumentado proporcionalmente à desespiritualização da natureza. Uma entidade inquietante da floresta de outrora chama-se agora “fantasia erótica”, o que vem complicar penosamente nossa vida anímica 181.

Isso se deu graças a um processo de luto que ocorreu quando os avanços das ciências naturais permitiram constatar que não havia nada de divino na natureza, nenhum deus ou espírito que nela atuasse. Para Freud quando uma pessoa perde um ente querido os traços mnêmicos associados às experiências daquela pessoa retornam sobre o eu, que se identifica então com o ente perdido 182. Nesse caso o é luto vivido pelo anthropos, o homem universal, personificação do conceito concreto de humanidade dentro do qual vivemos 183. A humanidade perdeu seus pais míticos e os introjetou. Assim os viventes da cultura contemporânea ao olharem para dentro do seu espaço interior subjetivo encontram sedimentos míticos na forma de suas próprias experiências pessoais 184.

Esse reencontro não ocorre apenas através de uma atitude introspectiva, mas também quando se penetra na interioridade da ciência objetiva. É de uma peculiar ironia que a física, a mais materialista das ciências, reencontre em seu núcleo duro a mística oriental e tenha se tornado uma das principais fontes de inspiração do movimento espiritual da nova era.       

Também é possível afirmar que não se trata propriamente de uma introjeção, mas de um recolhimento da projeção, que estamos devolvendo a mitologia ao seu lugar de origem, a experiência subjetiva humana. Qual vem primeiro? Nenhum dos dois e os dois, pois todo saber contemporâneo apoia-se na experiência mítica ao mesmo tempo em que a ressignifica posteriormente. Estamos total e completamente enraizados no presente sendo impossível observar com neutralidade o passado que é fonte do próprio presente onde nos enraizamos. Olhamos para o passado a partir do que vivemos no presente e na medida em que alteramos o presente olhamos para o passado de forma diferente e descobrimos nele as causas para essa nova forma de ser presente. É o presente absoluto retornando infinitamente a si-mesmo.

            A psicoterapia, enquanto processo de reconstrução da história do paciente, é arqueologia do passado que transforma o modo de abordá-lo ao alterar o presente que é causado por este passado, e que por isso causa um novo olhar para o passado que é a causa desse novo presente. Presente e passado são causa e efeito um do outro, e nada existe na causa que não esteja no efeito, assim como não há nada no efeito que não esteja na causa. O que é efeito é uma causa com efeito próprio e o que é primeiro causa é em-si-mesma, efeito e tem uma causa adicional própria. Causa e efeito contém um ao outro sendo inseparáveis.  Ao produzir um efeito, a causa torna-se causa sendo por isso causa de si-mesma, logo efeito de si-mesma. O efeito é causa porque somente sua ocorrência faz com que a causa seja uma causa, pois o que define uma causa é a sua capacidade de gerar efeito, logo a causa é efeito porque se faz causa pelo seu efeito. Quando a reciprocidade entre causa e efeito é desfeita o resultado é a má infinitude, a regressão infinita onde qualquer causa é efeito não do seu próprio efeito, mas de alguma outra causa e qualquer efeito é causa não da sua própria causa, mas de algum outro efeito. Explicar qualquer evento em-si-mesmo torna-se impossível, pois seus antecedentes causais regridem infinitamente 185. Jung escapou da má infinitude impossibilitando a cognição da causa, do arquétipo-em-si.

A dialética é assim uma forma sofisticada de tautologia, uma lógica urobórica, autopoiética, onde o movimento de partida, a causa em que se apoia, e o movimento de chegada, o efeito posterior, retornam infinitamente um sobre o outro, interiorizando um ao outro no absoluto que é o alfa e o ômega de todo o movimento, porque ele é esse movimento que interioriza a si-mesmo. Trata-se de um pensamento nômade que não se movimenta no exílio do espaço extensivo, mas na própria terra prometida do absoluto, sendo assim movimento de eterno aprofundamento num único e mesmo conceito que está implícito em todo e qualquer conceito, e que por isso é o conceito absoluto, identidade da identidade e da diferença. A explicação dialética é nada mais, mas nada menos, do que o desdobramento de tudo que está implicado nessa relação de exterioridade-interna. Ela é a totalidade consciente de si mesma, pois uma verdadeira totalidade não pode ter nada fora de si e por isso sua consciência não pode ser externa a si, já que isso seria uma contradição em termos.

            A dialética é o saber absoluto, imanente a tudo no momento mesmo em que se torna um objeto de conhecimento. Por isso ela é virtualmente presente em todo e qualquer saber, inclusive naqueles cujo fundamento é oposto à circularidade que a fundamenta.

 

EMPIRISMO UROBÓRICO

            A física, a biologia e a química são ciências naturais cujo fundamento é o empirismo, que busca a verificação das suas hipóteses fora de si, na natureza enquanto objeto dado independente do observador. Mas é preciso lembrar que as diversas teorias que compõem as ciências naturais não começam do zero, da experimentação pura e simples, mas são baseadas em outras teorias que a precedem e por isso são narrativas circulares, teorias fundamentadas em outras teorias, narrativas de outras narrativas 186.

            Outra característica circular se deve ao fato de que todo saber encoraja as pessoas a acreditarem em certas coisas. Mesmo as teorias pós-modernas que atacam o conceito de verdade tentam persuadir o público a acreditarem na verdade de que não existe verdade. Até as teorias que testam suas hipóteses em experimentos laboratoriais estão envolvidas com algum grau de retórica, visto que tentam, através de argumentos verbais refinados, comunicarem de forma convincente que a explicação dada para os experimentos é a melhor possível graças a sua coerência interna e por isso as conclusões a que chegaram são válidas 187.

Uma outra forma de circularidade é intrínseca ao fundamento empírico das ciências naturais. Esse empirismo arrasta a teoria para fora de si, para natureza, que enquanto objeto de estudo só pode ser explicado a partir de causas naturais. Em nenhum momento de sua investigação é permitido buscar qualquer forma de recurso a qualquer fator externo, sobre-natural ou extra-natural 188. Assim todos os fatores estranhos à natureza como destino, Deus, espírito ou éter estão totalmente excluídos porque são míticos ou teológicos, violando o total comprometimento da ciência natural com seu a priori, a natureza. Uma frase de Jung sobre a auto-suficiência da imagem de fantasia aplica-se perfeitamente a relação que as ciências naturais mantêm com seu conceito chave. “Cuide-se antes de tudo de não permitir a entrada de nada de fora que não pertença a isso, pois a fantasia tem tudo em si de que precisa” 189.

A natureza é autopoiética, uma realidade espontânea e autônoma que origina a si mesma e não o resultado de algum deus ex machina. A natureza não é o resultado secundário da vontade de alguma entidade supra-natural que poderia ou não tê-la criado dependendo do seus caprichos, mas uma realidade primária que não necessita de qualquer justificativa fora de si mesma. Por isso qualquer estudo que busque as causas da natureza deve encontrar nela essas causas. Essa atitude em relação à natureza é uma versão refinada do deus sive natura de Espinoza. O comprometimento das ciências naturais com seu a priori é plenamente visível toda vez que alguém argumenta que suas teorias são recheadas de lacunas e tentam introduzir alguma forma de atividade extra-natural a partir delas. Mesmo reconhecendo que estas lacunas existem e são por demais amplas, as ciências naturais se recusam a buscar refúgio em qualquer explicação externa ao seu objeto de estudo, visto que essas lacunas são essenciais para o progresso das suas teorias ao garantirem que a natureza é a priori completamente aberta e fundamentalmente desconhecida. A atitude empírica diante da natureza é a garantia da permanência destas lacunas porque elas funcionam como portas de entrada para este labirinto infinito que está à espera de ser percorrido por qualquer um que se aventure a penetrá-lo. Por isso o deus sive natura é irremediavelmente um deus ausente, e essa ausência é o que torna a investigação científica possível e necessária 190.

A ausência divina como condição a priori prende as ciências naturais a uma procura inescapável do primeiro princípio desconhecido, uma busca que as leva a mergulharem cada vez mais fundo em seu objeto de estudo, elevando-as a níveis cada vez mais complexos e sofisticados. Na antiguidade mítica as causas da natureza eram ontologicamente presentes na forma de vários deuses, como Pã e as variações do tema da grande mãe. Todos eles eram epifanias dessa causa primeira e por isso a relação com a natureza era fundamentalmente de reverência. Com a chegada do cristianismo a causa primeira não era mais epifanicamente visível, mas podia ser abordada através da fé. Se a causa primeira da natureza precisa aprioristicamente estar ausente para que as ciências naturais sejam possíveis, a atitude que as norteia é uma petição de princípio, visto que adota como ponto de partida, ainda que sob uma outra forma, o que pretende demonstrar, que a natureza é em sua essência atéia e por isso incompleta 191. Parafraseando a alquimia: o que a natureza deixou incompleto, a ciência aperfeiçoa.

 Numa época onde a ciência ursupou a hegemonia da religião no mundo social, qualquer forma de fé depende de uma atitude subjetiva, de uma escolha individual por parte do crente que no mercado do sentido escolhe a religião que mais satisfaz suas angústias existenciais. Qualquer crença que se queira objetiva entra em oposição com o ateísmo científico que é o real motor do progresso contemporâneo. Por não possuir argumentos refinados o suficiente para desafiar a complexidade das teorias científico-empíricas o crente compensa inflando o componente emocional do seu argumento, o que na verdade só acentua ainda mais o caráter subjetivo da sua crença, sendo o resultado final dessa inflação subjetiva o fundamentalismo religioso. Por isso tal fundamentalismo floresce tão fertilmente na era da razão empírico-científica, conquistando cada vez mais adeptos na sociedade dominada pelos instrumentos tecnológicos criados por essa razão. Ele é o outro lado da moeda tecnicista-utilitarista. Enquanto um estende suas garras dominando brutalmente o mundo objetivo, o outro viceja no coração subjetivo. O resultado é o fundamentalismo terrorista, que se apropria da tecnologia para usar como arma contra a cultura pervertida pelo consumismo tecnológico que criou as armas que eles próprios utilizam. Isso impulsiona os governos a fornecerem grandes somas de capital para a ciência empírica aprimorar a tecnologia que irá frustrar os ataques terroristas. Tecnologia esta que será novamente apropriada pelos terroristas que as usarão em nome da sua fé gerando assim um círculo vicioso de terror, violência e morte inocente. Essa circularidade destrutiva é a manifestação extrema da neurose coletiva de uma cultura onde os cidadãos vivem em um mundo objetivamente ateu, totalmente tecno-cientificizado, enquanto subjetivamente continuam acreditando em Deus da mesma forma redundante que há dois mil anos, como se nenhuma transformação cultural houvesse acontecido.

            Da mesma forma como o fundamentalismo subjetivo não permanece interno, mas invade o mundo objetivo com o propósito de se apropriar dele, também o ateísmo objetivo não permanece restrito ao mundo externo, penetrando sub-repticiamente nos corações subjetivos na forma de um luto melancólico generalizado, um sentimento de que algo falta que inflama um desejo não se sabe de quê, causando uma depressão coletiva e forçando as pessoas a diminuírem o ritmo acelerado à velocidade de um bit computacional da nossa cultura tecnomaníaca. Essa falta é tamponada com o consumismo de produtos superficiais criados pela tecnologia que servem apenas para matar o tempo enquanto a morte não chega. Uma morte cada vez  mais temida por uma sociedade escravizada pelo ideal de juventude eterna, mas cujo temor fóbico revela seu desejo secreto como única forma de aplacar a falta ontológica que a consome. O consumo maniacamente voraz de drogas lícitas criadas pela fármaco-tecnologia, cujo objetivo é curar a depressão coletiva é o outro lado do consumo mortífero de drogas ilícitas que jogam cada vez mais pessoas no vício, criando uma  verdadeira epidemia. Fiel até a morte ao seu produto, o viciado é a sombra do bom consumidor capitalista.

 

CIRCULARIDADE TAQUIÔNICA

Uma outra forma de circularidade, bem mais profunda e revolucionária, nos leva novamente ao interior da física subatômica, cuja matemática vem quebrando todas as barreiras impostas ao pensamento.

A idéia de que existe uma barreira ao deslocamento dos corpos nasceu em  1905 com a publicação da teoria da relatividade de Einstein. Esse limite de velocidade é de  300.000 km/h e corresponde a velocidade da luz. Imaginemos que um foguete partisse da terra em perseguição a um raio luminoso. Com o seu motor ligado a nave aceleraria e de início nada impediria que o motor continuasse acelerando o foguete até a velocidade se tornar maior que a da luz. Mas um observador na terra que estivesse monitorando a nave perceberia depois de certo tempo, na medida em que a velocidade aumentasse, que a aceleração obtida não corresponderia ao esforço do motor e quanto mais próximo estivesse da velocidade da luz, mais combustível precisaria ser gasto para conseguir um aumento cada vez menor de velocidade. O observador interpretaria esse fato como um contínuo aumento da massa da nave, que cresce sem limite ao aproximar-se da velocidade máxima do universo. A massa extra torna o foguete mais resistente à aceleração e nenhum acréscimo de impulso seria capaz de fazê-lo atingir aquela velocidade. Até agora não há nenhum aparelho capaz de realizar tal teste, mas é possível acelerar partículas subatômicas a uma velocidade quase igual a da luz, que jamais foi superada em nenhum experimento 192.

Mas a teoria da relatividade não faz nenhuma restrição a objetos que sejam sempre mais rápidos do que a luz. Daí surgiu a idéia dos táquions (coisa que anda depressa), partículas cuja velocidade nunca é inferior a da luz, e por isso também obedecem ao limite de movimento só que no sentido inverso do usual. Se de fato existirem, inversão seria a principal característica dos táquions. As partículas comuns têm mais energia quando se deslocam mais velozmente, mas os táquions perdem energia quando são acelerados e se tiverem energia zero sua velocidade será infinita, cruzando o universo instantaneamente, pois o conceito comum de massa não se aplica a essas partículas que tem o que no jargão teórico se chama massa imaginária. Enquanto seria preciso gastar energia para acelerar massas comuns, deve-se realizar trabalho para desacelerar um objeto taquiônico 193.

O simples fato de a natureza permitir a existência dos táquions não significa que eles efetivamente existam, logo é preciso investigar se são reais ou meras hipóteses e, se são reais, onde seria possível encontra-los. Uma possibilidade seria o Big Bang, a grande explosão que originou o universo, pois afinal foi lá que se produziu tudo que existe. Talvez a tórrida fase primordial tenha deixado resíduos taquiônicos que posteriormente se espalharam pelo espaço, sendo possível que sejam uma parte do que se conhece por matéria escura, partículas ainda desconhecidas pelos cientistas que compõe parte da massa do universo. Para testar essa possibilidade é preciso saber como os táquions se comportam em um universo em expansão 194.

Um gás composto de partículas comuns se torna mais frio quando se expande, portanto uma molécula qualquer do gás que está em estado de agitação reduz sua energia, aquietando-se com a expansão. Por isso o intenso calor do Big Bang se diluiu na medida em que o espaço-tempo onde está contida toda a matéria do universo se expandiu. Um gás de táquions também perde energia com a expansão do universo, mas isso em vez de aquietá-lo o aceleraria. Desse modo o gás se agitaria de forma crescente ao longo da expansão e quando as partículas chegassem à energia zero e sua velocidade se tornasse infinita, estariam em todos os lugares simultaneamente e o tempo não passaria para elas. Diz-se que então que tais partículas deixam de existir no espaço-tempo, sendo esse o efeito que a expansão do universo exerce sobre elas. Caso esse tenha sido o destino de todos os táquions produzidos pelo Big Bang, a maior chance de encontrá-los seria numa experiência de física de partículas 195.

Em  197 4 um grupo de pesquisadores na Universidade de Adelaide na Austrália registrou o trajeto de uma partícula num tempo tão curto que só poderia ter sido feita em velocidade superior à da luz. A partícula foi vista em raios cósmicos criados na alta atmosfera pelo choque de núcleos atômicos vindos do espaço. Apesar disso todas as tentativas posteriores de reproduzir a experiência fracassaram e como em ciência empírica uma experiência que não pode ser repetida não é real, muitos físicos estão atualmente céticos, sendo esse ceticismo agravado por obstáculos de ordem teórica e filosófica 196.

O centro das dificuldades é a dedução da teoria da relatividade de que um objeto capaz de superar a velocidade da luz também pode viajar para o passado, movendo-se no sentido oposto ao do tempo e invertendo completamente a idéia de causa e efeito. Se codificássemos mensagens em sinais taquiônicos da mesma forma que fazemos com ondas de rádio, seria possível para duas pessoas estabelecerem um diálogo invertido, onde uma delas receberia a resposta de uma mensagem ainda não enviada para o seu parceiro, podendo até afirmar que a resposta causou a pergunta que iria enviar. Através das ondas taquiônicas uma pessoa poderia até mesmo enviar uma mensagem para si mesma no passado. Para muitos físicos esses paradoxos impugnam por completo o conceito de táquions. Mas há modelos matemáticos bem precisos que demonstram a possibilidade da sua existência, e partindo disso muitos físicos invocam uma regra informal da ciência que afirma que se algo não é estritamente proibido a natureza tende a produzi-lo, de uma forma ou de outra 197.

Os táquions oferecem um modelo alternativo, mas tão revolucionário quanto o modelo de Bohm para o paradoxo EPR. Neste modelo haveria comunicação entre os dois elétrons a partir de sinais taquiônicos que se moveriam mais rápidos do que a luz, o que explicaria a conjunção do movimento entre os dois. O modelo taquiônico também explica porque quando não se está observando um elétron ele é uma onda de possibilidades. O nome partícula dá a entender que se trata de uma coisa sólida, mas as partículas subatômicas não possuem contornos bem definidos. Elas parecem estar em vários lugares ao mesmo tempo porque se assemelham a uma onda expandida de localizações possíveis que no instante em que é observada encaixa-se em uma posição específica. Partículas não são entidades, mas tendências e ao invés de pensá-las como coisas é necessário pensá-las como possibilidades. Por conseqüência o reino subatômico seria composto por faixas de realidade potencial até que se escolha uma 198.

Como os experimentos com o mundo subatômico ocorrem principalmente através de instrumentos que disparam raios de luz sobre as partículas, a interação entre observador e observado, que faz com que o primeiro escolha a posição do segundo dentre as múltiplas possibilidades, precisa ocorrer a uma velocidade maior que a dos raios de luz. É aí onde os táquions entram. A construção da entidade chamada partícula tem início antes da sua materialização, quando ela está num estágio de porosidade indefinida, uma espécie de pré-matéria chamada de função de onda quântica. Essa função representa a probabilidade da ocorrência de um evento, que neste caso é a manifestação de uma partícula numa localização determinada. Essa onda se movimenta e se ela cobre a faixa de eventos mais rápidos do que a luz chamada táquions, então é a partir dela que a matéria torna-se algo realmente material e não um nevoeiro de indeterminações. Isso ocorre porque ela flui mais rápido do que a luz entre dois eventos indo do observador ao observado e dobrando sobre si ao dar uma meia volta no espaço-tempo, a semelhança de um rio que partindo da sua fonte escoa para um sorvedouro ao mesmo tempo que reflui do sorvedouro para a fonte. Na linguagem quântica diz-se a onda é multiplicada pelo seu “self complexo-conjugado” para gerar as probabilidades do real. Esse duplo fluxo ocorreria em qualquer interação experimental entre o observador e o mundo subatômico observado. Esse reforço entre a onda quântica e a sua imagem espaço-temporal invertida cria o que nomeamos como partículas, os tijolos básicos da construção daquilo que chamamos matéria que é a coluna de sustentação do nosso conceito de realidade 199.

As ciências naturais portam diferentes tipos de circularidade implícitas no que em aparência deveria ser o contrário de uma tautologia, e quanto mais ela se aprofunda no seu objeto, a natureza material, mais essa circularidade salta aos olhos. Quando ela atinge a essência da natureza, a prima matéria subatômica que a compõe, a separação entre observador e observado, bússola da atitude empirista, dissolve-se no ar.

O modelo taquiônico e o modelo holográfico são dois candidatos ao santo Graal da física contemporânea, pois unificariam a teoria da relatividade e a teoria quântica. No modelo holográfico, que enfatiza as interações não locais, o espaço é interiorizado em-si-mesmo. No modelo taquiônico com suas partículas que retornam ao passado, é o tempo que é dobrado em si-mesmo. A circulação mais rápida que a luz da onda taquiônica, que parte do observador para o observado e retorna sobrepondo-se a si-mesma, cria as partículas observadas na medida em que elas são reveladas.

Usualmente se considera que revelação e criação são excludentes. Ou se revela algo que já existia antes, ou se cria algo novo, inexistente até o ato que o concebeu. Mas no modelo taquiônico os físicos criam o mundo subatômico à medida que o revelam através das suas observações. “Fica patente que por trás da assim chamada cortina, que deve cobrir o interior, nada há para ver; a não ser que nós entremos lá dentro - tanto para ver como para que haja algo ali atrás que possa ser visto” 200. Winnicott deparou-se com o mesmo paradoxo ao estudar os objetos com os quais os infantes brincavam. Esses objetos não eram externos nem internos, mas os dois, e por isso Winnicott os chamou de transicionais.

Seria pertinente lembrar aqui que a característica essencial do conceito de objetos e fenômenos transicionais (conforme minha apresentação do assunto) é o paradoxo e a aceitação do paradoxo; o bebê cria o objeto, mas o objeto estava ali a espera de ser criado e de se tornar um objeto catexizado. Tentei chamar a atenção para esse aspecto dos fenômenos transicionais, reivindicando que, pelas regras do jogo, todos sabemos que nunca desafiaremos o bebê a dar a resposta à pergunta: você o criou ou o encontrou? 201

            O mesmo pode ser afirmado acerca do descobrimento da América. Revelou-se um imenso território desconhecido que se tornou o que é na atualidade graças à invenção de uma nova forma de fazer comércio que foi o que impulsionou Colombo a procurar uma nova rota para as Índias. A América não é apenas um pedaço de terra, mas também um território cultural e por isso não foi apenas descoberta, mas criada 202.

            A descoberta freudiana do inconsciente (no sentido psicodinâmico do termo) tornou-se possível a partir da criação de uma nova forma de tratamento das neuroses, a talking cure. Se Freud não tivesse abandonado o tratamento hipnótico jamais teria revelado a psique inconsciente para o mundo. Mas foi também graças ao encontro às cegas com o inconsciente durante os tratamentos hipnóticos que ele percebeu a inadequação desse método de tratamento. A psicanálise não apenas revelou o inconsciente, mas o criou como o conhecemos hoje.

A transferência, o motor da cura pela fala, é revelada no decorrer do tratamento, mas também é criada por ele, visto que tem inicio no momento em que alguém decide procurar um analista supondo que este sabe algo que o paciente ignora a respeito de si mesmo. O setting analítico se organiza de forma a criar aquilo que pretende revelar, sendo causa da ignorância do paciente a respeito da sua história e efeito dessa situação de ignorância. O paciente não descobre o seu passado tal qual o experenciou, mas o vivencia como sendo criado pela primeira vez no e através do tratamento 203. Daí o efeito surpreendente dessa recognição.

 

ACASO E NECESSIDADE

Como a circularidade dialética é absoluta o fechamento do círculo é também sua abertura às contingências históricas. Somente aceitando o acaso como inerente ao processo histórico pode a psicologia ser uma lógica do concreto. Isso implica que uma tese nem sempre possui apenas uma antítese, e uma mesma tese e uma mesma antítese podem estar unidas de forma diferente dependendo do contexto histórico em que são abordadas 204. Aqui a história do psicólogo penetra com toda força, pois a dialética como uma lógica da totalidade necessita incluir a história do psicólogo. O contexto total é a unidade autocontraditória da história de vida do estudioso e da vida histórica do seu objeto de estudo, e só se determina completamente a partir do momento em que se torna objeto de conhecimento. Como cada estudioso é atingido de forma diferente pela história, o contexto se determina de forma diferente dependendo do estudioso que o penetra, e o conhecimento que nasce dessa penetração é absoluto, pois o contexto conhece a si mesmo através do estudioso que o pensa a partir de dentro. “Como o processo de confrontação com o elemento contrário tem o caráter de totalidade, nada fica excluído dele” 205.

O real como o conhecemos é regido pela lei universal da busca pela máxima eficiência. Na natureza essa lei se impõe na busca pela sobrevivência atingida através da melhora da engenharia das formas de vida com o menor gasto possível de energia. Na luta pela vida o desperdício pode significar a morte e por isso a economia é vital. Na ciência a eficiência se dá através da busca de uma teoria que explique o máximo de coisas possíveis da forma mais simples possível, sem que isso signifique o embotamento da sensibilidade às complexidades internas do objeto de estudo 206. Por isso é impossível eliminar o acaso de uma teoria. Na física o indeterminismo é central na compreensão da dualidade onda-partícula, enquanto que na biologia o acaso desempenha papel fundamental nas mutações que geram a evolução.

 Uma teoria que elimina o acaso necessita sempre de hipóteses complicadas a serem acrescentadas à teoria principal, ao núcleo duro que elimina a contigência. Basta trazer um único exemplo de acaso para demonstrar a falsidade da teoria, que então é obrigada a formular hipóteses adicionais para explicar o exemplo de acaso, e assim ao infinito 207. O resultado final é uma teoria insustentável ou o dogmatismo, que impõe a explicação através da força e ignora tudo que o contrarie.

Se tudo, até os menores detalhes, fosse rigidamente determinado, não haveria espaço para o livre arbítrio nem a necessidade de assumir responsabilidades. Por isso o acaso é necessário em uma explicação da totalidade. O acaso é necessário? Mas acaso e necessidade não são excludentes? Não, pois necessidade absoluta é a outra face da contingência absoluta, a contingência que é necessária no movimento interiorizante de Deus em-si-mesmo. Não é apenas este ou aquele evento contingente específico que é necessário, mas a própria contingência. Ela atravessa todo o movimento de apoio-a posteriori que caracteriza a história.

A forma que uma história assume é uma necessidade absoluta e por isso fruto do acaso. A história da evolução da espécie humana é a história de vários eventos aleatórios que em conjunto fizeram dela o que é atualmente. Poderia não ter acontecido assim, poderíamos não ter as mãos e os pés com esse formato, poderíamos ser mais geneticamente diversificados se diversas catástrofes naturais não tivessem dizimado vários dos nossos ancestrais. A priori nada garantia que nós seríamos o resultado, mas como assim o foi esses eventos aleatórios passam a ser necessários, pois se não fosse por eles não seríamos o que somos hoje. O que seríamos se os acasos da história levassem nossa espécie para outros caminhos? Que forma teria a nossa cultura se Marco Antônio não tivesse se apaixonado por Cleópatra, ou se ambos tivessem vencidos a batalha contra Roma? Como seria o presente se Napoleão não tivesse chegado a idade adulta? O que teria acontecido se Hitler tivesse morrido quando lutava como soldado na primeira grande guerra? O que a priori é acidental, a posteriori transmuta-se em destino, pois estamos enraizados num presente que não seria o que é se o passado não tivesse sido o que foi. Na medida em que o presente é esse e não outro ele torna a posteriori o passado necessário. Não podemos alterar os fatos do passado, mas podemos transmutar a posteriori o seu significado.

 

PSICOLOGIA: ANALÍTICA OU DIALÉTICA?

Em uma palestra no Congresso Internacional de Medicina em Londres no ano de  1913, Jung pela primeira vez definiu sua práxis como psicologia analítica e não psicanálise 208. Bleuler preferia o termo psicologia profunda para indicar uma psicologia que trabalhava com as profundezas inconscientes da psique, mas Jung o achava limitado pois seu método se ocupava tanto do inconsciente como do consciente. 209 Mas a busca por um nome para sua psicologia não parou por aí e na década de trinta ele passou a utilizar cada vez mais o termo psicologia complexa. Toni Wolff notando que ele passara a utilizar o termo para sua psicologia especialmente ao abordá-la do ponto de vista teórico, comentou que o termo “psicologia analítica” era apropriado quando se referia aos métodos práticos de análise psicológica 210. Em  1954 Jung escreveu: “Psicologia complexa significa a psicologia das ‘complexidades’, ou seja dos sistemas psíquicos complexos em contraposição a fatores relativamente elementares” 211. Para C.A.Meier o termo psicologia complexa era menos restrito às associações patológicas do consultório. Mas como o termo não foi adotado pela comunidade de língua inglesa, que depois da segunda guerra foi a mais influente no desenvolvimento da psicologia junguiana, a psicologia de Jung até hoje é conhecida por psicologia analítica 212.

Analisar é decompor um todo em seus elementos ou partes constituitivas, o que geralmente supõe dividi-lo e separa-lo, pelo menos provisoriamente ou intelectualmente. O contrário portanto (mas muitas vezes também a condição) da síntese, que reúne, compõe ou recompõe 213.

 Esse procedimento é válido e necessário desde que não esqueça que as partes são partes porque pertencem a um todo complexo e multifacetado.

Como todas as coisas são causadas e causantes, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e como se sustentam por um vínculo natural e invisível que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, como também conhecer o todo sem conhecer as partes 214.

 

Dialética é análise-sintetizante, separatio et coniunctio, um eros-lógico,  uma teoria-prática. Cada parte só é o que é na relação com sua polaridade, como um imã que por mais que seja dividido, tem sua polaridade positiva e negativa definidas na relação uma com a outra, pois essa relação é a essência conceitual de ambas. A consciência dessa essência complexifica a relação de conhecimento ao captar o que ele é em sua forma mais elementar, identidade da identidade e da diferença, e se aprofundar nos detalhes que a constitui. Ela é teoria que leva em consideração a história do todo ao qual sua prática pertence, sendo por isso práxis, unidade diferenciada de teoria e prática.

Logo a psicologia junguiana não pode ser outra senão psicologia dialética, pois o termo engloba a complexidade do todo, o mergulho na sua profundidade, sua decomposição em formas mais simples e o trabalho prático com a psicopatologia na clínica. Psicologia só é dialética se contempla esses quatros momentos que só são o que são por se entrelaçarem um no outro. Psicologia dialética é um termo útil para diferenciar uma psicologia real que não hesita em mergulhar nas relações de movimento chamadas psique, de uma psicologia abstrata que se contenta com os fenômenos isolados das relações intrínsecas que os fazem serem o que são. Mas psicologia, no sentido estrito do termo, é dialética, e a lógica dialética é uma psicológica, uma lógica da imagem, um conhecimento subjetivo-objetivo, e por isso absoluto do real. A cisão entre psique e logos forçou Jung a trabalhar com o conceito psicóide de arquétipo, pois a redução do logos ao intelecto egóico fez da imaginação, o reino que intermedia intelecto e coisa, o lugar por excelência da psicologia. O que Jung chama de psicóide é em sua verdade psicológico, mas como para ele o logos era sinônimo de pensamento abstrato a unidade da unidade e da diferença teve de ser expulsa para fora da psique tornado-se então algo misteriosamente irracional e incognoscível. Mas afirmar que a psique está no meio, no entre dois, é apenas meia verdade porque sendo o que um ser é em-si-mesmo ela também se situa nos extremos quando um ser é mais extremamente ele mesmo e por isso é também a sua negação. Se o ser está na alma então a alma está no ser, e assim a psique não é exclusivamente interna ao homem, mas é interna a todo e qualquer ser, visto que o ser é relação de diferença-identificante. A psique é a verdade interna a todo e qualquer ser, a aparência-essente, e sendo um outro-em-si, só é ela mesma quando refletida no seu outro-si-mesmo, o logos. E isso é psicologia, a unidade-na-diferença de psique e logos.

André Dantas

 

NOTAS

  • HEGEL.GW, apud  LUFT.E, Para Uma Crítica Interna ao Sistema de Hegel, p.1 6.
  •  BAIR.D, Jung Uma Biografia Vol I, p.
  •  BAIR.D, ibid.
  •  MILLER.J, The Transcendent Function.
  •  JUNG.CG, OC VIII/ 2, p.  4.
  •  JUNG.CG, OC XIV.
  •  JUNG.CG,OC VII, pp.  6 4- 6 5.
  •  JUNG.CG,Tipos Piscológicos, p. 2 4 4.
  •  JUNG.CG, ibid , p.p  5 49,  5 50.
  •  JUNG.CG, OC XI, p.  419.
  •  JUNG.CG, OC VII, p. 7 2.
  •  MILLER.J, ibid.
  •  JUNG.CG, OCVII, pp.18 4-18 5.
  •  JUNG.CG, ibid, p.198.
  •  JUNG.CG, ibid, p. 2 20.
  •  JUNG.CG, ibid, p. 200.
  •  JUNG.CG, OC XII, p. 2 29
  •  MILLER.J, ibid.
  •  MILLER.J, Ibid
  •  JUNG.CG, OC VII, p. 209
  •  JUNG.CG, OC IX/1, pp.  280,  281.
  •  HILLMAN.J,apud MILLER, ibid. Todas as citações em outras línguas são traduções minhas.
  •  JUNG.CG, Cartas Vol II, pp.  3 3 4,  3 3 5.
  •  JUNG, ibid, p. 3 6 5.
  •  JUNG.CG, Tipos Psicológicos, pp. 80-81.
  •  GIEGERICH.W, The Neurosis of Psychology.
  •  JUNG.CG, OC VIII/ 2, p. 2 2.
  •  GIEGERICH.W, The End of the  Meaning and the Birth of Man.
  •  JUNG.CG, OC VIII/1.
  •  JUNG.CG, OC XI, p.8; Na página  1 5 3 do volume VIII/ 2 das Obras Completas, após afirmar que a psicologia não possui um ponto de Arquimedes e por isso não tem outro meio onde se refletir a não ser em si mesma, Jung afirma  1 2 páginas depois que a Psicologia precisa de um ponto de Arquimedes e que ele só pode ser o não-psíquico.
  •  JUNG.CG, OC VII, p.1 2.
  •  JUNG.CG, Cartas Vol III, p.1 6 6.
  •  GIEGERICH.W, The Neurosis of Psychology.
  •  GIEGERICH.W, ibid, pp.  18 2-18 3.
  •  GIEGERICH.W, ibid.
  • No original em inglês sublated, que foi o termo usado por Giegerich para traduzir o alemão aufheben que significa negar, conservar e elevar. No Brasil Paulo Menezes, tradutor da Fenomenologia do Espírito, utiliza o neologismo suprassumir, um recurso lingüístico que associa foneticamente os termos que visa expressar. Supra (elevar, ir além, ultrapassar, superar) + assumir (conservar, manter para si) + sumir (negar, destruir, desaparecer ) = Suprassumir. Grifo do autor
  •  GIEGERICH.W, ibid, p.18 4.
  •  GIEGERICH.W, ibid.
  •  MILLER.J, ibid.
  •  HERACLITO apud GIEGERICH .W, Souls Logical Life,  p. 3 4.
  •  GIEGERICH. W, The Neurosis of Psychology.
  •  GIEGERICH.W, The End of the  Meaning and the Birth of Man.
  •  GIEGERICH .W, Souls Logical Life,
  •  MENEZES.P, Hegel e a Fenomenologia do Espírito, p. 8
  •  MENEZES.P, Hegel como Mestre do Pensar, p.p  1 5 2,  1 5 3.
  • O pensar cartesiano não se reduz ao intelecto abstrato, mas inclui sentimento e imaginação, que para Descartes são modos de pensamento.
  •  KANT.I, Crítica da Razão Pura.
  •  KANT.I, ibid.
  •  KANT.I, ibid.
  •  CIRNE-LIMA.C, Sobre a Contradição.
  •  HEGEL.W.F, La Lógica de la Enciclpédia.
  •  HEGEL.W.F, ibid.
  •  BONACCINI.J, Dialética em Kant e Hegel.
  •  HEGEL.W.F, ibid.
  •  HEGEL.W.F, ibid.
  • Realidade no sentido amplo de efetividade.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, The Science of Logic.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  •  BONACCINI.J, ibid. HEGEL.WF, ibid.
  • JUNG.CG, Memórias, Sonhos e Reflexões, p. 2 21.
  • A diferença é que apesar da doutrina obsoleta que defende, ele ainda é a fé viva de bilhões de pessoas, tornando a cisão neurótica uma verdadeira epidemia.
  •  GIEGERICH.W, O Terrorismo Islâmico.
  •  Esse corte é o resultado final da separação entre Deus e a natureza pregado pela própria religião hebraico-cristã.
  •  A palavra consciência deriva de con ou cum, que significa “com” ou “juntamente com”, e scire, “saber”. O termo porta então o sentido de “conhecer com” um “outro”. A palavra ciência deriva apenas de scire, que porta o sentido de saber sem o estar junto. Ver EDINGER.E, A Criação da Consciência.
  •  GIEGERICH .W, Souls Logical Life. 
  •  Desejo e temor são momentos de uma mesma dialética, onde se busca o que mais se teme e se teme o que mais se busca.
  •  O primitivo, o louco e a criança tornaram-se então símbolos dessa consciência líquida, ainda não coagulada.
  •  NEUMANN.E, História da Origem da Consciência, p.99.
  •  Na verdade o inconsciente já era objeto de debate bem antes de Freud ter se ocupado dele. A Freud cabe o mérito de tê-lo popularizado ao ter lhe dado um papel de destaque nas patologias, o que abriu as portas de entrada do saber científico ansioso para conhecê-lo e domina-lo. Ver SHAMDASANI.S, Jung e a Construção da Psicologia Moderna.
  •  Com exceção de Claude Le Guen, Thomas Ogden, Jon Mills e Ignácio Matte-Blanco, que expressaram a dialética implícita no conceito de inconsciente. Se eles tivessem pensado essa dialética até as suas últimas conseqüências o resultado seria uma psique não apenas pessoal, mas cósmica,  uma anima mundi.
  •  A atemporalidade inconsciente segue o ritmo do mito, onde as ações primeiras e originárias estão eternamente presentes na forma de modelos a serem seguidos ritualmente em cada instante presente.
  •  FREUD.S,ESBXXII, p.8 4. Uma afirmação da real importância do inconsciente ressaltaria a circularidade de um movimento no qual onde estava o id ali estará o ego, e onde estava o ego ali estará o id. Uma psicologia do inconsciente só é real enquanto existir como a complexidade desse movimento simultâneo de solve et coagula.
  •  JUNG.C.G, Tipos Psicológicos, p.  47 6.
  •  JUNG.C.G, ibid, p  1 40.
  •  JUNG.C.G. WILHEM.R, O Segredo da Flor de Ouro, p. 59.
  •  JUNG.C.G, Tipos Psicológicos, p.  51 3.
  •  JUNG.C.G, ibid, p.  51 4.
  •  JUNG.C.G, ibid, p.  500.
  •  SHAMDASANI.S, p.  37 5.
  •  BERNARDI.C, Individoação: do Eu ao Outro, Eticamente.

      100. CIRNE-LIMA.C, Dialética para Principiantes.

      101. CIRNE-LIMA.C, ibid.

      102. CIRNE-LIMA.C, ibid.

      103. CIRNE-LIMA.C, ibid.

      104. CIRNE-LIMA.C, ibid.

      105. Segundo a teoria da complexidade caos e ordem penetram um no outro, visto que toda ordem oculta em-si uma desordem, e todo caos contém uma ordem não percebida de imediato.

     106. CIRNE-LIMA.C, ibid.

     107. Para uma análise do modo como Derrida trabalha com essa distinção formulada por Austin ver NASCIMENTO.E, Derrida.

     108.  PLANT.R, Hegel.

     109. JUNG.CG, OC XI, pp.  41 6,  417.

     110. WAITE apud EDINGER.E, Anatomia da Psique, p. 31.

     111. MOGENSON.G, Different Moments in Dialectical Movement, p. 78, 80.

     112. GIEGERICH.W, ibid. Na mitologia dos números o cinco relaciona-se com o quatro como o três com o dois.

     113. GIEGERICH.W, ibid.

     114. CIRNE-LIMA.C, Sobre a Contradição.

     115. O cogito cartesiano é a camisa de força que prende o pensamento na subjetividade abstrata quando pensado a partir desse mesmo pensamento abstrato. Quando pensado a partir do absoluto ele é o próprio ser universal, visto não ser mais um conteúdo, mas a relação de identidade-na-diferença que, virtualmente, constitui a essência conceitual de tudo que devém.

 116. BAIR.D, ibid, p.17 2.

 117. A palavra revolução tem sua origem na astrologia, referindo-se ao momento em que o sol completou seu movimento circular, retornando ao mesmo ponto em que estava no início para começar uma nova evolução. A dialética é uma revolução da consciência porque ela retorna as suas origens participando misticamente do cosmos, mas de uma forma completamente nova, num movimento circular simultâneo e autocontrário no qual onde estava a participação mística estará o positivismo e onde estava o positivismo estará a participação mística.

 118. JUNG.CG, Memórias Sonhos e Reflexões, pp.  57- 58.

 119. JUNG.CG, ibid, p.  59.

 120. BAIR.D, ibid, p.  60.

 121. JUNG.CG, Cartas Vol III, P. 30 4.

 122. KANT.I,ibid.

 123. KANT.I,ibid.

 124. KANT.I,ibid.

 125. JUNG.CG, OC X/1, p.1 5.

 126. JUNG.CG, OC VIII/ 2, pp. 9 2, 9 3.

 127. JUNG.CG, ibid, pp.  108,  109-110.

 128. PSIFTER.O, apud VANNOY-ADAMS, Conhecimento Mitológico: Qual sua    importância para análise junguiana (e freudiana).

 129. JUNG.C.G, Cartas Vol III, pp.  209,  210

       130. JUNG.CG, OC X/1, p.1 61.

       131. JUNG.CG, ibid, pp.1 60,1 61

       132. GIEGERICH.W, Neurosis of Psychology.

       133. GIEGERICH.W, ibid.

 134. GIEGERICH.W, ibid.

 135. GIEGERICH.W, ibid.

 136. Não estou afirmando que a genética não desempenha um papel importante em relação às categorias inatas, mas que ela não é o único fator em ação.

 137. GIEGERICH.W, ibid.

 138. GIEGERICH.W, ibid.

 140. GIEGERICH.W, ibid.

 141. FREUD.S, ESB Vol XII, p.1 50.

 142. JUNG.CG, Memórias Sonhos e Reflexões, p.  2 3 5.

 143. Embora o conceito de subjetividade abstrata estivesse lá desde o início.

 144. A palavra práxis vem do grego e significa ação. Theoria também vem do grego e significa contemplação. Uso o termo práxis no sentido de uma unidade autocontraditória de passividade e atividade, sendo assim contemplação que transforma não só o objeto contemplado, mas também aquele que o contempla.

 145. GIEGERICH.W, ibid.

 146. GIEGERICH.W, ibid.

 147. SAMUELS.A, A Psique Plural.

 148. Neumann denominou essa personalização do transpessoal de personalização secundária. Ver NEUMANN.E, ibid.

 149. HILLMAN.J, Psicologia Arquetípica.

 150. EDINGER.E, Ego e Arquétipo, p.  10 6.

 151. GIEGERICH.W, ibid.

 152. GIEGERICH.W, ibid.

 153. GIEGERICH.W, ibid.

 154. GIEGERICH.W, ibid.

 155. ARANTES.J, A Ordem Implícita de David Bohm; Anos Brasileiros de David Bohm

 156. ARANTES.J, ibid; ibid

 157. ARANTES.J, ibid; ibid

 158. ARANTES.J, ibid; ibid

 159. ARANTES.J, ibid; ibid

 160. ARANTES.J, ibid; ibid

 161. ARANTES.J, ibid.; ibid

 162. ARANTES.J, ibid; ibid

 163. ARANTES.J, ibid; ibid

 164. ARANTES.J, ibid; ibid

 165. ARANTES.J, ibid; ibid

 166. ARANTES.J, ibid; ibid

 167. ARANTES.J, ibid; ibid

 168. BOHM.D, A Totalidade e a Ordem Implicada.

 169. GIEGERICH.W, Souls Logical Life.

 170. HILLMAN.J, The Yellowing of the Work.

 171. KANT.I, ibid.

 172. KANT.I, ibid.

 173. JUNG.CG, OC VIII/ 2.

 174. JUNG.CG, OC XI, p.88.

 175. JUNG.CG, OC IX.

 176. JUNG.CG, OC X.

 177. LE GUEN.C, Dialética Freudiana-1.

 178. LE GUEN.C, ibid.

 179. LE GUEN.C, ibid.

 180. JUNG.C.G, OC IX/1, p. 3 3.

 181. JUNG.C.G, ibid, p. 3 5.

 182. FREUD.S, ESB XIV.

 183. GIEGERICH.W, The End of the Meaning and the Birth of Man.

 184. Em vários dos seus escritos James Hillman transparece a mitologia implícita nas teorias desenvolvimentistas. Freud, o pai das teorias do desenvolvimento infantil, jamais analisou diretamente uma criança, mas manteve um contato direto e profundo com os relatos míticos durante toda a sua vida.

 185. INWOOD.M, Dicionário Hegel.

 18 6. Para os efeitos desta afirmação de Jean Lyotard na metodologia científica ver DEMO.P, Metodologia do Conhecimento Científico.

 187. SOYLAND.J, Psychology as Metaphor.

 188. GIEGERICH.W, Neurosis of Psychology.

 189. JUNG, OC XIV/ 2, p.  28 3.

 190. GIEGERICH.W, ibid.

 191. GIEGERICH.W, ibid.

 192.TOBEN.B. WOLF.F, Espaço-Tempo e Além; Matéria da revista Superinteressante de setembro/9 2.

 193. TOBEN.B. WOLF.F, ibid; ibid.

 194. TOBEN.B. WOLF.F, ibid; ibid.

 195. TOBEN.B. WOLF.F, ibid; ibid.

 196. TOBEN.B. WOLF.F, ibid; ibid.

 197. TOBEN.B. WOLF.F, ibid; ibid.

 198. TOBEN.B. WOLF.F, ibid; ibid.

 199. TOBEN.B. WOLF.F, ibid; ibid.

 200. HEGEL.GW, Fenomenologia do Espírito, p.118.

 201. WINNICOTT.D, O Brincar e a Realidade, p.  1 2 4.

 202. TIMMERMANS.B, Hegel.

 203. OGDEN.T, Os Sujeitos da Psicanálise.

 204. Essa abordagem seguida por Cirne-Lima é mais fiel a contingência histórica, pois não deduz a priori uma lista de pólos contrários com suas respectivas sínteses, mas as recolhe a posteriori na história. Hegel, ao contrário, seguia Aristóteles afirmando que um conceito possui apenas um único contraditório e se há mais de um então é porque o conceito não foi determinado de forma devida.

 205. JUNG, OCVIII/ 2, p. 2 3.

 206. Ciência no sentido amplo do termo, como sinônimo de saber, de ter ciência de algo.

 207. CIRNE-LIMA.C, Dialética para Principiantes.

 208. BAIR.D, ibid.

 209. BAIR.D, ibid.

 210. SHAMDASANI.S, ibid, p. 28.

 211. Jung apud SHAMDASANI.S, ibid, p. 28.

 212. SHAMDASANI.S, ibid, p. 28.

 213. COMTE-SPOMVILLE, Dicionário Filosófico, p. 37.

 214. Pascal apud COMTE-SPOMVILLE,ibid, p. 37.

 

REFERÊNCIAS

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